Donald Trump ganhou previsivelmente as eleições presidenciais de 5 de Novembro de 2024 e dispôs de 4 anos para preparar a vingança, atenta a sua derrota face a Biden 4 anos antes, numa nova estratégia de consolidação do Poder, de sua própria inspiração e criação (MAGA – Make America Great Again), contando com  o respaldo do Partido Republicano que se tornou dominante na cena política estadunidense, apesar de beneficiar de uma escassa maioria nas 2 Câmaras (Senado e Câmara dos Representantes).

MAGA consiste num plano estratégico isolacionista que preconiza uma ruptura com o passado e que assenta no conceito, vigente no primeiro mandato de Trump (2017-2021) do America First, não divergindo substancialmente dessa agenda, mas avançando deliberadamente num sentido ainda mais radical.

Num país cada vez mais polarizado, em que as grandes metrópoles das duas costas Leste e Oeste apostaram num progressismo bacoco e no wokismo, acolitadas pelo hiperliberalismo e lideradas por uma figura débil, escolhida e não eleita de forma totalmente irregular, em cima da hora, perante a desistência forçada de Biden (referimo-nos a Kamala Harris). Por seu turno e em contrapartida, Trump jogou forte na Middle-America, no país profundo, defendendo os “valores americanos tradicionais,” o que faz todo o sentido para o homem da rua, obtendo até o apoio de minorias (a negra e a hispânica) que, alegadamente, não foram receptivas ao canto da sereia dos democratas.

Com o atentado frustrado de Butler, Pensilvânia, de 13 de Julho de 2024 e a coragem patenteada por Trump, com a cara ensanguentada e o seu grito resiliente: Fight! Fight! Fight!, para mim não restaram, então, quaisquer dúvidas, os dados estavam lançados: Donald Trump tinha ganho a partida, muito antes antes de o povo ser chamado às urnas. E não era preciso ser-se um génio para se chegar a esta conclusão óbvia.

 

A nova direita

Mas o que é que caracteriza esta nova direita heterogénea com receitas variadas de país para país? A meu ver, de norte a sul e de leste a oeste, possui quatro factores comuns:

a) A coragem (perante a hostilidade da classe política e dos media, como foi o já citado caso de Trump);
b) O bom senso (que leva as populações a não aceitarem o discurso da multiplicação de géneros, do relativismo moral, da reescritura da história, da eterna culpa do homem branco, da diversidade, equidade e inclusão, etc. em suma  do wokismo em geral, porque aberrante e contrário ao senso comum);
c) O anti-globalismo (pelas perdas de soberania nacional, pelo acentuar de  desigualdades económicas, pela imposição do multiculturalismo e pela instauração de uma oligarquia político-económica transnacional);
d) O anti-establishment (ser anti-establishment é quase sinónimo de ser anti-sistémico, mas não significa querer destruir todo o sistema, mas sim questionar ou reformar as estruturas de poder existentes).

Estes quatro factores são claros, mas providos de alguma variabilidade, em Trump, Javier Milei, Giorgia Melloni, Robert Fico, Viktor Órban, Naiyb Bukele e nos partidos Vox, Chega, Rassemblement National, AfD, Democratas Suecos, Lei e Justiça da Polónia, Reform Party de Nigel Farage e Partido pela Liberdade de Geert Wilders, entre muitos outros.

O nacionalismo é, numa palavra, a resultante natural de todo este enunciado e esta carta é jogada sempre e em toda a hora pelos diferentes intervenientes, recusando o cinzentismo e os compromissos dos partidos do chamado “centrão político.

Nos EUA, os democratas são os culpados pela decadência e esquerdização do país e os republicanos, na versão tradicional, foram uma mera plataforma para Trump alcançar o Poder, na certeza, porém, de que não se podem admitir quaisquer cedências.

 

​​MAGA e Trump

MAGA é uma reafirmação musculada da América perante um cenário de perda de supremacia devido à imparável ascensão da China, dos BRICS e de vários outros. Neste quadro, a Europa em declínio não risca. É marginal. Por conseguinte, sem prejuízo de uma economia ainda pujante e com pleno emprego, a  América recusa o mundo multipolar e, sobretudo, quer manter o estatuto  de superioridade de que beneficiou até data recente. O quadro dispensa explicações: é muito simples e por demais  evidente.

Donald Trump encara a governação, não como um político convencional, mas antes como um homem de negócios atrabiliário, imprevisível, agressivo, quando não brutal,  em que todas as medidas tomadas ou a tomar exigem contrapartidas e as cedências não são verdadeiros recuos, mas tacticamente passos à retaguarda para novos avanços, tal como em qualquer transacção comercial. Subsiste uma agravante: o presidente actua deliberadamente a solo e, na aparência pelo menos, sem escutar quem quer que seja. Por outras palavras, a entourage, em termos práticos, não conta ou conta muito pouco, o que desconcerta quem segue a cena política norte-americana.

Na sua batalha anti-establishment, Trump luta simultaneamente contra a oligarquia burocrática dominante (i.e., a tecno-estrutura de que falava John Kenneth Galbraith no seu livro “O Novo Estado Industrial”) e contra a oligarquia financeira, enfeudada aos democratas, substituindo-a por uma outra mais conforme aos seus interesses.

Se Franklin D. Roosevelt nos anos idos de 1930 beneficiou do apoio estatal e das grandes empresas da época para o seu plano do New Deal – entre outras, a Ford, a banca de J.P. Morgan, a US Steel, a Bethlehem Steel e os magnatas Rockefeller e Kennedy  -, mutatis mutandis, Trump dispõe dos apoios das grandes empresas tecnológicas, a começar por Elon Musk (rede Xtwitter, Space X, Tesla), Mark Zuckerberg (Meta), Bill Gates (Microsoft) e Jeff Bezos (Amazon), conta também com o respaldo de grandes grupos financeiros.

