O declínio do interesse pela música clássica tem sido um tema constante de discussão no mundo das artes, nas últimas décadas. A ruína da educação musical nas escolas e o abismo que agora separa as sinfonias e as óperas da música popular foram amplamente entendidos como tendo reduzido drasticamente a dimensão dos públicos potenciais. Mas nos últimos anos, algumas mentes brilhantes pensaram ter encontrado uma resposta. Ao dedicarem as artes clássicas à programação e à ideologia woke, pensaram que tinham um caminho para a relevância que lhes traria públicos maiores e mais jovens, bem como o financiamento de que necessitavam para continuarem a operar.

Mas estavam errados, claro. E a prova da sua insensatez acaba de ser apresentada no fracasso da Opera Philadelphia, a empresa que mais tem investido no conceito de woke como salvação da música clássica.

Durante doze anos, David Devan foi a vedeta do mundo da música clássica americana. Ele assumiu o cargo de director geral da Opera Philadelphia em 2011 e colocou a companhia, que se debatia com dificuldades financeiras e artísticas, no mapa. O seu desempenho foi elogiado pelos principais críticos musicais em publicações como o New York Times e o Washington Post pela sua ênfase na inovação, e os seus esforços foram comparados favoravelmente aos de instituições artísticas mais prestigiadas.

Devan liderou o caminho na adopção da ideologia woke dentro e fora do palco, com ênfase em óperas que atraíam a comunidade LGBTQ e eram dirigidas às minorias étnicas. Durante os confinamentos Covid, foi elogiado por apresentar espectáculos online e uma programação que reflectia a sua crença em formas de actuação não tradicionais.

Nenhuma outra organização artística foi mais rápida em abraçar o movimento Black Lives Matter e depois em jurar fidelidade ao catecismo da diversidade, equidade e inclusão (DEI). Gastou os escassos fundos dos doadores na contratação de um comissário de equidade (uma práctica de cariz soviético, que rapidamente se tornou padrão nas artes) para policiar a aplicação da equidade e, assim, colocou as políticas raciais e de identidade acima da excelência dos músicos e intérpretes, e até das escolhas de repertório.

 

E resultados? Menos que zero.

Mas quem pensou que isso resolveria os problemas de uma instituição que aspirava a ser considerada uma companhia artística de primeira linha, em vez de uma operação mediana de liga secundária, estava errado. Longe de alimentar o interesse do público, aumentar a venda de ingressos ou captar o financiamento de doadores, a ênfase woke não fez nada para criar novos públicos.

Este mês, a Opera Philadelphia anunciou que não tinha conseguido angariar dinheiro suficiente para cumprir o seu orçamento e, consequentemente, estava a fazer cortes de 20% nas suas operações. A equipa de direcção foi demitida e a sua já escassa agenda de apresentações foi drasticamente reduzida, adiando por um ano a aguardada produção de uma ópera de Joseph Bologne, um compositor do século XVIII conhecido como o “Mozart negro”, que era a peça central do seu programa DEI. Devan foi o primeiro a abandonar o barco e anunciou rapidamente que estava de saída.

Foi um duro golpe para a companhia, que agora está a lutar não apenas para encontrar alguém que corrija o desastre que Devan deixou como legado, mas também para desencantar soluções de sobrevivência. Por enquanto, continuará as operações. Mas, salvo uma reviravolta operática do género deus ex machina, que descubra novas fontes de financiamento, o drama musical em Filadélfia – a sexta cidade dos EUA com uma área metropolitana que integra mais de cinco milhões de habitantes e que, pelo menos em teoria, deveria conter pelo menos alguns milhares de pessoas que gostam desta forma de arte – pode estar a caminhar para a extinção.

 

Insistir no erro.

No entanto, a Opera Philadelphia não está preparada para tirar quaisquer lições dos seus erros ou para ponderar se um afastamento dos clássicos e a ênfase na hipocrisia progressista está a prejudicar, em vez de ajudar, a sua causa.

