Que se saiba, Vladimir Putin ainda não felicitou formalmente Donald Trump pela sua vitória eleitoral. Enquanto líderes globalistas como Macron, Starmer, Scholz e von der Leyen foram rápidos a engolir o gordo sapo populista para congratular aquele que vai ser o 47º presidente americano, o líder russo recusou a cortesia.
Em Junho deste ano, Putin já tinha sugerido que considerava as eleições presidencias nos EUA irrelevantes para o contexto da guerra na Ucrânia, afirmando estar certo de que a política dos EUA em relação à Rússia permaneceria inalterada, fosse qual fosse o o presidente eleito.
Uns dias antes das eleições, o ministro dos negócios estrangeiros russo, Sergei Lavrov já tinha afirmado, secamente, quando questionado sobre as eleições nos EUA:
“Não temos qualquer preferência. Quando a administração Trump estava no poder, adoptou o maior número de sanções anti-russas em comparação com os seus antecessores.”
Ontem, o porta-voz da Presidência russa, Dmitry Peskov, confirmou que o Presidente Vladimir Putin não tenciona felicitar Donald Trump pela sua vitória nas eleições norte-americanas e explicou as razões do Kremlin:
“O Presidente não tem intenção de felicitar Donald Trump. Sugiro que se lembrem que estamos a falar de uma eleição que teve lugar num país que nos é hostil e que está envolvido no conflito com a Ucrânia”
Estas declarações, e o comportamento diplomático que revelam, podem ser surpreendentes para alguns, mas percebem-se perfeitamente, se considerarmos, para além do argumento de Peskov, aquilo que durante a campanha presidencial Trump disse sobre como tenciona resolver a questão ucraniana: adoptando uma posição de força, equitativa em relação a russos e ucranianos, de forma a obrigá-los a um cessar fogo primeiro e a um acordo de paz depois.
Ora, o tempo em que os EUA ditavam a paz ou a guerra no mundo já passou para os livros de história. E seja qual for o inquilino da Casa Branca, vai ser, no tempo presente e no futuro, muito difícil à diplomacia norte-americana arrancar sucessos a partir de posições de força.
Como tem sido evidente no Médio Oriente, nem sionistas nem islamitas têm prestado grande atenção às exigências de Washington. E se este é um facto inegável nesta região do globo, mais evidente se torna quando é da segunda potência militar mundial que estamos a falar. Vladimir Putin nunca aceitará ultimatos, nem anuirá perante ameaças da Casa Branca. E com certeza que não aceitará sentar-se à mesa das negociações num quadro equitativo com o regime de Zelensky.
Com o líder russo, e por muito que lhe custe, Donald Trump terá que experimentar uma abordagem mais humilde. E terá em primeiro lugar que constatar o óbvio: Que a Rússia tem clara vantagem no teatro das operações, na equação demográfica e logística e na directa proporção dos poderes militares em presença no conflito.
Terá também que entender que, do outro lado da mesa, os russos o vão encarar, assertivamente, como o líder de facto da NATO. Como o responsável máximo pela actividade criminosa da CIA. Como o chefe de estado de um país inimigo.
Além disso e como já afirmei, o que há para ser negociado na Ucrânia é com os ucranianos, não com os russos, porque Putin não aceitará nada que sacrifique os princípios que o levaram a fazer a guerra: a não adesão da Ucrânia à NATO, a destituição do regime Zelensky e o controlo dos territórios etnicamente russos da Ucrânia, cuja maior parte já foi ocupada pela operação militar em curso.
Não é de crer que estes pontos sejam negociáveis, independentemente daquilo que Trump pensa que pode fazer.
Um dos problemas do presidente eleito dos Estados Unidos vem anexado a uma das suas virtudes: o patriotismo. Trump pensa que vai liderar a mesma federação que dominou o palco global na segunda metade do Século XX. Está equivocado.
E é esse equívoco, afinal, que impede a cordialidade diplomática de Vladimir Putin.
Paulo Hasse Paixão
Publisher . ContraCultura
Relacionados
22 Abr 25
A morte de Bergoglio: o que virá agora?
A Igreja já é, claramente, governada por quem a odeia e o maior inimigo da cristandade não são os que a combatem, mas os que a compõem. E quem será o 'Papa Negro' que se segue? Uma crónica de Walter Biancardine.
18 Abr 25
Democracia: entre o ideal e a ilusão.
É necessário reconsiderar o significado de viver numa democracia. Não basta cumprir formalidades ou organizar eleições periódicas; a verdadeira cultura democrática exige justiça e cidadania. Uma crónica de Francisco Henriques da Silva.
17 Abr 25
A minha pátria é Jesus Cristo.
Não há no Ocidente contemporâneo motivos válidos para o amor à pátria, essa mãe por todo o lado inveterada. Ao contrário, o que não faltam são triunfos morais e argumentos irredutíveis em favor da humanidade e do bem supremo, nos ensinamentos de um apátrida.
16 Abr 25
A escuridão cedeu lugar à Luz Eterna.
Longe do nosso alcance, para além da carne e da lógica, brilha uma luz infinita, altiva, insuportavelmente bela. Fonte de toda claridade. Luz das luzes. Uma oração de Paulo H. Santos.
15 Abr 25
A Europa cansou de si mesma.
Há algo de profundamente constrangedor em assistir ao suicídio cerimonial, espécie de eutanásia ideológica, de uma civilização que já foi o pináculo do espírito humano. Uma crónica de Marcos Paulo Candeloro.
14 Abr 25
Donald Trump dedica-se à ficção científica.
Talvez sob o efeito de drogas alucinogénicas, Trump afirmou na semana passada que os EUA têm armas tão poderosas que ninguém faz sequer ideia do seu poder. Nada mau para um país que não conseguiu sequer derrotar os talibãs no Afeganistão.