Estes são tempos difíceis para os governos centristas da Europa Ocidental. Estão a sofrer um colapso de apoio e uma perda de controlo na Alemanha, em França, nos Países Baixos, na Áustria e noutros países, à medida que os povos da Europa dizem “basta” ao establishment liberal.
No entanto, há um regime de centro-esquerda que, de alguma forma, parece estar a contrariar a tendência e a consolidar o seu poder: o “governo” central da União Europeia, liderado pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
Quando, esta semana, a Presidente von der Leyen fechou a nomeação dos comissários para o seu segundo mandato, uma manchete de imprensa chegou mesmo a saudar a sua ascensão: “De rainha a imperatriz”. Parece que todos devíamos ajoelhar-nos perante Sua Majestade Imperial.
Mas como todas as imperatrizes – e ao contrário dos seus aliados problemáticos em Berlim ou Paris – a Presidente Ursula não é eleita pelo povo, aqueles que põem o demos em democracia. A salvo nas suas salas de comités sem fumo nem contraditório, a elite de Bruxelas presume, altiva e descuidadamente, que esta falta de responsabilidade democrática isola o seu regime contra a pressão dos deploráveis fora das muralhas do castelo.
No entanto, em breve descobrirão que não estão imunes à revolta populista dos agricultores, dos trabalhadores, dos jovens e de muitos outros europeus contra as suas terríveis políticas de migração e a sua louca obsessão com os objectivos Net Zero.
Muitos eleitores podem nem sequer ter percebido que a Comissão é agora o governo central da UE, dirigindo a política europeia. Talvez tenham pensado que se tratava apenas de um órgão técnico e administrativo, um edifício cheio de funcionários públicos nomeados para cumprir os desejos dos Estados-Membros e do Parlamento da UE.
Se assim é, não devem ter prestado muita atenção à expansão do papel político da Comissão Europeia, especialmente sob a presidência de Ursula nos últimos cinco anos, com o apoio servil e vergonhoso da imprensa corporativa e do dirigismo político globalista.
Hoje em dia, não é frequente ouvir os meios de comunicação social liberais celebrarem o poder das monarquias, mas há algo de assustadoramente reverencial nos relatos sobre a forma como von der Leyen assegurou a sua autoridade.
O Politico, o pasquim norte-americano que funciona também como órgão oficial da propaganda de Bruxelas, deu o tom untuoso com o tal título já referido: “De rainha a imperatriz”. Ao selecionar os seus 27 comissários, escreviam com admiração, von der Leyen promoveu os seus aliados e os seus leais “cães de guarda”, afastou os poucos críticos irritantes do seu primeiro mandato e até colocou o Presidente francês no seu justo lugar – o de vassalo.
Assim, a imperatriz Ursula “silenciou as dúvidas sobre quem mandava realmente em Bruxelas” e deixou claro que “teria um controlo absoluto sobre a política da União Europeia”.
“Controlo absoluto” sobre a política da UE? A união de 27 democracias parlamentares é agora uma monarquia absoluta? O establishment da UE pode alegar que está a defender os valores democráticos contra a “extrema-direita”, mas o seu sistema é um simulacro de democracia de cima para baixo.
Onde é que a imperatriz Ursula reivindica a legitimidade do seu governo? Não de Deus, mas, de acordo com outro fanzine de Bruxelas, Euractiv, da “vitória política do seu partido de centro-direita, o PPE, nas eleições europeias de Junho”. Apesar de ser rotulado de “centro-direita”, o Partido Popular Europeu (PPE) é, em grande parte, uma colecção só aparentemente conservadora de globalistas aliados à esquerda e aos Verdes no Parlamento Europeu.
Devem pensar que temos uma memória muito curta. O PPE saiu das eleições de Junho como o maior grupo no Parlamento Europeu, com 188 dos 720 eurodeputados – um grande aumento de um lugar desde as eleições de 2019. Conseguiu este resultado ao obter 23,5% dos votos expressos. Com uma afluência às urnas de 51%, o que significa que o PPE obteve o apoio de 11,99% do total do eleitorado da UE.
No entanto, esta semana, quando von der Leyen anunciou finalmente a sua proposta de composição da nova Comissão Europeia, Manfred Weber – líder do grupo parlamentar do PEE – pôde gabar-se sem rodeios de que “nós moldamos a Europa”.
Para o provar, o PPE publicou orgulhosamente nas redes sociais fotos de todos os seus futuros membros da Comissão: a Presidente em segundo mandato, Ursula, ao lado dos 14 colegas do PPE que escolheu como seus comissários, representando pouco mais de metade do total de 27.
Em que planeta é que obter menos de um quarto dos votos pode ser considerado uma “vitória esmagadora”? Só no mundo fantasista da bolha de Bruxelas é que ganhar os votos de apenas 12 em cada 100 europeus pode equivaler a um mandato para “moldar a Europa” e interferir, com ambição absolutista, nos assuntos de democracias soberanas.
