O que vimos na quinta-feira, no Rio de Janeiro, poderia ter sido mais que uma reunião administrativa: quisera fosse o primeiro despertar de um poder popular que ameaça o império burocrático da ditadura esquerdista no Brasil. Governadores de Minas Gerais, Goiás, Santa Catarina, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Espírito Santo atenderam ao chamado do governador fluminense Cláudio Castro após a mega operação policial que ceifou dezenas de criminosos e expôs, de novo, o domínio das facções sobre o Estado.
Dali surgiu o assim chamado Consórcio da Paz – um pacto interestadual para troca de inteligência e ações conjuntas contra o crime organizado. Mas o nome é eufemismo: o que realmente me interessaria que se desenhasse seria o surgimento de uma frente federativa conservadora, uma reação contra a ditadura cultural, política e institucional da esquerda que usurpou a República.
Essa frente, se amadurecesse, representaria algo inédito desde a redemocratização: governadores desafiando abertamente o poder central. Seria a redescoberta do princípio federativo, o eco longínquo das antigas Províncias reagindo ao absolutismo da Corte.
O governo federal, centralizador por natureza e esquerdista por vocação, não tolerou sequer a operação policial. Já se moveu, e rápido: bastou Cláudio Castro levantar a voz para que o sistema inteiro se erguesse contra ele. No mesmo dia da reunião, o Ministério Público Eleitoral anunciou a reabertura do processo que pode cassar seu mandato, alegando “abuso de poder político e econômico”. A coincidência é grosseira demais para ser inocente.
Quando um governador age, o sistema pune. Quando um estado se ergue, a máquina ameaça. Eis a pedagogia do medo – instrumento preferido de ditaduras que fingem democracia enquanto exercem coerção.
A possibilidade real de uma frente anti-sistêmica
A pergunta é: haverá coragem para seguir adiante?
Os sinais são ambíguos e, infelizmente, nada promissores. Há governadores de temperamento resoluto que não escondem incômodo com o autoritarismo ideológico do governo federal, mas há também os que titubeiam, sempre atentos à manchete de amanhã, aos fundos de Brasília, aos sorrisos do STF.
Formar uma frente não é apertar mãos diante das câmeras; é assumir risco político, enfrentar o Leviatã administrativo, e estar disposto a pagar o preço da autonomia. A história brasileira mostra que os estados nunca sustentaram longamente um movimento federativo robusto – sempre sucumbiram à chantagem financeira e à propaganda moralista do centro.
Ainda assim o momento é propício, embora pouco promissor. A indignação popular cresce, o país real está exausto de slogans e relativismos, e cada nova morte causada pelo crime organizado torna mais evidente o fracasso do modelo progressista de segurança pública – aquele que “entende” o bandido, “vítima” do cidadão, mas não protege o homem comum pagador de impostos.
Se esses governadores mantivessem firmeza e unidade, poderiam construir um contrapoder legítimo. Hesitando ou fazendo apenas um teatro político, serão tragados pelo mesmo pântano institucional que devorou tantos, antes deles.
A ausência de Tarcísio e a máscara do “governador técnico”
Nesse cenário, a ausência de Tarcísio de Freitas no encontro foi sintomática – e, diga-se, vergonhosa. O governador de São Paulo limitou-se a participar por videoconferência, alegando prudência, “análise” e “neutralidade”, além de “ter poucas informações”.
Tradução: covardia política.
Quem teme o desgaste de aparecer ao lado de governadores combativos não é líder, é gerente de condomínio estatal. Tarcísio foi ungido pela direita, eleito pelo impulso conservador, e agora age como funcionário do sistema. Fala em eficiência, mas silencia diante da usurpação de liberdade; apregoa gestão, mas foge do confronto moral.
Enquanto Cláudio Castro é caçado pelo aparato judiciário, Tarcísio assiste de camarote, medindo as palavras para não contrariar o jornalismo militante que o bajulava em tempos de campanha e, principalmente, seus padrinhos togados.
E assim se revela o que muitos já suspeitavam: ele é do sistema. Talvez sem perceber, tornou-se peça de reposição do mesmo maquinário que fingiu combater.
O povo do Rio: sofre, mas não aprende
Resta falar do povo do Rio de Janeiro – um povo de natureza dramática, capaz de heroísmos e abismos na mesma respiração. Desde o governo de Leonel Brizola, em 1982, o carioca e o fluminense sofrem com o crime, a corrupção e o caos moral, mas o carioca em especial parece persistir em entregar o poder aos mesmos rostos que o condenam à decadência.
A eleição de Eduardo Paes é o exemplo acabado disso: o malemolente praiano prefere o prefeito do samba, da piada pronta e da autopromoção ao gestor que imponha ordem e disciplina.
É o vício de um povo que reclama da lama mas tem medo do sabão.
O Rio sofre, mas não aprende. Quer segurança, mas vota em quem protege a desordem; quer decência, mas se encanta com o cinismo. Cláudio Castro, por mais limitado que seja, teve a audácia de romper o cerco. E por isso será perseguido.
Enquanto o povo permanecer adormecido, a cidade continuará refém – não apenas das facções armadas, mas também das facções políticas que as chefiam e delas se alimentam. O Brasil precisa de governadores que compreendam que a luta pela lei é também uma luta pela civilização, uma luta pela própria vida.
E precisa de um povo que entenda, de uma vez por todas, que quem vota em demagogos está assinando o próprio atestado de servidão.
Ainda assim, insisto em sonhar com uma frente de governadores derrubando a ditadura.
Quem sabe?
WALTER BIANCARDINE
Walter Biancardine foi aluno de Olavo de Carvalho, é analista político, jornalista (Diário Cabofriense, Rede Lagos TV, Rádio Ondas Fm) e blogger; foi funcionário da OEA – Organização dos Estados Americanos.
As opiniões do autor não reflectem necessariamente a posição do ContraCultura.
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