A Escola de Atenas, criada por Rafael entre 1511 e 1520, é uma das obras mais famosas da história da arte. Mas quem são todas estas pessoas que a habitam?
Já lá vamos. Primeiro um pouco de contexto.
O trabalho foi projectado nas paredes do Palácio Apostólico da Cidade do Vaticano, residência oficial do Papa. Raphael foi inicialmente encarregado pelo Papa Júlio II de decorar os seus apartamentos pessoais. Quando o mestre morreu em 1520, a obra foi concluída pelos seus assistentes.
A pintura é famosa porque encerra o génio sincrético da Renascença, a sua paixão pelos clássicos da antiguidade e o seu espírito humanista. Pode parecer estranho que um palácio católico apresente uma tal profusão de pensadores pré-cristãos. Mas a Renascença era isto.
O tema central da obra é o da representação dos mais importantes filósofos e pensadores da Antiguidade.
E Rafael utilizou por vezes os rostos dos seus contemporâneos ao representar os antigos, pretendendo certamente traçar paralelos entre as maiores mentes do mundo antigo e as da Renascença.
E aqui está A Escola de Atenas in situ.
Ao lado dela pode ver-se o Parnaso de Rafael, que retrata figuras literárias famosas, e a Disputa do Santo Sacramento, de natureza religiosa.Uma trindade de frescos que exemplifica a arte, a teologia e a filosofia. Vista ao lado desses outros grandes quadros, a Escola de Atenas pode ser entendida não como uma única afirmação, mas como parte de uma evocação artística das ideias e valores da Renascença como um todo.
A Escola de Atenas é, no entanto, a mais famosa das três obras. Quem são então os seus personagens?
Começamos com Heraclito (535-475 a.C.), um filósofo pré-socrático conhecido pela sua obra “Fragmentos”. Estes deram-lhe durante muito tempo uma aura de misteriosa sabedoria. Aqui é retratado como Miguel Ângelo (1475-1564) o imortal pintor, escultor, e arquitecto renascentista italiano.
Este é Euclides (séculos IV-III a.C.), o fundador da geometria. A sua obra “Os Elementos” foi um manual de matemática de referência durante mais de 2.000 anos. O sábio é retratado como Bramante (1444-1515) arquitecto italiano que trouxe o estilo renascentista para Roma e Milão e que colaborou no desenho da Basílica de São Pedro.
Anaximandro (610-546 a.C.), Importante sábio pré-Socrático de Mileto foi o primeiro filósofo conhecido que redigiu os seus estudos. É responsável pelo pensamento proto-científico, cujas ideias influenciaram posteriormente a geometria, a geografia e a astronomia.
À esquerda está Ésquines (389-314 a.C.), soldado ateniense, estadista, e orador. Listado no cânone alexandrino como um dos 10 maiores oradores da Atenas clássica. À direita, Sócrates (470-399 a.C.), “O Moscardo”, padrinho da filosofia ocidental.
De seguida temos Platão (424-347 a.C.), o outro fundador da filosofia ocidental. Discípulo de Sócrates, professor de Aristóteles. Fundou a Academia que inspirou certamente o labor de Rafael: a primeira instituição de ensino superior do Ocidente. É retratado como Leonardo da Vinci (1452-1519), o derradeiro homem da Renascença.
À esquerda: Pitágoras (570-495 AC) Filósofo incalculavelmente importante que contribuiu para a matemática, a ética, a música, a metafísica, e muito mais. É um dos personagens mais enigmáticos da história da humanidade e a informação que nos chegou sobre a sua vida pertence mais ao domínio mítico do que ao conhecimento objectivo. À direita: Arquimedes (287-212 a.C.), inventor, engenheiro, físico, astrónomo, talvez o mais importante matemático da antiguidade e a definição de génio.
Diógenes (412-323 a.C.), o cínico. Implorou para viver, sabotou as palestras de Platão, gozou com Alexandre o Grande (na sua cara) e viveu em protesto permanente contra as hipocrisias, trivialidades e pretensões da sua era.
Este é Parménides (séculos VI-V a.C.), fundador da ontologia, ou seja, o ramo da filosofia que considera a interacção entre a existência e a realidade.
Averróis (1126-1198), estudioso islâmico e polímata andaluz. Contribuiu para a filosofia, a teologia, a medicina, a jurisprudência, a linguística, a psicologia e muito mais. Os seus comentários traduzidos sobre Aristóteles ajudaram a desencadear a própria Renascença. Uma mente brilhante e progressista.
À esquerda (com capacete), Alcibiades (450-404 a.C.), o inevitável e controverso general ateniense. Estadista, líder democrático e causador de problemas; serviu para os livros de história como herói tanto como vilão. À direita (com chapéu), Antístenes (446-366 a.C.) O fundador da filosofia cínica, aluno de Sócrates.
Este é Epicuro (446-366 a.C.) o fundador do Epicurismo, uma alternativa ao Platonismo. Os seus ensinamentos centraram-se na forma de alcançar o contentamento humano, embora o seu pensamento tenha por vezes sido transformado numa espécie de hedonismo materialista.
Carneades (214-129 a.C.) foi o fundador do Cepticismo. Reagiu contra os adeptos dogmáticos do estoicismo e do epicurismo, questionando a capacidade humana de apurar a verdade em absoluto.
Este senhor é Aristóteles (384-322 a.C.), cujo labor é Impossível de resumir, já que influenciou todos os aspectos da cultura, da ética, da ciência e da filosofia ocidental.
Esquerda: Zoroastro, mais conhecido por Zaratustra, antigo profeta iraniano cujos ensinamentos iniciaram o zoroastrismo. Aqui retratado segurando a Esfera Celestial. Direita: Ptolomeu (100-170 d.C.), o matemático e astrónomo de importância vital para as ciências bizantinas, islâmicas e ocidentais.
À esquerda surge o próprio Rafael, aqui retratando Apeles, um pintor grego do século IV a.C., retratista oficial de Alexandre, o Grande e considerado como o mais importante pintor da Antiguidade por autores como Plínio, Estrabão, Luciano, Ovídio e Petrónio. À direita será talvez Il Sodoma (1477-1549) um pintor maneirista italiano que passa por Protogenes, um outro pintor helénico contemporâneo de Apeles.
E por fim, Zenão de Cítio (334-262 a.C.), o fundador da filosofia estóica.
Há na obra de Rafael mais figuras do que as aqui identificadas, mas estas são as mais famosas. E não temos a certeza absoluta sobre a identidade de todos eles porque Rafael não deixou qualquer indicação que sirva de referência. Um puzzle a ser resolvido no futuro, talvez, ou uma oportunidade para o espectador projectar os seus pensadores favoritos.
A Academia de Atenas é em simultâneo um retrato e um auto-retrato colectivo do helenismo clássico e da Renascença. As maiores mentes das duas eras, reunidas sob um tecto fantasioso, em animado diálogo.
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