Nevertrumpers: David Brooks, Max Boot e Bill Kristol

 

Há muitos livros que lamento nunca terem sido traduzidos para Português. Um deles é o antepenúltimo livro de Victor Davis Hanson, professor de História Militar e da Antiguidade, na Universidade de Stanford, e membro do Instituto Hoover, sediado na referida universidade. O livro, intitulado “The Case for Trump”, descreve exemplarmente a ideologia do 45º e 47º presidente dos EUA (Estados Unidos da América), Donald J. Trump, incluindo a maneira como devemos distanciar o pensamento de Trump dos chamados “republicanos tradicionais”. Uma curiosidade sobre esse livro, e não quero aqui encorajar ninguém a se isolar numa bolha de absoluta concordância, é que ele reforçou muitas das opiniões que eu tinha sobre o movimento anti-Trump. Além disso, o livro trouxe esclarecimentos sobre como pensam alguns dos mais destacados intelectuais do movimento conservador que são mais cépticos em relação a Trump. Deixe-me explicar melhor, através dos exemplos fornecidos pelo professor Hanson.

O destaque do elemento racial foi algo que Colin Powell, um dos secretários de estado durante a administração de George W. Bush, não hesitou em fazer. Ele chamou os eleitores de Trump de “pobres camaradas brancos” (“poor white folks”) e ao próprio Trump de “pária”. O que veio a ser conhecido como o líder do movimento separatista da Califórnia (Calexit), Shankar Singan, aproveitou a evidência da fuga de norte-americanos da classe média da Califórnia para defender a substituição de nativos por “melhores pessoas”. Para Singan, a saída de californianos nativos daria lugar a um influxo de imigrantes provenientes de outras partes do mundo.

Devem estar a pensar: “mas isso são comentários típicos dos liberais, dos progressistas e da nova esquerda em geral, certo?” Bem, lamento informar que não são exclusivos deles. Muitos intelectuais que, pelo menos até recentemente, eram enormemente respeitados, dentro do Partido Republicano e do movimento conservador, não hesitaram em fazer este tipo de observações.

Vejamos o que o renomado colunista e escritor David Brooks escreveu, num artigo publicado a 30 de janeiro de 2018, no New York Times, sobre a “América branca e economicamente atrasada”. Para Brooks, esses “locais rurais”, predominantemente brancos, são regularmente marcados pela “estagnação económica, pelo isolamento social, pela desintegração familiar e pelo elevado vício em opióides”, o que contrasta com outras áreas da América, que possuem “coesão social, dinamismo económico, salários ascendentes e valores familiares saudáveis”. Brooks faz essa descrição para, depois, afirmar que os imigrantes “apresentam mais dessas virtudes do que os nativos” (ou seja, os nativos que, por escolha ou necessidade, permanecem nas áreas rurais dos EUA). Ele diz que são os imigrantes aqueles que, aproveitando-se de uma citação do sociólogo norte-americano Charles Murray, mais se apegam ao que tornou o “projeto americano” possível, como a laboriosidade, a honestidade, o matrimónio e a religiosidade. Mais adiante, Brooks admite pensar que os imigrantes são um antídoto para as patologias de parte da sociedade americana.

Primeiramente, o artigo de Brooks não faz nenhuma referência à distinção entre imigrantes legais e ilegais. Se houver alguém, na direita norte-americana, que não se incomode com a propagação do conceito de “imigrantes irregulares” ou “imigrantes não documentados”, esse alguém é David Brooks. A esquerda norte-americana pode contar com a companhia dele para estigmatizar cidadãos comuns que têm reservas quanto à imigração ilegal e colocá-los no grupo de nativistas lunáticos que se opõem a qualquer controle de imigração e que nem acreditam na assimilação. Além disso, como observa o professor Hanson, Brooks aborda a variável demográfica como se ela fosse automaticamente mais explicativa do que outras variáveis, tais como os recursos naturais, a qualidade governamental, a localização geográfica e o clima na prosperidade de uma cidade, condado ou estado.

