Introdução

“Cada pessoa deve ser total, completa, e ter liberdade para o ser. Sempre bati no ponto, para mim importantíssimo, da liberdade total, não condicionada: cada um ser aquilo que é, coisa bastante restringida pela aparelhagem política e económica. O homem foi feito para ser um poeta à solta, seja qual for a sua expressão poética. Pode ser a música, a literatura ou coisa nenhuma… Olhar os gatos, as pedras, as árvores. Até pode acontecer que uma pessoa não seja absolutamente nada, de repente tenha uma ideia estupenda para o bem do mundo.”
Agostinho da Silva

AGOSTINHO, ENSINE-NOS, Entrevista a Lurdes Féria, 1986, IN Paulo Borges (org.), AGOSTINHO DA SILVA – DISPERSOS, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Ministério da Educação, 1988, p. 115.

 

O ensino das Artes Visuais no 3º ciclo do ensino básico e no ensino secundário não se destina a produzir artistas, assim como o ensino da Matemática e da Física não se destina a produzir físicos ou matemáticos, nem o de Português literatos ou romancistas. O “ut poesis pictura1, que os artistas do Renascimento haviam reivindicado invertendo o adágio de Horácio, não é o saber reservado unicamente aos artistas: a pintura, como a escultura, a gravura e qualquer outra arte é uma língua que pode ser compreendida e falada por qualquer um que tenha inteligência de sua língua” (Rancière, 2002, p. 75).

A escola não serve para produzir nada. Se servisse para produzir alguma coisa não se chamaria escola, mas produtora, ou fábrica. E a escola não se chama fábrica. Sucede, porém, que apesar de não se chamar fábrica, a escola está organizada de forma a produzir sujeitos, ou seja, homens e mulheres cuja principal característica é a disponibilidade para a sujeição.

O léxico socioeducativo chama-lhes cidadãos e atribui-lhes predicados, a adquirir precisamente pela escolarização, enunciados com recurso a expressões suficientemente vagas como espírito crítico, responsabilidade e integridade, excelência e exigência, curiosidade, reflexão e inovação e, paradoxalmente, liberdade. No “Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória” (Ministério da Educação, 2017), documento com força de lei que regula e vigia doze longos anos do mais importante período da vida dos jovens portugueses, a palavra brincar não aparece uma única vez. Esta omissão é bem o reflexo da seriedade com que os mercados encaram o sistema de ensino e a produção de sujeitos destinados a alimentar sociedades ditas democráticas, bem como a força de trabalho de fábricas de facto, mais ou menos sofisticadas, de produção mais ou menos tangível, onde a escola, afinal, vê coroado o seu esforço emancipador.

É assim que o ensino das Artes Visuais não tem o desígnio de produzir artistas. Até porque não sendo possível definir com exactidão algorítmica o que possa, de facto, ser um artista, talvez seja possível caracterizá-lo como alguém que soube, ou pelo menos tentou, resistir a ser produzido e a assumir voluntariamente a condição submissa de sujeito. Essa será a primeira e necessária característica do artista, seja ele oriundo de uma escolarização especializada nas artes, nas matemáticas, nas letras ou em qualquer outra área do conhecimento humano.

 

 

Capturar as almas

O fenómeno da globalização que dominou o final do século XX e o início do século XXI, potenciado por avanços tecnológicos sem par na história da Humanidade, induziu alterações profundas em alguns conceitos tradicionais, como sejam o de Soberania e Estado-Nação2. Sob pressão do movimento financeiro global e de agressivas políticas neoliberais em que esse movimento assenta, os centros de decisão soberana moveram-se do interior das instituições nacionais para polos difusos de um poder transnacional, de difícil identificação, caracterização e escrutínio. As políticas de educação não ficaram imunes a estas transformações, tendo organismos como o Parlamento Europeu, o Conselho da Europa, a OCDE, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, a UNESCO ou o Fórum Económico Mundial, assumido um papel preponderante nos processos de tomada de decisão que antes se encontravam, apesar de tudo, sob relativo domínio dos Estados e das suas instituições. Parece ser legítimo discutir até que ponto as sociedades ditas democráticas prosseguem a sua existência sob o princípio da auto-determinação, ou se, pelo contrário, foram colonizadas por uma “classe capitalista transnacional” com sede em Davos e no clube Bilderberg.3 A emergência de uma “sociedade em rede” (Castells & Cardoso, 2005) e a diluição das identidades numa geometria incerta de forças globais que actuam sem qualquer escrutínio democrático, organizadas em tecnologias de poder e dispositivos de governamentalidade de sofisticação crescente e apoiados na tecnologia – aquilo a que Günter Anders chamou Dispositivo Universal4 -, são traços característicos de um movimento colonizador de dimensão planetária, movimento esse que de algum modo reproduz, amplia e aprofunda aquele iniciado no século XV com a expansão marítima europeia. Este movimento de conquista, captura e exploração não se limita aos territórios e seus recursos, tendo-se expandido para os fundamentos identitários dos povos, as ordens jurídico-constitucionais, para as raízes da cultura, os hábitos, as tradições, a organização social e, finalmente, para o interior do próprio corpo e da alma humanos, através da bio e da psicopolítica, elevados à potência de um transumanismo gnóstico de feição escatológica.

