Cerca de uma semana antes do último dia das eleições, o The Wall Street Journal publicou um editorial intitulado “Uma vitória de Harris significa o quarto mandato de Obama”. Embora Kamala Harris tenha falhado a sua candidatura à presidência dos EUA de forma espcetacular na semana passada, os maiores perdedores das eleições de 2024 foram os Obama.
Ninguém teve mais influência sobre o Partido Democrata na última década do que este casal de celebridades. O Partido Democrata costumava ser um guardião da classe trabalhadora. Era solidário com as questões básicas da classe média para baixo e preocupava-se, por exemplo, com o aumento da criminalidade e dos preços dos alimentos e da gasolina, na medida em que afectavam a qualidade de vida dos americanos comuns.
Mas sob a liderança do Presidente Obama, o Partido Democrata transformou-se num partido dominado pelas elites liberais das duas orlas marítimas da federação. Tratam-se de indivíduos que residem em zonas costeiras abastadas, muitas vezes com opiniões políticas da esquerda identitária, que abraçaram a maioria das políticas sociais e económicas radicais do neo-liberalismo.
As elites desprezam abertamente quase metade do país que não concorda com elas. Insistiram em promover políticas radicais, desde as fronteiras abertas até ao Green New Deal, para se sentirem moralmente superiores, ignorando a situação dos americanos comuns que têm de suportar o elevado custo de vida e o aumento da criminalidade.
A administração Biden-Harris foi essencialmente o terceiro mandato do Presidente Obama, repleta de antigos operacionais da sua administração, desde Susan Rice a John Kerry, e foi rápida a retomar as políticas de identidade e as directrizes woke nos planos domésticas e internacionais do ex-presidente democrata.
Por exemplo, a administração Biden-Harris voltou a aderir ao Acordo de Paris sobre o Clima – ao qual o Presidente Obama aderiu originalmente em 2016 – depois de o Presidente Trump se ter retirado do mesmo devido aos prejuízos significativos estimados para a economia dos EUA. A administração Biden também retomou a política de apaziguamento em relação ao Irão, levantando as sanções económicas, na esperança de seduzir os mullahs a voltarem a aderir ao acordo nuclear de 2015, profundamente falho, de Obama. Como escreveu Mark Dubowitz o acordo foi considerado “um dos piores erros estratégicos não forçados na história da política externa dos EUA”, porque não só fracassou em conseguir reduzir a ambição nuclear do Irão, como encheu os cofres do regime. A nadarem em dinheiro, os aiatolás têm financiado os seus representantes para causar sérios danos às forças armadas dos EUA, aos seus aliados e ao comércio internacional.
O Presidente Obama, uma figura de imensa influência, foi um actor-chave na minimização da notória deterioração mental e física de Joe Biden. Após a desastrosa actuação de Biden no debate contra Donald Trump, Obama ignorou as preocupações sobre o declínio do Presidente, caracterizando a sua má prestação como uma mera “má noite de debate”. No entanto, o apoio público de Barak não foi apenas uma rejeição das legítimas preocupações com a capacidade cognitiva do inquilino da Casa branca, foi um factor decisivo que ajudou a silenciar o apelo para substituir Biden como candidato presidencial do Partido Democrata.
Porém, algumas semanas mais tarde, quando se tornou evidente que Biden dificilmente ganharia as eleições, depois de a sua enfermidade se ter tornado demasiado óbvia para ser negada, o mesmo estabelecimento do Partido Democrata que durante três anos vendeu ao público americano a ideia de que Biden estava na posse plena das suas faculdades e era “focado” e “perspicaz”, deu um “golpe suave” substituindo-o pela vice-presidente Kamala Harris e ignorando os mais de 14 milhões de democratas que votaram em Biden durante as primárias do partido. Esta troca não teria ocorrido sem a bênção de Obama. Mais tarde, Barak tentou absolver a sua responsabilidade na destituição antidemocrática do Presidente, elogiando-o como um “patriota da mais alta ordem” por ter retirado a sua candidatura à reeleição, o que insultou ainda mais os eleitores democratas e a família Biden.
Depois de tirarem Biden do caminho, os Obama, com a sua influência sem paralelo, identificaram Harris como a portadora do seu legado ideológico. O Wall Street Journal observou com propriedade que Harris estava “a concorrer ao que seria essencialmente o quarto mandato progressista de Barack Obama”. Os Obama, numa demonstração do seu estatuto de kingmakers dentro do Partido Democrata, apoiaram Harris de forma retumbante na Convenção Nacional Democrata.
Harris – que, de acordo com uma sondagem da NBC News, tinha “a classificação negativa líquida mais baixa para um vice-presidente na história” – sofreu uma mudança dramática na percepção pública após o apoio de Obama. O seu índice de favorabilidade disparou após a convenção do DNC, ultrapassando mesmo o de Trump em algumas sondagens.
Mas umas semanas depois, as coisas começaram a descambar e Obama não conseguiu esconder o seu desprezo quando pareceu que Harris estava a perder apoio entre os eleitores masculinos. Repreendeu um grupo de eleitores negros do sexo masculino durante uma paragem de campanha na Pensilvânia, um estado-chave no campo de batalha. Obama disse-lhes que era “inaceitável” não votarem nas eleições e acusou-os de não “aceitarem a ideia de ter uma mulher como presidente”, ignorando todos os fracassos políticos da administração Biden-Harris, desde a inflação elevada ao aumento das taxas de criminalidade.
Poucos dias depois, foi a vez de Michele Obama admoestar os eleitores do sexo masculino, avisando que as suas opções de voto poderiam pôr em perigo a vida das mulheres. Afirmou, sem provas, que, se fosse eleito, Trump proibiria o aborto a nível nacional (Trump nunca apoiou uma proibição nacional do aborto). Ela castigou os eleitores do sexo masculino, pintando um quadro muito negro:
“Estou a pedir-vos, do fundo do meu ser, que levem as nossas vidas a sério. … Deixem-me dizer-vos que pensar que os homens que amamos podem não estar conscientes ou ser indiferentes à nossa situação é simplesmente desolador. … Por isso, amigos, antes de votarem, perguntem a vós próprios: De que lado da história querem estar?”
Se os Obama pensavam que podiam condenar e insultar os homens americanos até à submissão, tiveram um rude despertar no dia das eleições. Segundo o The Wall Street Journal, “Trump ganhou 13 pontos percentuais no eleitorado masculino entre os 18 e os 29 anos, assegurando 55% desse grupo, em comparação com os 42% de Kamala Harris”. Trump também ganhou 15% dos votos dos negros e 41% dos votos dos hispânicos, um salto significativo em relação aos 8% dos votos dos negros e 35% dos votos dos hispânicos que obteve em 2020.
A admoestação dos Obama aos eleitores masculinos saiu pela culatra, na medida em que aparentemente os americanos estão fartos das constantes broncas do casal e da sua pouca tolerância para o contraditório. De certa forma, os eleitores escolheram Trump como uma rejeição da marca de esquerdismo dos Obama.
Harris foi uma candidata presidencial muito pouco inspiradora em 2019 e nadao conseguiu como vice-presidente. As suas constrangedoras saladas de palavras mostraram que ela não era uma candidata competente e muito menos uma líder eficaz. Se não fosse pelos Obama, Harris nunca seria a candidata presidencial do Partido Democrata. Por isso, o maior derrotado na terça-feira não foi Harris, mas os Obama.
AFONSO BELISÁRIO
Oficial fuzileiro (RD) . Polemista . Português de Sagres
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As opiniões do autor não reflectem necessariamente a posição do ContraCultura.
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