“As Obras Completas de William Shakespeare em 97 Minutos”, a produção da UAU que é intermitentemente colocada em cena nos palcos nacionais já para aí há uns 20 anos ou mais e que uma significativa fatia dos portugueses já viu ou reviu e que é hilariante como o raio, não é uma obra original. A obra original, “The Complete Works of Shakespeare (Abridged)”, escrita e interpretada por Adam Long, Daniel Singer e Jess Winfield, é esta que o Contra vai deixar aqui, em quatro fabulásticos, estapafúrdios, gargalhantes e sobretudo sincréticos fascículos.
Sete vezes ressoa o bastão de Molière e sobe portanto o pano para o primeiro acto, onde aprendemos que Shakespeare invadiu a Polónia, que Andronicus tem um programa de culinária, que Otelo inventou o hip hop e que Julieta acaba por se suicidar com um canivete reticente. Apertem os cintos de segurança, desliguem os telemóveis e acendam um cigarrinho. Não precisa de ser um cigarrinho para rir, porque é de riso que vão ser servidos.
Segundo acto, onde retomamos o rap partido a metade de Otelo para logo seguirmos para um acelerado resumo das 16 comédias amontoadas num único delírio de quatro minutos. De volta às tragédias, que têm muito mais piada que as comédias, um muito rápido McBeth declamado num irrrrrrrrrrepreensível escocês, um Júlio César que não chega a estar vivo durante 20 segundos, um Ricardo III que falhou uma bela carreira como quarter back e um Hamlet que está à espera de Godot. No entretanto, ficamos a saber que Shakespeare, para além de ser um plagiador de anedotas populares, previu completamente o desastre de Chernobil e introduziu um parque jurássico na cidade de Troia.
Estes americanos são doidos.
Terceiro acto. Entre o ser e o não ser, faz um frio de rachar na Dinamarca. A Ofélia é complicada, grita deveras e farta-se de vomitar. Os marretas entram em cena. A mãe de Hamlet tem umas mamas enormes ou como fazer da obra-prima de Shakespeare um número de circo.
E eis chegados ao último acto do bardo compacto: o duelo entre Hamlet e Laertes é constantemente interrompido por um personagem trans-género, até que os dois acabam por falecer de morte equívoca. Mas o pano não cai com o epílogo da tragédia porque há tempo ainda para duas outras versões ainda mais rápidas, ainda mais ininteligíveis, ainda mais travestidas e gritantes. E no término disto tudo, para exaustão de actores e espectadores, o Hamlet é virado ao contrário e contado num minuto, do fim para o princípio.
Está tudo bem quando acaba bem e o bardo sossega no seu túmulo depois das voltas que deu ao ser atirado de cá para lá, na vertigem desta redução. É por estas e por outras que lá muito de vez em quando devemos dar graças a Deus – e a Tim Berners-Lee – pela invenção da World Wide Web.
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