Como governante de Bretanha, da Dinamarca e da Noruega, o Rei Canuto II, o Grande, foi o primeiro e único imperador do Mar do Norte.
A fábula sobre o Rei Canuto a comandar as marés, escrita 100 anos após a sua morte por Henrique de Huntingdon, ainda hoje permanece enraizada no folclore inglês. Não por acaso.
Embora a data exacta do seu nascimento seja desconhecida, Canuto (995-1035) era filho de Sueno Barba-Bifurcada, rei da Dinamarca, e de uma princesa polaca; o produto de uma longa linhagem de líderes escandinavos, uma vez que o seu pai era filho e herdeiro do lendário rei Haroldo Dente-Azul.
O destino de Canuto, que seguiria as pisadas do pai, parecia inevitável e rapidamente se tornou um impressionante guerreiro viking, descrito como de boa aparência e com naturais capacidades de liderança.
Com o poder viking em ascensão no norte da Europa, Sueno Barba-Bifurcada começou a procurar terras mais longínquas para expandir a sua base de poder. Depois de ter definido as ilhas britânicas como alvo da sua ambição, teve como inimigo imediato e consequente o rei saxão Etelredo, o Despreparado, e, com o apoio do seu filho Canuto, conseguiu conquistar o trono britânico.
Tendo usurpado o rei saxão, a liderança de Sueno foi de curta duração, já que pereceu a 3 de Fevereiro de 1014, criando um vazio de poder que Etelred se sentiu determinado a preencher quando regressou do seu exílio na Normandia. Isto criou um reino dividido na Bretanha, com algumas facções a apoiarem o regresso de Etelredo, enquanto outras juraram fidelidade a Canuto.
Nesta ocasião, Etelredo conseguiu reunir apoio suficiente dos escalões superiores da sociedade anglo-saxónica e comprometeu-se, no seu regresso, a governar de forma mais justa e a perdoar aqueles que se tinham submetido durante o período de domínio viking.
Sem mais demoras, Etelredo lançou o seu ataque, confiante no facto de ter o apoio necessário para reclamar o trono em que já estivera sentado. Nessa altura, Canuto apercebeu-se que não tinha um exército à altura do desafio criado pelas forças saxónicas, nem tempo para o formar, e deixou Inglaterra para recrutar uma força militar eficaz e regressar novamente.
Entretanto, Etelredo devastou as forças vikings que permaneceram nas ilhas britânicas, desferindo até um rude golpe no Reino de Lindsey por ter apoiado os nórdicos.
Isto enquanto na Dinamarca Canuto se preparava para a desforra. No verão de 1015, regressou. Com uma força renovada de 10.000 homens, muitos deles mercenários, desembarcou em Inglaterra.
A 23 de Abril de 1016, Etelredo foi desta para melhor, deixando Edmundo Braço de Ferro como rei. Numa série de combates militares que se prolongaram por 14 meses e que culminaram na Batalha de Assandun, Edmundo foi derrotado, tendo sido posteriormente negociado um tratado. Como parte deste acordo de paz, o país seria dividido em duas partes, ficando Edmundo com o controlo de Wessex e Canuto com o resto da Bretanha. Esta proposta seria mantida até à morte de uma das partes, altura em que o sobrevivente receberia o controlo de todas as terras.
Como se veio a verificar, Canuto não teve de esperar muito tempo, pois Edmundo morreu a 30 de Novembro de 1016, deixando o líder viking como soberano incontestado de uma nação complicada.
No final do ano, tornou-se Rei Canuto e a coroação teve lugar no Natal. Com a coroa britânica na sua posse, Canuto procurou estabelecer laços familiares que lhe permitiriam consolidar ainda mais o poder, casando-se com Ema da Normandia, viúva de Etelredo. Em 1017, casou com Ema e rapidamente teve dois filhos, Hardacanuto e uma filha, Gunilda.
Para consolidar ainda mais a sua soberania, mandou matar Edgar de Wessex, filho de Etelrudo, eliminando assim outras ameaças à coroa.
Hardacanuto estava na linha de produção para ser o herdeiro da coroa imperial, apesar de Canuto ter filhos mais velhos de relações anteriores que tinham direitos herditários. Por outro lado, os filhos de Emma com Etelredo, Alfredo e Eduardo foram forçados a exilar-se, tal como os filhos de Edmundo Braço de Ferro.
