“Estamos acostumados a que as coisas comecem pequenas e simples e depois progridam, evoluam, para se tornarem cada vez mais complexas e sofisticadas, pelo que é isso o que esperamos encontrar em sítios arqueológicos. Estas ideias cuidadosamente estruturadas de como as civilizações se devem comportar, como elas devem amadurecer e desenvolver-se, são perturbadas quando somos confrontados com um caso como Göbekli Tepe, que começa perfeito no começo e depois lentamente se desenvolve até se tornar apenas uma sombra pálida de seu antigo esplendor.”
Graham Hancock, Magicians of the Gods: The Forgotten Wisdom of Earth’s Lost Civilization
Göbekli Tepe (“Monte Barrigudo” ou “Monte do Umbigo” em turco) é o topo de uma colina onde foi encontrado um santuário, no ponto mais alto de um encadeamento montanhoso oriental dos montes Tauro, a aproximadamente 15 km a nordeste de Şanlıurfa (Urfa), no sudeste da Turquia.
O sítio arqueológico, que está a ser escavado por arqueólogos alemães e turcos, data de há mais de dez mil anos atrás, por volta do fim da última idade do gelo, e inclui vários complexos onde foram erguidos círculos de enormes pilares de pedra em forma de T – os megalitos conhecidos mais antigos do mundo.
No início dos trabalhos de escavação do local, Göbekli Tepe foi interpretado como um templo singular. No entanto, descobertas arqueológicas mais recentes apontam para um local de culto muito mais extenso. Existem pelo menos, num raio de acção de dezenas de hectares, mais 12 templos, cada um deles construído com um design semelhante, mas com características ligeiramente diferentes.
Por qualquer razão que escapa ao nosso actual entendimento, o templo foi subitamente abandonado e soterrado, há cerca de nove mil anos atrás. O clima seco e o facto de ter sido coberto, intacto, por terra, possibilitou a excelente conservação que apresenta hoje em dia.
A arquitectura sofisticada, a qualidade e extensão da construção, a complexidade técnica e a elaboração artística presentes em Göbekli Tepe não têm paralelo arqueológico, considerando que o santuário foi construído cinco milénios antes das primeiras fundações de Stonehenge e que o esforço necessário para levantar este gigantesco projeto teria sido épico, mesmo para os padrões modernos. Um trabalho prolongado no tempo de centenas senão milhares de pessoas terá sido necessário para erguer os maciços de pedra e as colunas de 6 a 10 toneladas, com 15 metros de altura, exigindo o tipo de organização, estratificação e estabilidade social que simplesmente não é compatível com o modus vivendi do Homo Sapiens nessa altura, à luz dos conhecimentos históricos contemporâneos.
Göbekli Tepe foi erigido por gente nómada, caçadores recolectores que não dominavam a escrita, a metalurgia ou a roda. As magníficas colunas aqui representadas são delicadamente decoradas com figuras de animais, deuses e sacerdotes, numa inaudita manifestação espiritual e artística. É que este é o primeiro templo conhecido que antecede o Neolítico e é aqui que tudo se complica.
Até agora, acreditava-se que fora a revolução do Neolítico – ou seja, a invenção da agricultura e a sedentarização – que teria levado ao desenvolvimento estrutural da religião e isto parecia fazer todo o sentido: aqui há coisa de 9600 anos, o fim da idade do gelo teria proporcionado, pela proliferação da fauna e da flora, condições para a domesticação de plantas e animais e a respectiva povoação em permanência de certos locais. Depois da fixação humana em aldeias agrícolas, a religião surgia naturalmente como resposta a uma actividade profundamente dependente dos factores climatéricos não dominados pelo agricultor, que ficava à mercê dos caprichos dos deuses para obter uma boa colheita. Dentro desta linha de pensamento, a criação de locais de culto implicava a pré-existência de uma sociedade sedentária, com níveis elementares de especialização profissional e cooperação social.
Ora, o que Göbekli Tepe demonstra é que o processo pode ter sido o inverso. Senão em todas as circunstâncias da evolução humana, pelo menos em algumas terá sido a religião que gerou o desenvolvimento agrícola e não o contrário: com o degelo, o espanto por um novo mundo natural que se revelava, a reverência pela capacidade de mudança e regeneração de um ecossistema que passa a enquadrar as 4 estações do ano, conduz à prática religiosa.
A criação de locais de culto megalíticos, onde são celebrados rituais periódicos por milhares de pessoas, terá implicado a necessidade de um pensamento logístico que providenciasse alimentação e abrigo para as multidões reverentes. O fenómeno religioso cria assim condições para a invenção da agricultura e da domesticação dos animais, a sedentarização, a manifestação artística e a complexidade dos papéis sociais.
A noção de que a capacidade de transcendência do Sapiens é a sua primeira ferramenta no caminho para a modernidade seria ainda hoje herética, se a evidência arqueológica em Göbekli Tepe não surgisse com esta notável eloquência, com esta arrogante elegância, com esta irónica magnitude. Isto embora o bom senso nos ensine – de caras – que a religião é resultado da imaginação humana e que a criatividade tem sido – a par com a agressividade e a ganância – um dos grandes motores da história. O problema da ciência, como de qualquer outra actividade humana, é que vive de dogmas. E os dogmas, mais tarde ou mais cedo, demonstram-se incapazes de explicar a natureza do cosmos e os fundamentos da civilização.
Com a sua magnitude espantosa, a sua beleza milenar e o enigma profundo que encerra, Göbekli Tepe obriga-nos à conclusão que muito daquilo que julgamos saber, está errado. E que a humildade que resulta de sermos ignorantes, até das nossas origens, é o único caminho que nos resta para o conhecimento e a redenção.
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