A 7 de fevereiro de 2017, Bill Kristol, então diretor da revista, entretanto defunta, The Weekly Standard, teve a sua vez de revelar seu respeito pelo eleitorado norte-americano em sua totalidade. Numa entrevista concedida a Charles Murray, nas instalações do think-tank American Enterprise Institute, Kristol concordou com diagnósticos pessimistas sobre a sociedade norte-americana, especialmente sobre a classe trabalhadora (“se as coisas estão assim tão más com a classe trabalhadora branca”), algo que Murray já havia explorado detalhadamente no livro “Coming Apart: The State of White America, 1960-2010”. E Kristol não resistiu em depositar sua confiança na imigração, como solução para os problemas que afligem os EUA: “Não querem deixar novos americanos entrar?”. Mais uma vez, o NeverTrumper Kristol revela estar completamente desconectado dos norte-americanos que não vivem nas grandes cidades como Washington D.C., Nova Iorque e Los Angeles:

“Nem consigo entender como alguém pode acreditar que um grande influxo de imigrantes no sul do Arizona, no Texas e na Carolina do Norte pode ter prejudicado a vida de alguém”.

Em poucas passagens dessa entrevista, ele conseguiu esconder sua suspeita em relação aos eleitores das áreas deprimidas, como descritas por Brooks:

“Eu não estou a minimizar a sua ansiedade e a sua infelicidade… Não acho que isso seja uma verdadeira análise da situação. Aliás, eu tenho-me inclinado para o oposto, para pensar que os imigrantes possuem mais das virtudes ultrapassadas do que muitos americanos ultrapassados”.

Vejamos um último exemplo. Max Boot, autor, historiador militar (respeitável) e ex-militante desiludido com o Partido Republicano, compartilhou um de seus artigos de opinião em 19 de junho de 2018, com o seguinte post no X/Twitter:

“Se pudéssemos apenas ficar com os recém-chegados latino-americanos dedicados e deportar os desprezíveis covardes republicanos – isso realmente elevaria a grandeza da América”.

Algo em comum transcende esses “conservadores” que não deixam Trump e seus eleitores em paz. Em primeiro lugar, Colin Powell, com o comentário mencionado acima, mal se diferenciou dos ativistas mais identitários da América, ao sublinhar a suposta cor dos apoiantes de Trump. Se o atual presidente dos EUA, enquanto chefe de estado ou candidato, alguma vez se aproveitasse da mesma ferramenta de comentário ou ataque, a imprensa não o perdoaria.

E o que têm em comum David Brooks, Bill Kristol e Max Boot? E estes três com alarmistas anti-americanos e divisivos como Shankar Singan? Antes de tudo, o desprezo pela classe média branca norte-americana, que, segundo o professor Hanson, é uma característica central da elite norte-americana, visível em muitos colunistas e jornalistas. Algo um pouco menos óbvio, mas também muito importante, é o desejo expresso ou implícito de substituir os cidadãos americanos, especialmente dos que determinaram a eleição de Trump. Uma ideia compartilhada entre os três ou quatro é que existem patologias próprias dos norte-americanos nativos que são muito mais visíveis e significativas do que as dos centros urbanos e dos guetos. Isso fica evidente pela forma descarada com que se esquivam de uma distinção efetiva entre imigração legal e ilegal, como se a queixa de que a imigração ilegal ameaça o estado de direito não fosse legítima, mas sim um requisito para ostracização e deportação.

Essas investidas dos republicanos mais centristas ou de conservadores com egos repulsivos, que comumente expressavam e expressam um desdém elitista pelo mundo rural, só deram munições ao círculo de Trump. Há muito tempo, os NeverTrumpers não me convencem de que seus preconceitos e repulsa são apenas questões políticas. São, parece-me óbvio, também culturais e regionais. Falaram, escreveram (e continuam a fazê-lo), e ficou cada vez mais nítido que não conseguiam dissociar a sua rejeição de Trump da capacidade dos eleitores da “heartland” da América em escolherem quem melhor servia os interesses de suas comunidades locais. Portanto, os NeverTrumpers só se importam com uma parte dos EUA, aquela à qual pertencem territorialmente. Por isso, aceitam a mudança radical da demografia da sua “amada” América e não se importam com a substituição populacional que uma combinação de leis migratórias e incompetência, reforçada durante a administração Biden, tem vindo a tornar possível.

 

LOURENÇO RIBEIRO
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Lourenço Ribeiro é licenciado em Sociologia pela FLUP e é mestrando em Políticas Públicas pelo ISCTE. É filiado do Instituto Trezeno.

As opiniões do autor não reflectem necessariamente a posição do ContraCultura.