Se a forma disciplinar do capitalismo, na sua vocação produtiva, dociliza e socializa o corpo, sendo uma das faces visíveis da biopolítica (Foucault, 2008) enquanto “técnica de governação da sociedade disciplinar”, a estratégia dos novos colonizadores passa por uma captura da alma, pela coerção contínua operada pelo estado de excepção, pelo condicionamento dos processos psicossociais de que participam o indivíduo e as populações, e pela invenção de “formas de exploração cada vez mais refinadas” (Han, 2018, p. 45). Estas formas de exploração não serão, porém, mais exercidas sobre seres humanos, tal como hoje ainda os concebemos, mas sobre os seus sucedâneos biotecnológicos, sujeitos produzidos a partir de excrescências apocalípticas herdadas da política, da genética e da tecnologia (a qual exerce o seu domínio por via do pensamento mágico e da psicologia das religiões), subjectivados sob os auspícios da alienação e do esquecimento.

Recorda-nos Hermínio Martins que “A expressão “gnosticismo tecnológico” pode parecer contraditória dado que o gnosticismo é usualmente entendido como envolvendo horror ao orgânico, repugnância pelo corpo, aversão pelo natural – certamente pela natura naturata, pelos seres naturais na sua manifesta bruteza se não mesmo pelos poderes ocultos, plásticos, da natura naturans – e um pathos metafísico por via do qual a “viscosidade” das coisas é sentida como radicalmente inimiga do espírito. A tecnologia implica manipulação do mundo material e, por aí, aparece como inerentemente contragnóstica. Todavia, pela expressão superficialmente paradoxal “gnosticismo tecnológico” quer-se significar o casamento das realizações, projectos e aspirações tecnológicos com os sonhos caracteristicamente gnósticos de se transcender radicalmente a condição humana (e não simplesmente de a melhorar e habilitar os seres humanos a triunfarem sobre as forças naturais hostis). Ultrapassar os parâmetros básicos da condição humana – a sua finitude, contingência, mortalidade, corporalidade, animalidade, limitação existencial – aparece como uma motivação e até como uma das legitimações da tecnociência contemporânea, pelo menos em algumas áreas”. (Martins, 2012, pp. 17–18)

Um dos motores desta nova saga transumanista e colonizadora afigura-se, assim, a tecnologia, que povoou de forma insidiosa e definitiva todos os domínios operativos e simbólicos do quotidiano, sendo que a Escola, incluindo as aprendizagens curriculares que nela se desenvolvem, é um dos espaços onde a sua influência se faz já sentir com maior intensidade e onde a potência do seu crescimento é mais desejada pelos colonos e pelo poder da metrópole invisível. Umas vezes com resultados aparentemente positivos nos processos pedagógicos, facilitando a comunicação e abrindo espaço a experimentações e desafios que estimulam a criatividade e fomentam o pensamento crítico dos estudantes – palavras omnipresentes nos documentos reguladores, mas cujo significado está longe de ser integralmente compreendido -, outras com consequências nefastas ao nível da própria autonomia, emancipação e desenvolvimento emocional dos indivíduos, da sua verdadeira transformação e, acima de tudo, da sua capacidade de imaginar.

Deste modo, porém, independentemente das boas intenções e da discursividade apologética sobre a sociedade do conhecimento e da revolução tecnológica, produzem-se cidadãos capturados no interior de dispositivos e tecnologias de poder cujas verdadeiras intenções e origens continuamos a não saber identificar totalmente. Estimulada pela extravagância da tecno-ludicidade e por uma ideia mitológica de progresso que, afinal, podem não ser mais do que as novas faces de uma antiga superstição e manifestações da antiga e opressiva “conduta das condutas” (Foucault, 2008), as sociedades contemporâneas entregam-se à produção de sujeitos adequados a um novo cativeiro: a submissão voluntária. “Assim”, refere Byung-Chul Han, “uma nova forma de submissão sucede à libertação. É esse o destino do sujeito, que literalmente significa “estar submetido”. Hoje, acreditamos que não somos sujeitos submissos, mas projetos livres, que se esboçam e se reinventam incessantemente. A passagem do sujeito ao projeto é acompanhada pelo sentimento de liberdade. E esse mesmo projeto já não se mostra tanto como uma figura de coerção, mas sim como uma forma mais eficiente de subjetivação e sujeição. O “eu” como projeto, que acreditava ter-se libertado das coerções externas e das restrições impostas por outros, submete-se agora a coações internas, na forma de obrigações de desempenho e optimização”. (Han, 2018, p. 9).

