Esta é uma rubrica muito pessoal, que introduz a banda sonora de uma vida. Não há grandes regras a não ser a de seguir uma sequência (mais ou menos) cronológica, escolher não mais que um disco por banda ou autor e inserir não mais que um videoclipe por álbum, para que a coisa mantenha um tom adequadamente telegráfico.
Steeltown – Big Country
Bem vindos às terras altas. E agasalhem-se porque o que vos trago é uma agreste e incisiva ventania escocesa. Se Steeltown fosse mais genuíno, rebentava. Se fosse mais verdadeiro, rebentava. Se fosse mais másculo, rebentava. Oscilando perigosamente entre o registo operário e a tradição rural do folk pátrio, de que fazem bandeira apocalíptica, os Big Country encontram aqui, à segunda tentativa, o seu equilíbrio estético e a sua vocação alternativa: este disco e esta banda são tão lado B da história que tive dificuldade em encontrar um clip decente para colocar na caixa de comentários. É que a bateria de poderosos lamentos sónicos, que podiam ter sido compostos por pastores renegados ou por mineiros em greve, está mais interessada na revolução do que na posteridade.
Mais a mais, os Big Country são a completa definição de uma banda de culto e nem que fosse só por causa disso, merecem esta entrada.
This Is The Sea – The Waterboys
Senhoras e senhores, The Waterboys. Os dois lados da lua convergem num único e épico plano inclinado, há uma rapariga chamada Johnny, um espírito que transcende a música e a velha Inglaterra, que apodrece. Há fenómenos poltergeist que ocorrem com arrepiante frequência na arte destes irlandeses barra escoceses que se juntaram por causa do folk céltico mas que acabaram por ser grandes no rock, partindo do arriscado princípio que o rock é um ritual de feitiçaria saxã, interrompido e complementado por poemas que podiam ter sido escritos na península helénica por volta do século quatro antes de Cristo.
O disco que escolho é This Is The Sea, mas o critério é o mais básico possível: por ser o álbum que reúne um número maior de máximas canções da banda. No caso: The Whole of the Moon, The Pan Within, Don’t Bang The Drum, Spirit e Old England.
Olho para a capa deste disco e percebo tarde demais que não é uma capa de um disco. É uma sacana de uma máquina do tempo.
Script Of The Bridge – The Chameleons
Este disco aqui, parece que foi gravado nos anos 90, mas é de 1983. A verdade é que os The Chameleons estavam de tal forma virados para a vanguarda dos seus dias que nem deviam perceber a necessidade de um retrovisor. Só pode ser. Script Of The Bridge é o primeiro disco deles, mas é uma obra com tal poder, com uma convicção tão forte, com uma confiança artística de tal forma exuberante que podia bem ser o último. Pós-punk de alta voltagem, desalinhado e grandioso, como um strob na caverna do futuro. Bum.
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