Apesar de a Imperatriz Ursula ter tido o descaramento de agradecer aos eleitores na noite das eleições, esta Presidente da UE não recebeu, na realidade, um único voto dos povos da Europa cujas vidas procura agora moldar. Foi reconduzida no seu cargo para um segundo mandato através de acordos de bastidores e de um jogo de poder que escapa completamente ao escrutínio democrático.
O seu grupo PPE tenciona voltar a governar em coligação com a esquerda e os Verdes – os maiores derrotados em Junho. Entretanto, os partidos soberanistas e populistas que obtiveram os maiores ganhos nessas eleições são ignorados e excluídos da praxis do poder.
O novo grupo Patriotas pela Europa, actualmente o terceiro maior grupo de eurodeputados, foi privado de qualquer cargo na Comissão, a que tem direito, isolado atrás do cordão sanitário antidemocrático imposto pelo PPE e pelos seus co-conspiradores de esquerda. Os Patriotas foram banidos da corte da Imperatriz Ursula – juntamente com, ainda mais importante, os milhões de nacionalistas comuns que votaram neles.
Estas manobras elitistas são mais importantes do que alguma vez foram porque a Comissão Europeia tem agora mais influência do que nunca, não só sobre a política da UE, mas também sobre a vida quotidiana dos europeus.
É claro que a Comissão sempre foi muito mais do que um órgão técnico e administrativo. Embora não seja eleita, é a única instituição da UE com poder de iniciativa legislativa. Ao contrário das assembleias nacionais soberanas, o Parlamento Europeu não tem poder para redigir e aprovar leis sem o consentimento prévio da Comissão.
A centralização do poder da UE na Comissão tem-se acelerado nas últimas duas décadas, como o demonstra um importante relatório publicado este mês pelo grupo de reflexão MCC Bruxelas. “The Silent Coup: the European Commission’s Power-grab“, onde lemos:
“A Comissão Europeia utilizou as suas respostas a uma série de crises – a crise do euro, o Brexit, a pandemia Covid-19, a guerra na Ucrânia – para assumir mais autoridade e tomar decisões de ’emergência’, por exemplo, sobre vacinas ou sanções, que levam a mudanças permanentes no exercício do poder da UE. Esta utilização da política de crise permanente para expandir o alcance e o poder da Comissão atingiu novos patamares sob o regime da actual presidente da CE, Ursula von der Leyen.”
Podemos esperar muito mais do mesmo da imperatriz Ursula e dos seus seguidores durante as inevitáveis crises dos próximos cinco anos. Mas, enquanto se podem safar com este golpe silencioso dentro da bolha de Bruxelas, o que acontece cá fora é outra questão.
Os povos da Europa estão a revoltar-se contra as consequências devastadoras para a sociedade das políticas centralizadas da UE, desde o Pacto de Migração ao Acordo Verde. O novo Governo neerlandês já deixou claro que pretende romper com as regras da UE em matéria de migração e a Hungria de Viktor Orbán deverá seguir-lhe o exemplo. Até o Governo alemão, uma coligação “semáforo” de vermelhos e verdes no coração da UE de “fronteiras abertas” de van der Leyen, foi forçado a reactivar controlos fronteiriços, num esforço desesperado para acalmar a ira pública sobre a migração descontrolada e a criminalidade. Na Eslováquia, Robert Fico dá tantas dores de cabeça à Comissão que até o já tentaram matar. O próximo país a entrar em dissidência com Bruxelas será provavelmente a Áustria, caso Herbert Kickl, o líder do partido populista que venceu as legislativas em Setembro, consiga formar uma coligação governamental.
Em resposta, as elites de Bruxelas começaram a fazer ruídos contrafeitos sobre concessões políticas em matéria de agricultura e migração. Mas porque é que alguém há-de acreditar nessas meias promessas? A corte da imperatriz Ursula continua como se nada tivesse mudado, onde o problema são sempre as massas e a solução para tudo é “mais Europa”. E uma dieta de insectos.
É agora mais claro do que nunca que existem duas Europas. O que precisamos não é de mais poder centralizado, detido pela Comissão Europeia, mas de mais soberania nacional e mais democracia na Europa real, onde milhões de pessoas vivem e trabalham. Alguns de nós poderão pensar que a UE da Imperatriz Ursula está para além da reforma. Mas, em qualquer caso, todos temos de lutar por mais responsabilidade, mais controlo democrático e contra os encobrimentos, os negócios obscuros, os golpes secretos e as ambições alienadas de burocratas não eleitos.
O clube de fãs de Von der Leyen pode desfrutar do seu momento, vangloriando-se do “controlo sem restrições da política da UE” e do seu poder para “moldar a Europa”. Mas ainda assim, é bom que ela não se sinta completamente confortável no seu trono de Berlaymont. A revolta dos deploráveis populistas está apenas a começar. E, tal como o imperador do conto de Hans Christian Andersen, as grandes roupas novas da imperatriz podem não suportar uma análise crítica mais atenta por parte dos povos europeus privados de direitos.
Nesse sentido, talvez a cautela seja melhor conselheira do que a arrogância.
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