Ainda que o comportamentalismo e a psicologia de massas, no seio de cujo saber se montou a máquina de propaganda dos paraísos virtuais e da vigilância cibernética, se coloquem ao serviço daqueles centros difusos e imperscrutáveis de poder donde emergem os novos colonizadores, cabe sempre relembrar, pela voz de Foucault, que “o inimigo maior, o adversário estratégico é o fascismo (…). E não somente o fascismo histórico, o fascismo de Hitler e de Mussolini – que tão bem souberam mobilizar e utilizar o desejo das massas -, mas também o fascismo que está em nós todos, nas nossas cabeças e nas nossas condutas quotidianas, o fascismo que nos faz amar o poder, desejar precisamente aquilo que nos domina e nos explora”. (Foucault, M. In Deleuze & Guattari, 2000, p.XIII).

 

 

O Perfil

perfil s.m. (1574-1590 cf. NauefSep) (…) 5 conjunto de traços psicológicos ou habilidades mais ou menos padronizadas que tornam alguém apto para determinado posto, encargo ou responsabilidade (…)” (Houaiss, 2001).
máquina s.f. (sXV cf. FichIVPM) (…) 12 fig. Organização, ou grupo de indivíduos, que visa determinados objectivos e actua com a regularidade, precisão e previsibilidade de uma máquina. 13 fig. Pessoa que procede por hábito e rotina, com regularidade infalível, como um autómato. 14 fig. Pessoa sem iniciativa, que obedece cegamente às determinações de outrem. (…)” (Idem).

O ser humano representa uma entre duzentas e cinquenta espécies de primatas existentes (Maia, 2017), contudo é o único, tanto quanto se sabe, que cozinha. Mas, para além de cozinhar – milagre possível graças às técnicas de domínio do fogo -, o ser humano transformou a alimentação num acto de cultura, ritualizando todo um conjunto de gestos e momentos que vão desde a caça e captura do alimento, passando pelo seu sacrifício e consagração, até à celebração do seu consumo em momentos festivos que assinalam acontecimentos fundadores de uma certa ordem cósmica de que participa. Trata-se, portanto, não apenas de uma resposta funcional a uma necessidade orgânica e fisiológica, mas da elevação dessa resposta à categoria de símbolo, celebrado por via do ritual. Um símbolo cuja função é integrar o gesto quotidiano no domínio de uma ordem anterior a qualquer manifestação, superior e transcendente, mas da qual o ser humano participa por intermédio da consagração, ou seja, de uma evocação do sagrado e da hierofania (Eliade, 1992). A este sagrado não deve, porém, atribuir-se o significado estritamente jurídicopolítico, recuperado do direito romano, que Agamben convoca quando afirma que “aquilo que define a condição do homo sacer, então, não é tanto a pretensa ambivalência originária da sacralidade que lhe é inerente, quanto, sobretudo, o carácter particular da dupla exclusão em que se encontra preso e da violência à qual se encontra exposto”. (Agamben, 2007, p. 90). Trata-se, outrossim, do sagrado entendido enquanto acto de reconhecimento de uma transcendência, um paradoxo a partir do qual, segundo Eliade, “manifestando o sagrado, um objecto qualquer torna-se outra coisa e, contudo, continua a ser ele mesmo, porque continua a participar do meio cósmico envolvente” (Eliade, 1992,p. 13). “Uma pedra sagrada” – prossegue – “nem por isso é menos uma pedra; aparentemente (para sermos mais exactos, de um ponto de vista profano) nada a distingue de todas as demais pedras. Para aqueles a cujos olhos uma pedra se revela sagrada, a sua realidade imediata transmuda-se numa realidade sobrenatural. Em outras palavras, para aqueles que têm uma experiência religiosa, toda a Natureza é susceptível de revelar-se como sacralidade cósmica. O Cosmos, na sua totalidade, pode tornar-se uma hierofania”. (idem). A oportunidade destas referências une-se ao significado da “experiência religiosa” que permite a revelação do sagrado em “toda a Natureza”(Eliade, 1992), ou seja, uma hierofania total, através da qual tudo na ordem natural, assim como na ordem das coisas, se pode constituir como veículo anímico, ponto de contacto – axis mundi – e transmutação entre o profano – o mundo dos homens – e o sagrado – o universo dos deuses e da ordem cósmica fundacional. Sucede que foi precisamente este Animismo – um tipo de pensamento assente na hierofania total – que, segundo Lewis Mumford, serviu de obstáculo ao avanço tecnológico cuja consolidação se iniciaria apenas a partir século XVI, com o princípio do processo de dissociação entre aquilo que possui vida e o que é estritamente mecânico, pois “Enquanto se considerou que cada objecto, animado ou inanimado, era habitado por um espírito, enquanto se esperou que uma árvore ou um barco se comportasse como um ser vivo, era praticamente impossível isolar, como sequência mecânica, a função especial que se pretendia realizar.” (Mumford, 1955, pp.31–32).

