Olha honestamente para ti próprio. E depois, faz um desenho.
Porque é que os artistas pintam auto-retratos? Será por vaidade ou haverá uma razão mais profunda, ou mais modesta? Este exercício de olhar para a nossa própria figura, que quando é autêntico vai para além do físico e trespassa as profundidades da alma, foi experimentado por Rembrandt durante toda a sua vida e entre as dezenas de auto-retratos a que se entregou, este será o mais fascinante. Talvez pelo tema do apóstolo, porque ao retratar-se como Paulo, Rembrandt exibe a imperfeição da sua própria vida e reconhece que está dependente da graça de Deus. Talvez pela autenticidade com que o mestre se mostra, sem esconder a fraca figura e a usura dos anos (é difícil ser-se mais honesto consigo próprio). Talvez pelo olhar resignado e sábio de quem sabe já da vida o que a vida permite que se saiba. Talvez pelas sobrancelhas arqueadas, interrogativas, num feitiço de mago antigo. Talvez porque sempre que Rembrandt se desnuda assim, sincero, humilde e verdadeiro, ouvimos o mestre a perguntar-se: “afinal, porque raio andei para aqui metido em trabalhos?”
A obra deste homem prodigioso está toda ela envolta num manto de sinceridade pungente, de verdade indomável. Mas este retrato em especial arrepia até ao fundo da alma.
Joaninha voa, voa.
Esta fotografia lindíssima aqui em cima foi tirada no Palácio de Versalhes, em 2012, onde nenhuma mulher antes da Joana de Vasconcelos tinha exposto fosse o que fosse, porque os franceses são o que são. A Joana é uma artista notável porque faz arte que tem a ver com ela e com o país dela e as suas obras entendem-se. Comunicam. Expressam uma identidade. Têm uma ou muitas razões de fundo. São belas, são inspiradas, são surpreendentes, mas partem de um laboratório do prosaico que as justifica e legitima. Onze, de zero a dez.
Cânones, Variações e as harmonias que se encontram entre Bach e Sibelius.
Nahre Sol. Esta rapariga é um prodígio de talento e sensibilidade. E o canal dela no YouTube é um antídoto absolutamente proverbial para um estado de espírito mais taciturno. Neste clip admirável, percebemos melhor o pensamento matemático, multi-dimensional, de Bach e a arquitectura divina das Variações de Goldberg, talvez a mais genial composição da história da música. Mas percebemos também, e se calhar isto é mais importante, que a humanidade é uma espécie muito, mas mesmo muito especial. Capaz de coisas como as Variações, ou como a singela e lindíssima peça que, entre o modelo canónico de Bach e as harmonias de Sibelius, Nahre consegue criar no espaço de uma ou duas semanas.
Um vídeo contra o pessimismo.
O último grande actor clássico de Holywood.
Wiliam Hurt morreu a 14 de Março de 2022, com 72 anos, e o Contra, mesmo que atrasado de condolências, deve-lhe linhas de texto.
Protagonista favorito de Lawrence Kasdan, em fitas notáveis dos anos 80, como “Noites Escaldantes”, “Os Amigos de Alex”, e “Amar-te-ei Até Te Matar”, ou de outros grandes momentos do cinema do século XX como “O Beijo da Mulher Aranha”, “Smoke”, “Filhos de Um Deus Menor” ou “Gorky Park”, William Hurt marcou uma geração, e fundou uma nova maneira de dar vida à presença masculina no grande ecrã.
Desempenhando com virtuosismo papeis completamente diferentes (o garanhão de “Noites Escaldantes” e o homossexual de “O Beijo da Mulher Aranha” contrastam diametralmente), cristalizando a figura do homem sensível e vulnerável que encontra redenção na força de carácter, William McChord Hurt é um ícone que permanecerá sobre o tempo. Um derradeiro tributo à era dourada de Hollywood.
A forma de onde saiu este magnífico actor já foi descontinuada. Não se fazem mais artistas assim.
Relacionados
18 Mar 25
“Severance”: televisão acima da média.
"Severance", que navega num imaginário de espaços liminares e ficção científica do género noir, é ainda assim um produto televisivo de carácter original e guião competente, que se sobrepõe claramente à média contemporânea, e cujo consumo o ContraCultura recomenda.
15 Mar 25
A Morte de Marat: Entre a dor e a propaganda.
Clássicos do Contra: Um revolucionário jaz morto na banheira. O retrato é uma obra de propaganda jacobina, emblemática da Revolução Francesa. Mas para além da manipulação, Jacques-Louis David também expressa a dor de quem perde um amigo.
15 Fev 25
Paixão, angústia e êxtase: O “Adagietto” de Gustav Mahler.
O quarto andamento da Quinta Sinfonia de Mahler é uma joia do romantismo tardio, que resultou em duas histórias de amor: a do compositor e de Alma e a de gerações de melómanos que se apaixonaram por esta obra-prima de contenção e vontade de infinito.
14 Fev 25
Disney suspende programas DEI devido à pressão dos accionistas.
A Walt Disney Company parece estar prestes a ser a última grande empresa a interromper as suas iniciativas de diversidade, equidade e inclusão, devido à pressão dos investidores. Mas é duvidoso que os conteúdos fílmicos e televisivos sigam para já a mesma tendência.
10 Fev 25
Teatro francês à beira da falência depois de acolher centenas de ilegais que se recusam a sair.
Um teatro francês de militância esquerdista está à beira da falência depois de ter aberto as suas portas a cerca de 250 imigrantes africanos que se recusaram a abandonar o local depois de lá terem permanecido durante cinco semanas.
3 Fev 25
Quadro comprado por 50 dólares numa venda de garagem é um Van Gogh que vale 15 milhões.
Uma pintura descoberta numa venda de garagem em 2016, e adquirida por 50 dólares, será uma obra autêntica do mestre holandês Vincent van Gogh, que vale cerca de 15 milhões, com base num exaustivo relatório forense.