Em Portugal, o sistema político entrou em colapso moral e estrutural. Exaurido pela falta de soluções, pela ausência de liderança, pela inépcia e pelo cinzentismo governativo, o país vive há mais de meio século uma estagnação disfarçada de progresso. A elite político-mediática, entregue a uma autocomplacência estéril, alimenta um ciclo vicioso de discursos vazios, promessas incumpridas e prazer fugaz pelo poder, sem qualquer visão de futuro.
No plano europeu, o descontentamento generalizado encontra eco no avanço dos movimentos que reivindicam soberania nacional, controlo de fronteiras e rejeição das agendas globalistas. Esta tendência anuncia uma União Europeia menos integrada, mais fragmentada e crescentemente dominada por políticas identitárias e nacionalistas. Em Portugal, o Chega emerge como expressão desse cansaço coletivo. Se conseguir evoluir de uma retórica de protesto para uma visão de Estado coerente, poderá alcançar o poder até 2029. O desafio, porém, será governar — e provar que o anti-sistema também sabe construir.
As causas deste fenómeno são evidentes, ainda que persistentemente ignoradas: a ausência de liderança credível na Europa e no mundo; o inverno demográfico e o descontrolo migratório; a insegurança crescente; o wokismo dominante e a relativização dos valores; a degradação da classe média; a corrupção endémica; e o divórcio entre governantes e governados. A resposta do sistema tem sido a rotulagem fácil — “extrema-direita”, “ultra”, “radical” —, um reflexo pavloviano que evita enfrentar as causas e se refugia no conforto da negação.
A verdade é que esta contrarrevolução à direita não surgiu no vazio. É uma reação previsível a décadas de políticas erradas e elites desconectadas. A Europa paga hoje o preço da mediocridade dos seus líderes — Macron, Scholz, Starmer, Sánchez, Tusk e tantos outros — com raras exceções, como Giorgia Meloni, que ainda ousa pensar estrategicamente.
Em Portugal, André Ventura percebeu o momento. É inteligente, pragmático e sabe usar o discurso anti-sistema como arma eficaz num país cansado de promessas vazias. O Chega acerta no diagnóstico — corrupção, imigração descontrolada, falência da saúde, insegurança, degradação económica —, mas falha na terapia. O partido carece de uma ideologia estruturada e de uma visão de governação realista. Diferente de formações congéneres como o Vox, o Rassemblement National, os Fratelli d’Italia ou o Fidesz, o Chega continua a ser, sobretudo, o partido de um homem só.
O protesto não basta. Governar exige coerência, objetivos, estratégia e capacidade de síntese nacional. O tempo das ilusões acabou. Portugal — e a Europa — precisam reencontrar a coragem de dizer não a um sistema que se esgotou e sim a um novo ciclo de responsabilidade, soberania e verdade.
FRANCISCO HENRIQUES DA SILVA
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Francisco Henriques da Silva é licenciado em História, diplomata e autor. Foi Director-geral de Assuntos Multilaterais no MNE e embaixador na Guiné-Bissau, Costa do Marfim, Índia, México e Hungria
As opiniões do autor não reflectem necessariamente a posição do ContraCultura.
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