A máquina começa por ser, assim, enquanto adaptação de um património técnico a uma função mecânica, um fenómeno inseparável da antropologia e da história das religiões. E é, porventura, nessa qualidade, e por via da dissociação simbólica entre vida e mecânica, ou seja, através de uma captura da Natureza (physis) e dos seu objectos pelo dispositivo profano, que máquina e tecnologia se converteram em símbolos negativos para o homem religioso, e inimigos da ordem cósmica sacralizada pela cultura arcaica. Como assinala Gilbert Durand, os sistemas religiosos tradicionais foram outrora depositários de regimes simbólicos e correntes míticas (Durand, 2012), sendo que a contemporaneidade nos trouxe, “uma elite cultivada nas belas-artes” e as massas imersas na mitologia fantástica produzida pela comunicação social, pelo cinema e, de modo cada vez mais evidente, pela tecnologia. Constitui-se, assim, como imperativo, o empreendimento ético5 que coloque a Pedagogia ao serviço do sonho e das suas imagens, esse espaço onírico do sacramento, talvez incapturável, como um exílio, por qualquer dispositivo ou tecnologia de poder profano. A cada ser deve ser dado participar na ordem do mundo, a ordem arquetípica segundo a qual se organizam as estruturas antropológicas do imaginário: “Por isso, é necessário desejar que uma pedagogia venha esclarecer, senão ajudar, esta irreprimível sede de imagens e sonhos. O nosso mais imperioso dever é trabalhar para uma pedagogia da preguiça, da libertação (défoulement) e do lazer. Demasiados homens neste século de “esclarecimento” vêem-se usurpados do seu imprescritível direito ao luxo nocturno da fantasia. Poderia bem ser que a moral do “cantaste, para mim tanto faz!” e a idolatria do trabalho da formiga sejam o cúmulo da mistificação” (Durand, 2012, p. 431).

Ao contrário do que possa resultar de uma leitura apressada do messianismo tecnológico contemporâneo, as tecnologias nem sempre – ou quase nunca – têm sido usadas neste sentido da libertação profunda do indivíduo, da sua emancipação, da sua dedicação total ao cumprimento daquele que Agostinho da Silva considerava ser o seu principal dever: ser Santo. Não no sentido estrito que ao termo é dado pela moral ou o folclore eclesiástico, mas no sentido amplo que caracteriza aquele que na vida esgotou toda a sua potência imaginativa e derrubou os limites das suas possibilidades, transcendendo a própria ideia de liberdade. Ainda que para tal tivesse que despojar-se da sua condição de cidadão e entregar-se ao exílio platónico: “No exílio de Platão, todas as almas se encontram igualmente despojadas de tudo o que as sustentou durante a vida, seja a sua beleza, o seu poder, a sua riqueza ou a constituição ordenada que habitavam. Neste exílio, todas as almas cortaram todos os laços com a polis e o seu nomos. No entanto, ainda há uma diferença que permeia essas almas nuas e a sua pobreza, ou seja, a diferença entre aqueles que cuidaram da justiça e aqueles que não o fizeram, entre aqueles que exerceram e examinaram a diferença entre uso e abuso com base no cuidado com a justiça – e aqueles que não o fizeram”. (Heiden, 2019, p. 15). Santo no sentido em que o foi
Diógenes, cuja autarquia, o poder de poder sobre si próprio, ultrapassou a monarquia de Alexandre, o Grande, obra-prima do projecto civilizacional aristotélico, paradigma do “poder de um só” sobre os demais: “Assim, como lembra Foucault, a autarquia de Diógenes ultrapassa a de Alexandre “O Grande”: a monarquia de Alexandre é, portanto, bastante frágil e precária, uma vez que depende de outra coisa. A de Diógenes, por outro lado, é inabalável e não pode ser derrubada, uma vez que ele não necessita de nada para a exercitar (Foucault, 2011, p.276). A autarquia da qual o Cinismo se orgulha em nada depende do nomos e depende apenas da physis, da vida natural.” (Idem, p.8).