No caminho de saída, Devan afastou-se ainda mais dos favoritos tradicionais do público como um caminho a seguir para as artes clássicas. O presidente do conselho do Opera Philadelphia, Stephen Klasko, CEO da Jefferson, um dos maiores conglomerados hospitalares e de educação médica do Nordeste americano, concordou. Klasko disse ao The Philadelphia Inquirer que a missão capital da companhia seria a de servir as populações minoritárias que não têm nenhum interesse discernível na ópera.

 

A pandemia woke.

A Opera Philadelphia está longe de ser a única companhia artística que sofre no ambiente actual. Até mesmo a mundialmente famosa Orquestra de Filadélfia, uma instituição muito mais prestigiada e rica, tem lutado para ocupar os lugares nos seus concertos, especialmente aqueles que reflectem a sua própria dedicação à agenda woke de música composta por minorias, independentemente da sua intrínseca qualidade ou do mérito dos criadores e intérpretes, especialmente em contraste com o repertório central dos clássicos. Problemas orçamentais podem levar a uma greve dos seus músicos, que estão cansados de serem forçados a absorver cortes em salários e benefícios depois que a empresa foi resgatada da falência na última década.

Os mesmos problemas também são encontrados em Nova York, claro, cidade que abriga as maiores e mais influentes instituições artísticas da América do Norte, que antes eram consideradas imunes ao efeito da mudança nos gostos musicais. Na mesma semana em que a Opera Philadelphia anunciou os seus cortes orçamentais, o Metropolitan Opera notificou que estava a fechar a sua organização de apoio, a Opera Guild, e a revista Opera News, que serviu como bíblia americana para os fãs de ópera por quase 90 anos. E embora o Met possa recorrer a grandes doadores, nem isso impediu o drástico declínio na venda de ingressos no seu teatro de referência no Lincoln Center, ligado a uma mudança no sentido de dar ênfase a óperas contemporâneas, especialmente aquelas que celebram especificamente a experiência afro-americana.

Estas companhias estão a sofrer de problemas que afligem todas as companhias de música clássica no século XXI, à medida que os concertos e a ópera se tornaram um nicho de entretenimento cada vez mais marginal, que poucos públicos conseguem compreender e muito menos desfrutar.

As companhias não podem mais contar com o apelo de grandes estrelas como o falecido Luciano Pavarotti ou o cancelado Plácido Domingo. A estrela mais famosa do Met dos últimos anos, a soprano russa Anna Netrebko, foi despedida por se opor insuficientemente à invasão da Ucrânia, uma causa sagrada entre a comunidade artística americana dominada pela esquerda, e agora está – e bem – a processar o Met para receber a fortuna que lhe é devida por contrato.

A inovação na música dita clássica ou erudita deva ser encorajada (embora não no sentido niilista que o pós-modernismo tem seguido), mas o foco obstinado dos grandes grupos artísticos e das organizações filantrópicas que os financiam em obras que estão em conformidade com a ortodoxia esquerdista, garante apenas que a ideia de harmonizar o que é belo com o que é popular não tenha qualquer hipótese de concretização.

Como escreveu Heather Mac Donald, do Manhattan Institute, no seu recente livro, “When Race Trumps Merit”, a busca pela diversidade e equidade não tornou a América apenas menos segura, menos produtiva e menos capaz. Trata-se também de “sacrificar a excelência” em nome de uma causa radical que não valoriza os grandes tesouros da civilização ocidental, entre eles as eternas obras clássicas.

Longe de salvar estas formas de arte, a adopção da agenda DEI está a acelerar o seu desaparecimento. O que resta dos públicos-alvo que eram fieis a estes espectáculos estão a ser afugentados pelo abandono do seu repertório preferido, que é substituído por programas woke, ideologicamente carregados. A haver alguma esperança para a música clássica , ela terá de vir do reconhecimento de que a promoção dos valores da diversidade sobre os critérios da qualidade é um pacto suicida para as artes.