A Disputa entre Agamémnon e Aquiles . Giovanni Battista Gaulli . 1695

 

Canta, ó deusa, a cólera de Aquiles, o Pelida
(mortífera!, que tantas dores trouxe aos Aqueus
e tantas almas valentes de heróis lançou no Hades,
ficando seus corpos como presa para cães e aves
de rapina, enquanto se cumpria a vontade de Zeus),
desde o momento em que primeiro se desentenderam
o Atrida, soberano dos homens, e o divino Aquiles.

Primeira estrofe da Ilíada . Tradução de Frederico Lourenço

 

Este é o primeiro dos textos que o Contra vai publicar, seguindo a lógica e a análise de Dinesh D’Souza, sobre o épico de Homero, posteriormente dividido em duas obras, A “Iilíada” que relata a guerra de Troia e a “Odisseia” que conta a história do regresso de Ulisses.

No que se refere à Ilíada, há que dar um contexto prévio – e telegráfico – àqueles que não conhecem a obra – até porque Homero não o faz no início da narrativa: A guerra de Troia ocorre quando Helena, a mulher de Menelau, rei grego da Lacedemónia, é raptada por Paris, filho de Príamo – Rei de Troia – que a traz com ele para a sua cidade. Menelau apela ao seu irmão, Agamémnon, o mais poderoso dos reis gregos, para reunir um exército e resgatar Helena. Este assim o faz e o mais poderoso exército alguma vez assemblado desembarca na praia de Troia.

 

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Nos primeiros versos da Ilíada, Homero propõe-se a cantar a ira de Aquiles. Mas na sequência de abertura, o lendário guerreiro decide afastar-se do teatro da guerra, e levar com ele as suas tropas – os ferozes e temidos Mirmidões. Ele ameaça deixar Troia e voltar para a Grécia, mas não é isso que faz, optando por permanecer na orla marítima, meio amuado e entretendo o tédio com a sua lira, e só o voltamos a encontrar bastantes capítulos mais à frente. Aquele que será (embora com  a concorrência de Heitor e Ulisses) o protagonista da história, é afastado da narrativa, logo no seu início.

Há porém uma máxima que encontramos na Ilíada: “Aquiles ausente é Aquiles ainda assim”, pelo que o loiro semi-deus está presente, de forma ameaçadora, mesmo quando desaparece de cena.

Seja como for, por que raio é que o herói da história se faz ausente? A razão de Aquiles para recusar lutar reside em Agamémnon, o rei grego todo poderoso. Agamémnon não é realmente o rei da Grécia, porque não há Grécia. O que existe é uma multiplicidade de reinos e de reis na geografia helénica. Aquiles é um rei, Ulissses é um rei, Menelau é um rei, por exemplo. Agamémnon porém, pela dimensão dos seus exércitos e poder do seu reino, é o líder reconhecido da expedição a Troia e tem autoridade legítima sobre os outros reis, que se comportam como uma espécie de vassalos. Prepotente, mas fraco de carácter, cruel, mas inseguro, o Rei de Micenas, depois de ser obrigad, a devolver uma escrava que tinha capturado aos troianos, Crisseia, decide, como compensação dessa humilhação, que deve retirar a Aquiles uma outra escrava que este tinha capurado e pela qual se teria apaixonado: Briseida. 

Escusado será dizer que Aquiles vê esta acção de Agamémnon como um afronta e é por isso que se recusa a combater.


Mas assim sendo, por que razão Agamémnon faz uma coisa destas, porque é que ele correria o risco de ofender o seu melhor lutador ao ponto de este se afastar da contenda, ausência que vai provocar um significativo enfraquecimento da força militar que comanda?  Crisseia tinha sido devolvida a seu pai por Ulisses, para aplacar uma praga que estava a dizimar o exército grego, enviada por um oráculo de Apolo. O que se joga aqui é uma relação de poder. Se Agamémnon tem que se conformar a perder a sua bela concubina, também Aquiles, que apesar da sua reputação como homem de armas é hierarquicamente inferior ao líder dos gregos, terá que aceitar perder a sua.

Tanto mais que as concubinas conquistadas ao inimigo serviam como a medida do valor dos guerreiros. Ao ver-se desprovido do seu troféu, Agamémnon terá necessariamente que reagir e reage precisamente retirando ao seu mais notável guerreiro a sua concubina. Acresce que Aquiles não esconde o seu desdém por Agamémnon, que não considera merecedor da liderança dos gregos. Mais uma razão para o humilhar. Os actos falam mais alto que as palavras e toda a gente fica assim a perceber que a autoridade de Agamémnon não tem reticências e recai até sobre o mais insolente e bravo e temido dos seus generais.

Além disso, Aquiles tinha sido um dos reis que teria pressionado Agamémnon a entregar a sua concubina aos troianos, de forma a fazer cessar a peste que minava os exércitos. E assim, sendo tão desprendido com as concubinas dos outros, não terá também ele que ser desprendido com as suas?

Esta lógica faz sentido, ou não? Aparentemente, sim. Mas mais à frente nesta série de textos sobre a Ilíada será possível encontrar uma reposta mais assertiva a esta questão.