 

 

Até amanhã

Nos últimos anos o mundo sofreu uma transformação brutal, à qual a Escola não ficou imune. O abalo provocado nas instituições e na organização política e social representa apenas uma sombra do terramoto que varreu as almas. Todas as gerações se viram confrontadas com uma realidade até aqui desconhecida mas, por motivos óbvios, será nos mais novos que os efeitos, que já se fazem sentir, serão mais profundos e duradoiros, atingindo o próprio coração da sua humanidade.

Ser professor não é uma profissão no sentido estrito. Não é como ser engenheiro, ou economista, mecânico, caixa de supermercado, funcionário de uma repartição. Ao professor cabe, além do mais, a responsabilidade de dar continuidade a alguma coisa, transmitir uma herança não propriamente curricular, mas inscrita naquilo que, tantas vezes de modo intangível, confere sentido à acção e à existência de uma comunidade humana. Ao professor cabe ajudar a salvar esse sentido.

 

BRUNO SANTOS

 

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1 Como é a poesia assim é a pintura.
2 “Os mercados internacionais operam fora do quadro institucional edificados pelos órgãos de soberania, são livres de qualquer arranjo formal, apenas respondem aos seus. E estes operam para além dos limites institucionais que delimitam os estados e as suas jurisdições. Estes dois factores são absolutamente fundamentais para se entender a globalização económica e financeira que nos assiste”. (Silva, 2012, p. 26).
3 “In the 1970s, the dramatic surge in direct foreign investment through multinational corporations led Hymer (1979, p. 262) to observe that “an international capitalist class is emerging whose interests lie
in the world economy as a whole system of international private property which allows free movement of capital between countries.” The development of a highly integrated and interdependent global economy and the growing significance of transnational corporations and policy organizations (e.g., the World Economic Forum, the World Trade Organization and its predecessor the GATT) during that period led, according to this line of thinking, to the formation of a full-fledged transnational capitalist class, which transcends nation-states in interest and influence (Robinson & Harris, 2000; Sklair, 2000; Van der Pijl, 1998). While the global elite and its annual gatherings in venues such as Davos and the Bilderberg attract much media attention, evidence about its composition, structure, power, and influence is largely anecdotal” (Levy et al., 2016, p. 12).
4 “Encontra-se em curso, sensivelmente no último meio século, a finalização de um processo de planetarização da Tecnologia, que, na ordem das causas, terá sido mais proximamente determinado pela
Globalização político-económica urdida e imposta pelo Neoliberalismo e mais remotamente influenciado por sucessivas revoluções industriais, desde o século XVIII. Ele implicou uma transformação na própria natureza da Tecnologia, fazendo com que deixasse de ser mero meio (utensílio, ferramenta, instrumento) para determinados fins e se tivesse tornado num ambiente vital e existencial. Günther Anders foi um atento e perspicaz observador e crítico desse fenómeno, que, no seu jargão, concebeu como o do advento de um “Dispositivo universal” (Universalapparat).” (Mendes, 2021, p. 97).
5 “Neste sentido, importa reconhecer que chegou o tempo de interpelar algumas das crenças que marcam o nosso quotidiano, como é o caso daquelas que, por exemplo, dizem respeito à informação que temos ao nosso dispor, a qual tanto pode ser um obstáculo à compreensão do mundo físico, social e cultural que nos rodeia, domesticando os nosso olhares e as nossas vontades, como pode ser um instrumento necessário à afirmação de uma presença mais curiosa, inteligente e solidária neste mesmo mundo. Se é verdade que as novas tecnologias de informação e comunicação que temos ao nosso dispor potenciam a possibilidade de comunicarmos uns com os outros, também é certo que estas, só por si, não garantem e até podem contribuir para ignorar, a possibilidade de nos compreendermos melhor nas nossas singularidades pessoais, sociais e culturais”. (Trindade & Garcia, 2012, p. 36).
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• Mendes, J. R. (2021). O conceito de “Dispositivo universal” (Universalapparat) em Günther Anders. Trans/Form/Ação, Marília, v. 44, p. 97-116, 2021, Dossier Tecnica. https://doi.org/https://doi.org/10.1590/0101-3173.2021.v44dossier.06.p97
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