A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) e a Comissão Europeia, publicaram recentemente um Relatório1 (Perfis do Cancro por País, 2025: Portugal) que desenha um cenário desolador sobre o Cancro Pediátrico em Portugal. Segundo o documento, no ano de 2022 o cancro pediátrico no nosso país atingiu o patamar dos 245 novos casos, entre crianças e adolescentes até aos 15 anos de idade. Esses números traduzem uma Taxa de Incidência de 19 casos por 100.000 crianças, a mais alta da União Europeia (mais a Islândia e a Noruega), que é de 14 casos por 100.000 crianças. Trata-se de uma Taxa de Incidência 26% superior à média da Europa.
Num Relatório2 anterior, referente ao ano de 2020, pode ler-se que “em 2020, estavam previstos 16 novos cancros por 100 000 crianças com idades compreendidas entre os 0 e os 14 anos em Portugal – ligeiramente acima da média da UE de 15 por 100 000 habitantes”. Isto significa que entre 2020 e 2022 – em apenas dois anos, portanto – houve em Portugal um aumento de quase 20% da Taxa de Incidência do cancro pediátrico, enquanto na UE houve uma diminuição, ainda que ligeira. Isto apesar de, como é sabido, no período em causa – anos da “pandemia” – ter havido uma significativa diminuição em vários tipos de diagnóstico e intervenções médicas, o que resultou numa redução substancial da detecção de novos casos. A Taxa de Mortalidade padronizada pela idade em Portugal, 2,6 mortes por 100.000 crianças, é 21% superior à média da UE, que se situa nas 2,1 mortes por 100.000 crianças.
Esta é a frieza dos números de um país em desagregação, onde, segundo afirmou em recente entrevista o ex-Presidente da República, General Ramalho Eanes:
“Aquilo que julgávamos que era sagrado, que era a soberania, o direito dos povos, o direito das gentes, tudo isso acabou”.
Cabe recordar, porém, que a ideia de sagrado numa nação não se restringe a direitos políticos. Nem um povo, ou um país, se pode definir exclusivamente pela sua produção normativa, pelas leis que cria ou revoga, ou as Constituições que aprova e faz prevalecer. Uma Nação é bastante mais que isso. É uma maneira de viver comungada, uma relação partilhada com a Vontade e com o Destino, uma comunidade de afectos, como defendeu em tempos o Professor Adriano Moreira, outro dos últimos homens de Estado a saber pensar Portugal.
Os números sobre o cancro pediátrico, sublinhados pela divergência expressiva que demonstram em relação aos restantes países da União Europeia, são o retrato de um país que perdeu não apenas toda a referência do sagrado, mas se dedica a profanar tudo o que resta em si de decente e possa vagamente fazer lembrar os valores humanos e culturais que fazem uma Nação.
Não é admissível que uma tenebrosa estatística como esta, onde está em causa a seiva do país, as suas crianças e os seus jovens, passe em claro, como mais um documento administrativo, inócuo e vulgar, sem que aqueles aos quais cabem e couberam responsabilidades políticas, nomeadamente no sector da saúde, venham prestar contas sobre os resultados das suas acções e das suas omissões. Os números em causa representam uma catástrofe para cada uma das pessoas afectadas e respectivas famílias, mas são também aflitivas do ponto de vista demográfico, antecipando um declínio bem mais violento do que aquele a que já assistimos actualmente. Portugal tornou-se um país onde não apenas não nascem crianças portuguesas, como aquelas que nascem são cada vez mais afectadas por problemas de saúde que colocam em causa a sua sobrevivência, a sua qualidade de vida e a viabilidade futura do próprio país.
Ademais, parece intolerável que, num Estado que todos os dias se afirma “de direito e democrático”, onde a transparência e o escrutínio das opções políticas que afectam a vida dos cidadãos são imperativos constitucionais, continue sem se conhecer a verdade sobre a origem da hecatombe que desde 2020 se abateu sobre Portugal ao nível da saúde pública. É que ninguém quer acreditar que a palavra “genocídio” comece a tomar outro sentido na história contemporânea do país, e que os seus autores ostentem despudoradamente o seu prémio, desfilando com vaidade nas altas esferas da corte europeia.
BRUNO SANTOS
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1 OECD/European Commission (2025), Perfil sobre cancro por país: Portugal 2025, OECD Publishing, Paris
2 OECD (2023), Perfil sobre cancro por país: Portugal 2023, OECD Publishing, Paris
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