O mais preocupante problema mediático dos dias que correm não é o fenómeno das falsas notícias. As notícias são hoje, é um facto, ainda mais falsificadas do que sempre foram, mas sempre foram falsificadas pelo simples facto que o jornalismo não é uma ciência. E mesmo que fosse, seria no máximo uma ciência humana e toda a gente que tem alguma noção do que é uma ciência humana, sabe que as ciências humanas, ou sociais, não são ciências exactas. E mesmo que o jornalismo fosse uma ciência exacta, por absurdo, toda a gente que sabe alguma coisa sobre as ciências exactas, no seu estado contemporâneo, percebe que estas também não conseguem encontrar um caminho para o absoluto. No melhor dos casos, o jornalismo é uma ciência da comunicação, que sofre de todas as suas corruptelas. No pior, mais frequente, é um exercício de falência moral.
Não, o grande flagelo mediático contemporâneo é o da História falsificada. Exercendo com zelo o seu direito à estupidez, à ignorância e ao niilismo ideológico que a caracterizam sem excepção, Catarina Martins mostrou-se, aqui há uns tempos, chocada com o facto da celebração do Dia de Portugal não ter sido comemorada dignamente com um festival de culpa. Culpa pela “enorme violência da expansão Portuguesa” e da nossa “história esclavagista”. Nem vale a pena dizer que a História é o produto de um contexto. A leviana filosofia de rede social da lamentável Catarina Martins do Século XXI não é compatível com a realidade política, filosófica, económica e social dos Séculos XV e XVI portugueses. A rapariga não percebe que não pode julgar as motivações do marinheiro dos descobrimentos da mesma forma que julga o guião de um filme anti-tabagista do nosso triste tempo. E não percebe isto porque, coitada, é mentecapta dessa sobremaneira. Mas podia ao menos, a infeliz, ler um ou dois manuais de história universal, para perceber várias coisas óbvias: a gesta dos descobrimentos portugueses foi, entre os movimentos similares do ocidente, a menos agressiva, até muito pela objectiva razão de que se tratava de um reino sem meios logísticos, financeiros e demográficos para conseguir implementar no vasto mundo que percorreu a violência tenebrosa de que se queixa a líder do Bloco.
Quanto ao esclavagismo, Catarina Martins está tão enganada como sempre está (esta rapariga nasceu enganada). A escravatura não foi inventada por portugueses, não foi levada ao seu máximo horror por portugueses, nem maximamente capitalizada por portugueses. A escravatura é um modelo económico tão antigo como a civilização. Os seus principais protagonistas, em termos históricos e estatísticos, são as civilizações do Índico e do Golfo Pérsico (contemporâneas do império marítimo lusitano), do Mar da China (desde que a China existe e até há muito poucas décadas atrás), do Mediterrâneo Clássico e da América Central (Astecas, Maias e Incas). Ao contrário até do que afirma Rui Ramos, num excelente artigo do Observador, o comércio esclavagista de Otomanos e Árabes castigou muito mais o continente africano do que os impérios coloniais ocidentais todos juntos. E atenção: a África equatorial não foi a região mais afectada pelo rapto de escravos, muito simplesmente, outra vez, porque nunca teve demografia, nem geografia, que alimentasse os números estratosféricos registados noutras situações históricas. E era precisamente nessa África que o comércio esclavagista português actuava.
Rui Ramos está porém repleto de razão quando diz o seguinte:
“O que verdadeiramente distinguiu os europeus nesta história não foi apenas o uso de escravos na agricultura da América colonial, mas terem sido os primeiros a abolir a escravidão. A Arábia Saudita só a ilegalizou em 1962, o Omã em 1970 e a Mauritânia em 1980.”
O problema é que as Catarinas Martins deste mundo não têm qualquer problema em deturpar a verdade histórica, desde que isso lhes sirva para fazer (baixa) política e destruir e conspurcar a herança da civilização ocidental. E esse revisionismo mentiroso e vil, essa autofagia, que provém do mais abstruso e desnaturado dos apetites, é que é realmente, o grande, o mais grave, dos problemas mediáticos contemporâneos.
Relacionados
19 Set 24
De pagers, fariseus e equívocos.
Independentemente do carácter sinistro de organizações como a do Hezbollah, é no mínimo estranho que cristãos conservadores estejam a celebrar a operação da Mossad, que tem todas as características de um ataque terrorista.
17 Set 24
O alvo não é Trump; o alvo é você.
Walter Biancardine sugere que a sucessão de atentados contra Trump ultrapassa a óbvia conveniência da sua eliminação, visando, também e principalmente, amedrontar o cidadão comum: O pensamento dissidente é agora punível com a morte.
15 Set 24
Globalismo e Comunismo:
Os dois lados da mesma moeda.
A primeira de três crónicas de Walter Biancardine dedicadas à denúncia da herética cumplicidade corporativa, de inspiração marxista, entre os agentes do capitalismo contemporâneo e o Estado.
13 Set 24
É muito provável que o pior agente do caos sejas tu.
O pior agente da decadência do Ocidente, por incrível que possa parecer, não é o Alexandre de Moraes, nem o Justin Trudeau, nem o Emmanuel Macron, nem qualquer vilão deste género, porque estes estes vilões são tão raros que deveriam até ser irrelevantes.
12 Set 24
Desespero com “notório saber jurídico”: A Democracia Trans.
O regime 'trans' que vigora no Brasil é autoritário, draconiano e musculado como uma ditadura, mas distribui gentilezas e graças, aos sócios do sistema, como se de uma democracia legítima se tratasse. Um protesto de Walter Biancardine.
10 Set 24
Um Presidente sem povo, um povo sem Presidente.
Walter Biancardine sublinha a divisão que foi evidente neste 7 de Setembro: De um lado, Luís Inácio e a sua mafia, desfilando no deserto de Brasília, do outro, em S. Paulo, um milhão de pessoas protestavam contra a tirania.