No seu monólogo da semana passada, Neil Oliver começa por desenrolar um intrincado novelo de perguntas. O que é que aconteceu à liberdade para perseguir a felicidade? O que é que aconteceu ao governo pelas pessoas, das pessoas e para as pessoas? O que é que aconteceu à ideia de que todos somos iguais perante Deus, quando nascemos? O que é que aconteceu ao conceito de sermos livres para depois perseguirmos os nossos destinos como nos aprouver? O que é que aconteceu aos valores da Declaração da Independência de 1776 e do discurso de Gettisburgh, de Abraham Lincoln, proferido em 1863?
A declaração da independência foi redigida por homens que tinham fugido das tiranias absolutistas ou religiosas da Europa, à procura de um mundo melhor. O discurso de Lincoln foi feito na ressaca da chacina da Guerra Civil Americana. São palavras que procuram afirmar direitos inalienáveis e naturais. Axiomáticos. Que são tão antigos como o homem. Encontramo-los na Grécia clássica, como na Magna Carta. Na mensagem de Cristo como nas meditações de Marco Aurélio. São património da condição humana. Não são de ninguém para serem obliterados e são excessivamente fundamentais para serem cedidos. Os pais fundadores dos Estados Unidos diziam que estes direitos eram por si só evidentes, ou seja, que não admitem sequer contraditório. Estavam carregados de razão.
Mas, outra vez, que foi que lhes aconteceu? Através de que meios e com que legitimidade, políticos e burocratas encontraram entretanto a audácia para ignorarem estes princípios? Quem são eles para terminarem os direitos universais com que os indivíduos são nascidos? Porque raio foi tão fácil implementar confinamentos e obrigar a vacinas, como se fossemos criminosos? E porque é que estes mestres de um dos mais gigantescos erros governamentais da história da gestão da coisa pública continuam impunes e, muitos deles, confortavelmente instalados ainda nas suas opulentas e autoritárias posições de poder? Os seus modelos estavam errados e as suas previsões nunca se confirmaram. As suas políticas falharam e as suas prácticas mostraram-se aberrantes do ponto de vista moral, tanto como funcional. Políticos, peritos, cientistas, burocratas, tecnocratas e magnatas de todo o mundo espalharam-se ao comprido, cometendo pecados capitais no processo. Fizeram tudo menos proteger as pessoas (causa que alegavam justificar as suas maliciosas iniciativas), mas de facto conseguiram atingir seu intento último e oculto (ou não tão oculto como isso): ganhar controlo sobre as sociedades e os indivíduos e transferir riqueza, em escala recordista, das massas para as elites.
A verdade é que os governos actuais não operam para garantir direitos e liberdades aos governados mas, inversamente, trabalham para os anular, promovendo o privilégio e prosperidade obscena de uns poucos à custa do empobrecimento e da servidão mental e económica de todos os outros. A administração pública contemporânea existe para nos condenar a vidas mais difíceis e mais pequenas, mais limitadas e controladas: dir-se-ia que para as elites que se cristalizam no poder, quanto mais infelizes formos, melhor. Talvez porque nos temam. Talvez porque o potencial humano ameace o status quo. Os guetos de 15 minutos, as constantes ameaças de apocalípticos cenários, a guerra aos automóveis e à mobilidade (poderoso motor da independência individual) e ao dinheiro em espécie (que pode circular sem autorização dos governos); a retirada do direito à propriedade e o elogio da inteligência artificial e de todos os processo transhumanos, inclusivamente a selvática e radical ideologia de género, são meios para um fim: a condenação do indivíduo a uma existência sem aspirações nem identidade, sem livre arbítrio nem transcendência, isenta de direitos axiomáticos sobre os quais foi construída a Civilização Ocidental.
Neil Oliver observa que as massas estão a ser vítimas de um acto de banditismo em grande escala, perpetrada por lideranças políticas e económicas e académicas que mais não fazem que subverter a realidade em função de agendas de domínio global, com o auxílio de burocracias sovietizadas e aparelhos mediáticos servis, que funcionam como ministérios de propaganda. Todos mentem da mesma maneira e ao mesmo tempo, com raras excepções. Mas é precisamente por isso que, nesta idade de mentiras sobre mentiras e da retirada de princípios sagrados, devemos poderar bem os valores que elegemos como essenciais e prioritários. Durante mais de dois mil anos, fomos ensinados de que a mais poderosa realização do universo foi a humanidade. Assim sendo, fomos educados a respeitar e valorizar e amar, até, a espécie humana. Mas agora somos obrigados a tolerar uma visão do Homem como um ser degradante e destruidor e a Civilização como um processo nefasto. Agora percebemos que as elites matam com remédios e alimentam com venenos, que nos desinformam sobre o presente e que nos adulteram o passado, que nos falsificam a ciência, que nos interditam a religião, que nos aviltam a arte, em nome de mitos sem nexo e de lucros sem fim. Até a mutilação de crianças, perpetrada pela ideologia transgénero – uma fraude ontológica sem nome – terá que ser aceite pelas massas.
As elevadas aspirações dos pais fundadores da América nunca na verdade foram cumpridas. Mesmo entre eles existiam donos de escravos e aristocratas plenipotenciários. Mas partilhavam de qualquer forma o sonho de um futuro mais justo, que potenciasse a glória do ser humano. E só porque uma ideia genial nunca foi realizada não quer dizer que nunca o possa ser. Oliver é um optimista por natureza e acredita que é possível construir sobre as desgraças e os recuos filosóficos e políticos e económicos de hoje, um mundo melhor para amanhã. Mas para isso é preciso que todos comecam por fazer aquela que será a mais importante pergunta da primeira metade do século XXI:
Somos a favor ou contra a espécie humana?
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