No fundo, a estratégia de Trump e da MAGA é uma aposta na Alta Tecnologia, leia-se: na Inteligência Artificial, na indústria espacial, na biotecnologia, na nanotecnologia, na computação quântica, na realidade virtual e na robótica. Por outro lado, os EUA não devem imiscuir-se em aventuras militares e, antes, contribuírem activamente para a resolução dos conflitos existentes (Rússia-Ucrânia, Médio Oriente, etc). O relacionamento com a China merece uma atenção especial. As guerras comerciais estão na ordem do dia e Washington parte para esses teatros sempre em posição de força. Finalmente, as deportações em massa e o estrito controle das fronteiras é um leit-motiv que já vem do passado.

Na frente interna, propriamente dita, o combate ao wokismo sob todas as suas formas, anunciado n vezes por Donald Trump, visa pôr termo a essa ideologia nefasta e vigente nas academias, nos media, na indústria do entretenimento, nos grandes meios urbanos  e, sobretudo, na classe política esquerdófila, leniente e permissiva. Mais uma vez, o senso comum indica que se foi longe demais e que a soma 2+2 não é igual a 5. Um homem é um homem e uma mulher é uma mulherevidências biológicas indesmentíveis. Um branco por ser branco não é privilegiado pela côr ou tonalidade da pele. A matemática não é, nem nunca foi, racista. O mérito não pode ser descartado. A história assenta em factos e não pode ser rescrita à luz das lentes do presente. Etc…Em suma, o wokismo visa uma mudança de matriz cultural e civilizacional.

MAGA é, pois, uma estratégia abrangente que combina todos os factores atrás referenciados e muitos outros.

 

​​MAGA, Trump e o futuro

O pêndulo foi demasiado longe numa direcção e, previsivelmente, vem cheio de força na direcção contrária. Resta saber se será perdurável e se as posições não serão invertidas com a passagem do tempo.

Trump emitiu uma catadupa de directivas presidenciais (executive orders), designadamente no próprio dia da tomada de posse, num afã de pôr em acção, no imediato, o seu projeto, para o qual se preparou longamente, bem como, a sua intenção de desagravo.

O Presidente dispõe apenas de 2 anos para implementar os seus planos de combate, porque as midterm-elections, em 2027, podem traduzir-se  numa reviravolta e as vantagens curtas que, por ora, o beneficiam nas duas Câmaras transformar-se-ão, eventualmente, em minorias sem alento e sem força efectiva. Trump não pode dar-se ao luxo de perder o suporte parlamentar.

Acresce que o partido republicano poderá reequacionar o apoio a Trump e regressar ao status quo anterior, ou seja, à via tradicional, conservadora, mas não radical e, além disso, encaixada no sistema. Hipótese a ponderar desde logo, porque pode estar em cima da mesa, a médio prazo.

 

​​Trump, MAGA e a Europa

É, a todos os títulos, lamentável que a Europa, sabendo de antemão que Donald Trump iria ganhar o pleito eleitoral – depois do atentado da Pensilvânia, isso era mais do que evidente e as sondagens apontavam nesse sentido – não foi capaz de prever, de prescrever uma estratégia ou, pelo menos, de traçar uma orientação por aproximativa ou medíocre que fosse.

Este vídeo do “YouTube” com mais de 6 meses, relativo ao combate ao wokismo, é a este respeito ilustrativo. Estão lá anunciadas  as principais medidas que Donald Trump, pela boca do próprio, iria tomar caso fosse eleito e que correspondem quase ipsisverbis às primeiras directivas presidenciais. Existem n outros vídeos, entrevistas, declarações do actual presidente que ilustram o que digo. Só não viu, ouviu ou leu quem não quis ver, ouvir ou ler e, neste particular, os dirigentes do Velho continente foram de uma enorme irresponsabilidade.

Com efeito, os líderes europeus comportaram-se e comportam-se como galinhas decapitadas que correm desvairadas sem rumo pelo quintal até caírem de vez exangues. Não dispomos de líderes, nem de qualquer esboço de liderança digna desse nome. As raras excepções à regra enunciada (Giorgia Melloni ou Viktor Órban, p.ex.), não estão em condições de conduzir a nave. E, como dizia Shakespeare, na cena final do “Hamlet”: The rest is silence!

Mais. A Europa mostra-se incapaz de resolver os seus próprios problemas (imigração, estagnação económica, defesa, terrorismo, criminalidade, demografia, corrupção, saúde, apenas para citar alguns dossiês um pouco ao acaso) e muito menos a inovação científica e tecnológica, sabendo perfeita e conscientemente que a tecnologia de ponta representa o ápice da inovação humana, impulsionando progresso e transformação em todos os aspectos da vida. Os políticos europeus vivem e actuam unicamente em função do próximo acto eleitoral. É melhor a Europa reduzir-se à sua insignificância e deixar que os EUA de Trump, a China de Xi ou a Índia de Modi tomem conta do barco.

As reuniões dos 27 são verdadeiramente patéticas e a nada conduzem. Não vale a pena chover no molhado.

 

 

FRANCISCO HENRIQUES DA SILVA
___________
Francisco Henriques da Silva é licenciado em História, ex-diplomata e autor. Foi Director-geral de Assuntos Multilaterais no MNE e embaixador na Guiné-Bissau, Costa do Marfim, Índia, México e Hungria
___________
As opiniões do autor não reflectem necessariamente a posição do ContraCultura.