O que é o ‘discurso de ódio’?

A expressão evoca a imagem de uma pessoa desequilibrada que ataca os outros por atributos que não podem ser evitados, com o único objectivo de causar danos emocionais. Por outras palavras, alguém que usa um epíteto para denegrir outro alguém em função do seu género, raça, nacionalidade ou característica fisionómica.

E embora este possa ser um discurso odioso, será que se trata de “discurso de ódio”?

A maior parte das constituições dos países ocidentais garantem o direito à liberdade de expressão. As duas primeiras disposições do artigo 37º da Constituição da República Portuguesa não podem ser mais claras:

1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.
2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.

Nos Estados Unidos, a Primeira Emenda(e não por acaso a primeira) estabelece que:

O Congresso não fará nenhuma lei respeitando o estabelecimento de uma religião, ou proibindo o seu livre exercício; ou restringindo a liberdade de expressão ou de imprensa; ou o direito do povo de se reunir pacificamente e de apresentar petições ao Governo para a reparação de queixas.

Não há asteriscos nem excepções.  E é por isso que, tanto em Portugal como nos EUA como por todo o Ocidente devíamos ficar incomodados a sério quando os políticos defendem e implementam a censura, seja em que circunstâncias for, a propósito de uma pandemia ou de uma guerra, em nome de um alegado combate ao preconceito ou da segurança pública.

Historicamente, aqueles que sacrificam a liberdade em nome da segurança ou da justiça social acabam inevitavelmente por viver em tirania.

Na semana passada o governador do Minnesota, Tim Walz, abraçou a censura governamental no debate dos candidatos à vice-presidência dos EUA. Quando o Senador JD Vance confrontou Walz sobre o seu anterior apoio à supressão governamental da “desinformação”, Walz reconheceu que também queria que o “discurso ameaçador ou de ódio” fosse banido do fórum público.

Os esforços para suprimir a “desinformação” durante a pandemia Covid dependeram muito do trabalho pidesco das tecnológicas de Silicon Valley, que operaram a mando do governo federal, removendo e suprimindo discursos e contas de rede social que contradiziam as narrativas do establishment.

A “desinformação” incluía o cepticismo em relação às vacinas, a discussão da teoria da fuga de laboratório e o questionamento da validade do distanciamento social e dos confinamentos.

Acontece que as pessoas que estavam a espalhar “desinformação” foram justificadas por não acreditarem nas narrativas do governo, porque essas narrativas eram falsas.

As terapias genéticas experimentais acabaram por não ser totalmente seguras. A teoria da fuga de laboratório revelou-se uma explicação totalmente válida para a origem da Covid. Os confinamentos e as políticas de distanciamento social não eram apoiados por quaisquer dados científicos sólidos ou relevantes.

Na altura, “desinformação” significava simplesmente “coisas sobre as quais o governo não queria que os cidadãos falassem”.

As leis contra o ‘discurso de ódio’ agora vigentes em democracias outrora exemplares como a inglesa e a americana têm exactamente o mesmo efeito e objectivo. Dão às elites o poder de controlar e monopolizar as narrativas e até o de determinar o que é verdadeiro e falso, mesmo que essas definições colidam com a verdade dos factos, como é frequentemente o caso.

Basta observar como as forças globalistas-leninistas tratam as pessoas que discordam da ideologia transgénero e da teoria crítica da raça. Ou mesmo como reagem ao cepticismo em relação à política externa do bloco ocidental no que diz respeito às guerras na Ucrânia e no Médio Oriente.

Sob o disfarce semântico da ‘desinformação’ e do ‘discurso de ódio’, a liberdade de expressão, uma das grandes conquistas civilizacionais do Ocidente está hoje sob ataque cerrado, seja através da perseguição judicial das plataformas digitais que a permitem e promovem – e dos seus proprietários – seja pela instituição do delito de opinião e o encarceramento de cidadãos que recusam as narrativas dos seus governos.

As leis que tentam refrear o ‘discurso de ódio’ e a ‘desinformação’ não se limitam ao nem se fundamentam no desejo alegadamente bem-intencionado de acabar com os extremismos ou os racismos ou a misoginia. Na verdade, destinam-se a suprimir ideias e conceitos que ofendem as sensibilidades e dificultam a prossecução da agenda das elites globalistas. Ou seja: aqueles que odeiam de morte as massas, a vontade popular, a liberdade de escolhermos o nosso destino e de pensar com a nossa cabeça, vão ter mais uma ferramenta para manifestar essa visceral hostilidade. Seria irónico, se não fosse trágico.

A ideia de interditar o ‘discurso de ódio’ não vai acabar com o ódio, da mesma forma que, como Orwell demonstrou, será sempre irrealista a iniciativa distópica de proibir o amor. São duas faces da moeda a que costumamos chamar:

Condição humana.

 

Paulo Hasse Paixão
Publisher . ContraCultura