Tanto o público como as elites decidiram que as letras narcisistas e a música vulgar de Taylor Swift são um triunfo cultural. A Time Magazine acaba até de a eleger como “Personalidade do ano de 2023”, o que diz muito sobre o ano de 2023 e diz ainda mais sobre a redacção da Time Magazine. Mas enquanto milhões celebram o fenómeno, alguns de nós terão necessariamente que recuperar a lucidez crítica.
Depois da enorme digressão “Eras” ter enchido estádios ao ponto de os seus espectáculos fazerem tremer o chão, e apesar dos bilhetes custarem muitas vezes mil dólares ou mais, Swift não está apenas a ressuscitar a indústria da música ao vivo pós-Covid, está a ajudar a salvar o negócio das grandes salas de espectáculo na América e na Europa.
Foi recentemente anunciado que a rapariga fechou um acordo com os cinemas AMC para exibir um filme de três horas sobre o concerto da sua digressão para os milhões de pessoas que não conseguiram bilhetes. O filme começa a ser exibido em outubro, a AMC está a cobrar preços de bilheteira mais elevados do que o normal – que já são absurdos – e os números da pré-venda desses ingressos para o filme já estão a bater recordes. Com base em algumas contas feitas a partir de notícias especulativas, Swift pode ganhar algo próximo de 500.000 milhões dólares com esta digressão e todas as receitas relacionadas.
Taylor Swift não se limitou conquistar as massas, já que as elites também se tornaram fãs incondicionais da cantora e compositora de West Readingm, Pensilvânia. Este Verão, o The New York Times retratou Swift com um zelo entusiástico que não é dedicado a nenhuma outra figura desde talvez Barak Obama – chegando mesmo a publicar uma meditação de mau gosto sobre as fantasias lésbicas de que a artista é alvo na web.
Mais recentemente, o The New Yorker deu também a sua bênção, em tom pomposo, às criações de Swift. Mas se o que ouvem na redacção desta publicação insuportavelmente elitista não consegue superar em glória harmónica a produção desta estrela pop, percebemos porque é tão enfadonha a revista nova-iorquina.
A verdade é que todos aqueles realmente se preocupam com o estado da música popular devem resistir à glorificação de Taylor Swift.
Para que fique claro, não é que o Contra não perceba aspectos importantes do apelo da sua música: Há qualquer coisa em Swift que ressoa na frequência dos tempos que correm. Mas não é certo que a sua popularidade seja um testemunho do seu talento, e é difícil pensar noutra grande figura da música pós-Segunda Guerra Mundial cujas virtudes criativas sejam assim sobrevalorizadas. Até os Coldplay, que são os mestres do xarope para as massas, são francamente mais dotados.
Swift é uma marketeer fenomenal, trabalha muito e quase ninguém ao seu nível se preocupa com os seus fãs e em contactá-los pessoalmente como ela faz. Além disso, apesar de a Internet ter destruído a cabala de executivos de música e programadores de rádio que controlavam os gostos populares, estamos agora a perceber como a fragmentação daí resultante tem sido prejudicial para a sociedade. Não temos praticamente nada em termos de uma cultura comum partilhada, e por isso as pessoas tendem a agarrar-se a tudo o que rompe o ruído e consolida qualquer apoio à cultura pop como se fosse uma espécie de bóia salva-vidas. A música tem o poder de ligar as massas através da experiência partilhada, e as pessoas querem desesperadamente essa ligação nesta era de polarização.
No caso de Swift, porém, essa ligação tem de ser interpretada, como tudo o resto hoje em dia, através de uma lente política. Assim, Michelle Goldberg, colunista do New York Times, declara:
“Depois de anos de isolamento devido à Covid, de políticas reaccionárias e de uma crise de saúde mental que atingiu particularmente as raparigas e as mulheres jovens, há um desejo palpável de prazer e catarse comunitários”.
Embora haja alguma verdade nesta observação, lamento informar Goldberg que a base de fãs de Swift é tão grande que uma grande parte dela concorda com as políticas “reaccionárias” que os leitores do New York Times parecem deplorar.
Acontece que as grandes estrelas pop simplesmente transcendem as preocupações políticas triviais, e explicar o apelo de Swift através da lente do feminismo, do anti-populismo ou da religião woke é recorrer a uma muleta que na verdade só deixa a cantora e compositora a coxear. Precisamos de figuras culturais unificadoras agora mais do que nunca. E o apelo de Swift nasce de um desejo universal de conexão humana.
A ascensão da “música do eu”.
O meio cultural que produziu Swift, em comparação com as estrelas pop das gerações anteriores, está no âmbito do que Tom Wolfe chamou “a década do eu” para se referir aos anos 70, e à ideia de que os americanos estavam a começar a deixar de ter uma identidade enraizada na comunidade e a caminhar para a atomização. Uma grande parte desse trânsito passa pela capacidade dos indivíduos encontrarem significado fora das comunidades locais e de se identificarem com figuras distantes e transcendentes da cultura pop, cuja identidade e marca foram criadas por tecnologias relativamente novas dos meios de comunicação de massas.
Mas este desenvolvimento, por muito surpreendente que tenha sido para críticos astutos como Wolfe, era embrionário há 50 anos. Com Taylor Swift vemo-lo em plena maturidade. As tendências culturais que emergiram dos anos 70 produziram finalmente uma artista quase totalmente dedicada à “música do eu”. E isto leva enfim ao cerne da questão: porque é que a música de Swift não presta? Porque é totalmente definida pela auto-obsessão. Cada álbum desta autora é um disco dedicado à exposição de queixas íntimas ou à glorificação dos seus feitos artísticos.
