I don’t want to set the world on fire
I just want to start
A flame in your heart
Jason Suber
Este célebre teaser do Fall Out 3, de 2013, é bastante arrepiante porque está carregado de um tom profético que é difícil de digerir.
A verdade é que apesar de vivermos num mundo obcecado com a segurança, apesar da prosperidade, recordista na história humana, e que é sintomática do século XXI, o prenúncio de hecatombe é hoje mais intenso e intrusivo sobre a consciência colectiva do que nunca. Quem soma mais que 40 anos de existência percebe que, mesmo em plena Guerra Fria, esta convicção de que há qualquer coisa de profundamente errado, de factualmente ameaçador que circula na atmosfera civilizacional, nunca foi tão intensa.
Parte dessa sensação de fim dos tempos relaciona-se necessariamente com a cultura pop, que faz o constante elogio cinemático e mediático dos cenários pós-apocalípticos. Mas a vertente cultural deriva naturalmente do declínio, evidente no Ocidente, da saúde psíquica e da razão funcional das sociedades e dos indivíduos. Como se a segurança e a prosperidade que vivemos caísse sobre a condição humana não como motor de felicidade mas como um factor pernicioso, desregulador de antigos equilíbrios psicosociais, que promovem perigosas alterações nos fundamentos antropológicos e nos códigos morais das comunidades.
A abundância material e a paz estrutural que se vive há muitas décadas no Ocidente têm paradoxalmente levado à mitigação dos valores que permitiram atingir este patamar civilizacional e à sua desconstrução niilista, que implica disrupções profundas ao nível do que entendemos por género sexual, nacionalidade e etnia, mérito profissional, convicção religiosa, direitos constitucionais e, sobretudo, liberdade individual.
Estas disrupções têm sido irresponsavelmente patrocinadas por aqueles cujo dever máximo seria precisamente o de preservar as instituições materiais e imateriais da tradição judaico-cristã: os líderes políticos e religiosos, os formadores da opinião, as corporações económicas, os agentes académicos.
Acontece que a destruição do mais bem sucedido modelo civilizacional da História tem sido feita de forma abertamente autoritária e declaradamente contra a vontade da classe média, que as elites pretendem tornar insolvente e irrelevante.
Esta circunstância liberta para o futuro os piores presságios, já que, historicamente, as rupturas regimentais e civilizacionais só triunfam contra a classe média quando têm um carácter despótico e espoletam graus máximos de violência sobre as populações. Ao contrário, as revoluções bem sucedidas e que fomentam a perseguição da liberdade e da prosperidade são precisamente interpretadas – ou manipuladas – pela média burguesia, cujos valores não radicais, liberais e tolerantes permitem transições mais ou menos pacíficas para novos modelos conceptuais de organização política, social e económica.
Desassossegos sociais e políticos de grande potencial disruptor são neste momento evidentes em França, na Holanda, no Canadá, e no Brasil. No Sri Lanka e no Cazaquistão o assalto ao poder pelas massas aconteceu como uma tempestade de Verão – de forma súbita e imparável. Mas é nos Estados Unidos da América que essa tensão entre o bom senso liberal da classe média e o vanguardismo radical das elites é mais explosivo. E fala-se hoje à boca cheia da guerra civil que ninguém quer e da secessão que ninguém deseja. Mas que todos, à esquerda e à direita do espectro ideológico, projectam como inevitável. Dificilmente porém a divisão da federação será realizada sem sangue, sem lágrimas e sem misérias.
É que ninguém de bom senso quer incendiar o mundo. Mas isso não quer dizer que o incêndio seja evitado. E se a América arder, todos seremos vítimas desse fogo apocalíptico.
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