Catedral de Santo André, Sidney . Wikki Commons

 

A religião está a ser cada vez mais associada ao fanatismo e à intolerância, e as alterações legislativas propostas na Austrália discriminam os crentes.

O último recenseamento australiano indica que, embora o cristianismo continue a ser a primeira confissão religiosa no país, está em declínio acentuado e o ateísmo é a segunda categoria mais registada.

Quase 44% dos inquiridos afirmaram ser cristãos em 2021 e quase 39% afirmaram não ter religião. Olhando para a tendência – estes números eram de 61% e 22%, respectivamente, uma mera década antes – é evidente que os cristãos estão a caminho de se tornarem uma minoria.

Esta tendência de enfraquecimento do legado cristão na Austrália é ainda mais exacerbada pela legislação anti-religiosa existente e proposta no país, que visa alterar radicalmente o tecido da sua sociedade. As propostas mais recentes, elaboradas pela Comissão Australiana de Reforma Legislativa (ALRC), procuram eliminar as excepções às leis que permitem às escolas religiosas expulsar alunos, despedir professores e recusar candidatos com base na sua sexualidade, credo e estado civil. Por outras palavras, o novo quadro legislativo não vai permitir que uma escola religiosa possa contratar e admitir preferencialmente pessoas que aderem aos valores da sua religião.

Este tipo de iniciativas legislativas, que não encontram oposição por parte do clero, minam a confiança dos fiéis na capacidade da igreja se opor à agenda ateísta e anti-cristã dos poderes instituídos.

Peter Kurti é director do programa Cultura, Prosperidade e Sociedade Civil no Centro de Estudos Independentes em Sydney. É um ministro ordenado da Igreja Anglicana. No seu livro “Sacred & Profane: Faith and Belief in a Secular Society”, comenta que a actual tendência das classes dominantes de defender os grupos que se auto-identificam como “vítimas” produziu um confronto indesejável entre os grupos sociais existentes, cada um dos quais tende a negar que tem qualquer obrigação para com os outros grupos.

Não se trata verdadeiramente de celebrar a “diversidade”, mas de separar as pessoas em função do género, da religião, da etnia, etc. E isto é feito tratando a sociedade como um conjunto de grupos separados que estão dependentes de respostas à diversidade geridas pelo governo.

Neste sentido, a ideia de “direitos” foi transformada num arma contra a consistência social e as leis anti-discriminação são cada vez mais utilizadas para sufocar a expressão da opinião pessoal, em vez de simplesmente evitar comportamentos indesejáveis. Esta intolerância crescente constitui uma ameaça à liberdade individual e ao Estado de direito. Por exemplo, quando os activistas do casamento entre pessoas do mesmo sexo pedem a retirada das isenções anti-discriminação aos grupos religiosos empenhados numa forma tradicional de casamento, procuram efectivamente impor as suas opiniões e crenças àqueles de quem discordam.

Actualmente, é frequente dizer-se na Austrália que um apego inflexível aos valores e tradições cristãos inibe o progresso e a evolução da sociedade. Este sentimento evoluiu e é agora utilizado para negar a participação dos cristãos na vida pública. Na sociedade australiana, há quem encontre um argumento religioso por trás de qualquer política que considere inaceitável. Há, de facto, muitos personagens nos corredores do poder, nos principais meios de comunicação social e nos círculos académicos que simplesmente não conseguem aceitar, e muito menos tolerar, que qualquer político, ou mesmo qualquer figura pública, seja influenciado pela moral cristã.

Talvez os australianos devessem considerar cuidadosamente o que podem estar a perder como sociedade ao abandonarem os valores e tradições cristãos. É agora o momento apropriado para uma avaliação dos benefícios humanos e sociais tangíveis da religião e para o reconhecimento das potenciais desvantagens da Austrália se tornar uma sociedade menos religiosa, dado o número crescente de australianos que se afirmam agnósticos ou ateus.

Greg Sheridan, um importante jornalista australiano, prevê:

“O eclipse do cristianismo será como o eclipse do sol. O resultado é a escuridão”.

