O que não faltam na actual cultura popular são criadores de memes. Há, como em tudo na vida, bons e maus. E depois há aqueles que fazem do objecto mimético uma forma de expressão artística.
É o caso de Leonardo Of Biz. No seu canal no Youtube, não tem mais que 8 clips. Todos de curta duração. Mas pelo menos um deles é uma notável obra de ficção distópica, realizada a partir de um célebre e sinistro comercial do World Economic Forum, em que pela primeira vez é anunciado o infame slogan: “You will own nothing and you will be happy”*. Leonardo rapta o millenial que é um dos figurantes centrais desse comercial e transporta-o para uma muito realista – e tenebrosa – projecção da visão WEF para o futuro.
O clip, que dura apenas três minutos e meio, retrata a vida desse jovem adulto numa sociedade arquitectada entre a grandeza das estruturas urbanas e empresariais e a pequenez do cidadão, em que a tecnologia serve um regime altamente opressivo e controlador que reduz o ser humano à condição robótica, isolado no paradoxo das comunas hi-tech, mergulhado virtualmente num jugo infernal de restrições financeiras e ecológicas, escravo da ideologia e do capitalismo corporativo, igualitário e intrusivo de uma entidade toda poderosa, que é representada iconograficamente como a sacrílega aliança entre as grandes companhias de Silicon Valley.
O conteúdo cénico e gráfico do vídeo são de grande sensibilidade plástica, a animação, que joga com elementos ilustrados e texturas reais, percorre com sucesso o estreito caminho que separa a originalidade artística da fealdade pós-moderna, e a sensação que fica com o espectador é de apreensão e desconforto, como se estivéssemos perante um oráculo carregado de nefastos auspícios. Esta quase tangível suspeita de que estamos a ser confrontados com uma previsão certeira sobre o que o futuro pode guardar é exponenciada pela utilização perita de discursos digitais com as quais já estamos familiarizados, códigos “Woke” que já testemunhamos, métodos de aluguer de serviços que já subscrevemos.
O twist final, em que Klaus Schwab encontra consolo orgásmico no pesadelo de que é senhor e dono, só contribui para essa inquietude. Porque há de facto gente com muito poder neste mundo que leu o seu Orwell não como uma advertência, mas como um manual de normas.
* “Não serás dono de nada e serás feliz.”
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