Com a terminação dos potenciais pretendentes ao trono, Canuto continuou a manter a sua infraestrutura militar, que incluía a manutenção de quarenta navios e respectiva tripulação para apoiar as defesas britânicas, ao mesmo tempo que extraía uma enorme quantidade de ouro do país para pagar ao seu exército que regressava à Dinamarca.
Agora, como rei da Britânia, era importante para Canuto, como rei viking, criar estabilidade e uma presença unificadora perante as possibilidades de divisão que surgiam e que eram decorrentes da extensão do domínio, que se estendia sobre o gélido oceano nórdico. Neste sentido, organizou uma reunião em Oxford onde ficou acordado que os britânicos e os dinamarqueses viveriam juntos e em paz.
Canuto, tendo apenas recentemente consolidado o seu poder na Bretanha, voltou a sua atenção para a Dinamarca, onde, em 1018, o rei Haroldo III faleceu, deixando Canuto como herdeiro do trono dinamarquês. A fim de consolidar ainda mais o seu domínio, o monarca nomeou Hardacanuto príncipe herdeiro da Dinamarca.
Em 1028, o seu controlo tinha-se alargado ainda mais, uma vez que se tornou também Rei da Noruega, presidindo assim a um extenso Império do Mar do Norte.
Capítulo importante da sua regência é o impulso promotor do cristianismo em todos os reinos do império, na sequência da sua própria conversão à fé católica. Foi o primeiro líder viking a ser reconhecido pelo Papa como um rei cristão e, em 1027, embarcou numa peregrinação a Roma, demonstrando a sua fé e piedade.
No regresso de Roma, depois de ter assistido à coroação do Sacro Imperador Romano-Germânico, Canuto referiu-se a si próprio como “Rei de toda a Bretanha e Dinamarca e dos Noruegueses e alguns dos Suecos”. O seu poder e a sua governação sobre grande parte do noroeste da Europa eram tais que conseguiu criar um inédito período de unidade, estabilidade e paz entre os povos do seu império.
Em termos de administração, Canuto escolheu Wessex como sede do governo, enquanto a região da Ânglia Oriental era regida por um governador por ele apontado.
Outra figura importante no equilíbrio de poderes em Inglaterra era Eadrico o Aquisitivo, que tinha pilhado grande parte do país e lutado em batalhas decisivas em nome de Canuto. A sua lealdade à causa foi, nessa altura, reconhecida pelo imperador, que lhe atribuiu o título de conde da Mércia. No entanto, essa recompensa não foi considerada suficientemente substancial por Eadrico, que rapidamente se envolveu num conflito com Canuto.
Eadrico afirmava ter desempenhado um papel muito mais importante na vitória de Canuto, uma vez que a sua decisão de trair Edmundo Braço de Ferro tinha, de facto, garantido a vitória do rei viking. Em resposta às afirmações de Eadrico, Canuto afirmou que a sua traição a Edmundo poderia muito bem ser repetida com ele e, por isso, o comportamento belicoso de Eadrico deixou o monarca sem outra alternativa que não fosse mandá-lo matar. O seu corpo foi atirado ao Tamisa e a sua cabeça colocada numa estaca na Ponte de Londres.
Enquanto Canuto começou por lidar de forma decisiva e draconiana com as ameaças ao seu trono, exilando ou, em alguns casos, matando os seus rivais, com o tempo estabeleceu uma forma mais estável de governação que permitiu a coexistência das comunidades saxónica e viking, tanto no domínio social como político. Por esta razão, enquanto rei bretão, a sua imagem era positiva, o que foi favorecido pelos estreitos laços estabelecidos com a Igreja, pela introdução das leis justas e pelas suas políticas destinadas a reforçar a moeda.
Estas medidas, combinadas com a inclusão de saxões e vikings na corte real, reforçariam a sua popularidade e, consequentemente, garantiriam a estabilidade do seu reinado.
Como imperador de facto, considerando o seu domínio sobre Inglaterra, Dinamarca, Noruega e partes da Suécia, Canuto cumpriu a missão que o seu pai se tinha esforçado por cumprir: governar e unificar um vasto império do Mar do Norte.
Quando faleceu, a 12 de Novembro de 1035, Canuto deixou uma grande responsabilidade ao seu filho Hardacanuto. Não só para governar a Escandinávia, mas também para manter o controlo da Bretanha. Mas o seu herdeiro, coroado Canuto III, mostrou-se incapaz de segurar o império e Canuto II, o Grande, ficou para a história como o único imperador do Mar do Norte. E também, não por acaso, o primeiro monarca viking a converter-se à fé cristã.
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