Alma Mahler em 1909

 

Bela, sensível e criativa; compositora, autora, editora e uma das mais célebres anfitriãs de salões para intelectuais da história da humanidade, Alma Margaretha Maria Schindler (1879-1964) seria a mulher perfeita se não tivesse esta tendência suicida para se perder de amores por homens do seu nível intelectual. Depois de se apaixonar, ainda muito jovem, pelo compositor e maestro Alexander von Zemlinsky, cometeu logo aos 22 anos o erro da sua vida, ao casar com o puritano Gustav Mahler, 20 anos mais velho, que logo depois de concretizado o nó cego, lhe disse isto:

“Doravante terás uma única vocação: fazer-me feliz”.

Com esta máxima lapidar, pretendia o acautelado maestro impedir que a sua mulher se transformasse numa rival, e desatasse a escrever música de primeira categoria – humilhação suprema para o director da Ópera de Viena, que não mostrava qualquer interesse nas partituras da mulher.

Alma, claro está, nunca obedeceu ao marido e jamais deixou de compor, tendo escrito, ao longo da sua febril existência, quase cinquenta canções para piano e voz. Tudo o que o cabotinismo colérico de Gustav conseguiu realizar, aliás, foi um valente e merecidíssimo par de cornos (a sua mulher tomou por amante o arquitecto Walter Gropius) e um doloroso choque com a realidade que o tornou cliente habitual de Sigmund Freud.

Depois de ser traído, Gustav Mahler começou a interessar-se mais pela música que a mulher compunha, curiosamente, ajudando-a a publicar cinco das suas canções.

Com a morte do Mahler, em 1911, Alma afastou-se do amante e iniciou uma relação tórrida e tumultuosa com o pintor, poeta e dramaturgo Oskar Kokoschka. Porém, a esquizofrénica e possessiva paixão de Kokoschka transformou o affair num inferno insustentável. O pintor chegou ao ponto obsessivo-compulsivo de mandar fazer uma boneca em tamanho real à imagem e semelhança da sua amada, depois de ser abandonado por ela (Afonso Cruz há-de escrever um romance inspirado nesta estranha história).

 

A boneca de Kokoschka

 

Um ano depois, Alma casa com o ex-amante Walter Gropius, de quem teve uma filha. Gropius chegou na verdade a pensar que seria também pai do menino que veio a seguir, embora já toda a gente em Viena soubesse que o co-responsável por essa segunda gravidez era Franz Werfel, novelista e dramaturgo com que Alma se tinha envolvido entretanto e com quem casou em 1929.

Fugidos para França depois do Anschluss ter nazificado a Áustria em 1938 (Werfel era judeu), têm que voltar a escapar do nacional socialismo logo que a França é também ocupada pelas forças alemãs. Refugiam-se por uns meses em Portugal, no Grande Hotel D’Itália do Monte Estoril, rumando em Setembro de 1940 para os Estados Unidos e assentando em Los Angeles, onde Alma Maria Mahler Gropius Werfel se tornou um ícone cultural, recebendo nos seu famosos e cobiçados salões sociais personalidades notabilíssimas como Arnold Schoenberg, Igor Stravinsky e Thomas Mann.

Depois de uma vida que foi, de certa forma, uma vingança sobre os homens que recusaram reconhecer nela mais do que a ninfa danada das suas paixões, morre a 11 de Dezembro de 1963, deixando um legado de influência tentacular na história da música, da arquitectura, da psicologia e das artes plásticas do Século XX.