Quando o cristianismo for totalmente erradicado da sociedade e da cultura australianas, será simplesmente impossível ignorar o facto de que, sem a crença em Deus, não há responsabilidade moral. É como diz Sheridan:

“A vida passa a ser apenas o que se pode fazer dela, e não há um preço final a pagar”.

Rodney Stark é uma das maiores autoridades mundiais em sociologia da religião. Durante muitos anos, este nomeado para o Prémio Pulitzer foi professor de sociologia na Universidade de Washington. Numa tentativa de ultrapassar o barulho das “guerras culturais” e de se concentrar exclusivamente nos factos, Stark, no seu livro “A Benção da América: Como a religião beneficia toda a gente, incluindo os ateus”, mediu cuidadosamente os efeitos globais da crença religiosa numa sociedade.

Em comparação com pessoas menos religiosas e ou sem religião, Stark concluiu que

– Os crentes têm muito menos probabilidades de cometer crimes em todas as idades;

– São muito mais propensos a contribuir para instituições de caridade, mesmo as seculares, a oferecer o seu tempo para programas socialmente benéficos e a serem activas em assuntos cívicos;

– Gozam de saúde física e mental em proporção superior – são mais felizes, menos neuróticos e muito menos susceptíveis de cometer suicídio;

– Têm por isso uma esperança média de vida superior em mais de sete anos à dos não crentes;

– Manifestam um maior grau de satisfação com o seu casamento e são substancialmente menos susceptíveis de maltratar os seus cônjuges e filhos;

– Têm melhores resultados em testes de desempenho padronizados e abandonam a escola em menor número;

– Estão muito menos sujeitos a receber subsídio de desemprego ou assistência social.

Os australianos deveriam, por conseguinte, ponderar cuidadosamente o quanto poderão estar a perder enquanto sociedade ao tornarem-se menos religiosos. Os valores chegam até nós pela continuidade do legado histórico. Quando tentamos cortar todas as ligações a esse passado, arriscamo-nos a cortar as linhas de vida das quais esses valores dependem essencialmente.

No entanto, as demonstrações regulares de animosidade para com os cristãos convictos podem ser encontradas nos principais partidos políticos e são exemplo de um fanatismo antirreligioso mais vasto. De facto, as vozes que criticam fortemente o cristianismo e suspeitam de qualquer influência cristã na política australiana estão a tornar-se cada vez mais influentes e intolerantes, mesmo no espectro conservador da política.

Por exemplo, muitos membros do Partido Liberal, na verdade o partido conservador na Austrália, acreditam firmemente que os seus pontos de vista são rotineiramente ignorados, e até ridicularizados pelo partido, na busca de noções nebulosas e não testadas de “diversidade” e “inclusão”.

O caso Moira Deeming, em Victoria, que envolveu a sua expulsão do Partido Liberal por ter participado numa manifestação pró-vida e pró-mulheres, bem como a rejeição de pedidos de filiação de pessoas com visões cristãs no Sul da Austrália, levaram dezenas de antigos e outrora empenhados membros do Partido Liberal a abandonarem o partido em resultado das suas visões verdadeiramente conservadoras.

Ao ditarem o que as pessoas podem dizer e aquilo em que podem acreditar e ao condicionarem o aspecto mais essencial das suas vidas como um assunto da esfera pública, aqueles que consideram o dever moral dos crentes de agirem de acordo com a sua consciência como algo que os desqualifica para a vida política são, na verdade, culpados de uma forma antidemocrática de fanatismo antirreligioso, um sentimento que é bastante prevalecente na sociedade australiana em particular e nas sociedades ocidentais em geral.

Não há nada na Constituição australiana que possa justificar a supressão do discurso religioso na esfera pública. Pode ser contraproducente apresentar um discurso abertamente religioso numa sociedade neopagã como a australiana, mas não há nada que possa justificar a negação de direitos iguais de liberdade de comunicação política para todos os cidadãos, religiosos ou não.

A discriminação com base na religião do tipo que vigora hoje na Austrália é uma afronta à dignidade humana e totalmente incompatível com as normas internacionais de direitos humanos que protegem a crença religiosa e a prática religiosa.

E um vector de declínio dos valores da cultura ocidental. Mais um.