Para esse fim, ela foi quase totalmente pioneira de um novo género, a canção “queixas do namorado”. É verdade que os homens jovens são muitas vezes terríveis para as mulheres e não há nada de intrinsecamente errado em que isso sirva de matéria-prima para canções pop, mas há limites. No seu último disco ainda cabe um tema que amaldiçoa um dos seus ex-namorados mais famosos, John Mayer. aparentemente Mayer era um terrível mulherengo – mas isso já se sabia antes de ele namorar com ela – e a desavença aconteceu há 14 anos. É, no mínimo, bastante estranho continuar a explorar estas relações passadas, que, tendo em conta que Swift teve uma vida de sonho desde a adolescência, parecem resultar menos de um desgosto genuíno do que de um drama encenado para capitalizar impacto mediático.
Para além do conteúdo temático geralmente censurável e frequentemente banal, também é verdade que muitas das suas letras são tão forçadas que chegam a ser insustentáveis. Em “Anti-Hero”, ela canta:
“Did you hear my covert narcissism / I disguise as altruism / Like some kind of congressman?”
Convenhamos, insto não são propriamente versos. São coisas mal escritas que depois são bem cantadas e parecem versos. E sendo verdade que os congressitas tentam fazer passar o seu narcisismo por altruísmo, não deixa de ser algo cómico que ela pense que o seu narcisismo é “encoberto”. O narcisismo de Taylor Swift é a sua imagem de marca.
Ainda assim, há quem insista que Swift é uma letrista talentosa. Quando pressionados a revelarem exemplos dessa mestria, os fãs mais incondicionais sugerem a letra de “All Too Well” do álbum Red, onde podemos ler:
“And you call me up again just to break me like a promise / So casually cruel in the name of being honest.”
Walt Whitmann, roí-te de inveja. Esta pérola lírica é apenas mais uma música sobre o fim de um namoro qualquer, e algumas das letras demonstram um descaramento que é preocupante:
“Now you mail back my things and I walk home alone / But you keep my old scarf from that very first week / ’Cause it reminds you of innocence / And it smells like me / You can’t get rid of it.
Desculpa Taylor, mas deixar uma peça de roupa em casa do teu ex, e depois citar isso como prova de que ele ainda não te esqueceu é sintomático de uma rapariguinha que não tem mais que fazer do que inventar melodramas de terceira categoria. Infelizmente, há muitas provas de que a visão disfuncional de Swift sobre as relações amorosas já está a influenciar as mentes de uma nova geração de estrelas pop.
É um erro ler demasiado em termos de política ou feminismo no apelo de Swift, mas dada a popularidade da sua obsessão lírica, é legítimo pressupor que as mulheres da geração millenial estão quase constantemente a sofrer penas de amor não correspondido, mesmo quando o TikTok está cheio de vídeos de mulheres a insistir que é fantástico ter 29 anos e não ser casada e não ter filhos e “ser feliz”. De qualquer forma, é quase desnecessário dizer que seria improvável que um artista pop masculino escrevesse com a mesma veia descontrolada sobre as mulheres da sua vida.
O suave fanatismo das baixas expectativas musicais.
Mas a música pop não se resume às letras e, no que toca à música propriamente dita, não se percebe bem onde termina o talento de Swift e começa a dos músicos e produtores com quem trabalha – que agora incluem o produtor e compositor sueco Max Martin, que é uma máquina de fabricar hits, e Justin Vernon, dos Bon Iver, entre um vasto elenco de competentes artistas e autores. Independentemente do talento de Swift, as suas canções são produto de um trabalho cooperativo, tanto no sentido em que são quase sempre co-criadas por uma equipa de compositores com um historial de êxitos, como na forma como são depois comercializadas. E Taylor Swift pode ser excelente a escrever canções populares, mas isso não é a mesma coisa que escrever boas canções.
Ninguém está à espera que as massas entendam os cânones da composição pop, ou identifiquem o excessivo uso de harmonias amigas do ouvido, mas se acham que nos últimos 20 anos toda a música pop começou a soar igual, há uma boa razão para isso. E Taylor Swift é uma das piores infractoras, no sentido em que está essencialmente a escrever as mesmas canções vezes sem conta.
Mais uma vez, talvez não seja de esperar que os ouvintes casuais percebam isto, mas para um ouvido remotamente treinado, a má composição de canções pop assalta o ouvido como a pornografia salta à vista. Não que se esteja aqui a defender especificamente a criação de música erudita ou antipática com os timpanos, nem a redacção de letras desnecessariamente elaboradas, mas uma grande parte do problema é que Swift é muito competente a servir um público que foi condicionado a aceitar menos em termos de sofisticação musical e lírica. O leitor pode escolher gostar da Taylor Swift, e admito que ela é tão boa na coisa exacta que faz que é difícil resistir-lhe em certos contextos. E se as explosões emocionais e egomaníacas de Swift são gratas para os seus fãs, ninguém os deve privar desse prazer.
No entanto, a celebração exagerada do sucesso de Swift diz muito sobre a estagnação da cultura pop. A certa altura, temos de reconhecer que, mesmo abraçando os limites da música ligeira, a distância entre o entretenimento mediano e o menor denominador comum é estreita. A nossa necessidade de ligação artística partilhada não pode sobrepor-se ao dever de também procurarmos colectivamente música que nos eleve, que transcenda os dramas comezinhos do indivíduo e que nos desafie com ideias sobre a condição humana, revelações sobre nós próprios e asserções sobre os problemas dos outros. É mais que certo que Taylor Swift não tem capacidade para fazer isso.
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