Naquele que é talvez o melhor podcast que o Tim Pool já gravou na vida, e seguramente o mais carregado de ironias, Michael Franzese, um antigo capo da Mafia nova-iorquina, leva-nos por uma viagem quase nostálgica a uma América perdida, e de tal forma são os tempos de agora realmente luciferinos que o crime organizado das famílias italo-americanas, em contraste com o crime organizado dos actuais sovietes de Washington, parece até relativamente benigno.
A coisa chega a um ponto máximo de negra comédia quando, já no final do programa, o ex-capitão da família Colombo (uma das mais poderosas e cruéis da mafia norte-americana), que certamente mandou matar ou matou ele mesmo uma quantidade apreciável de seres humanos, se mostra horrorizado com as actuais elites políticas do seu país, afirmando, com uma expressão facial visivelmente enojada:
“As pessoas não percebem que estes tipos são uma cambada de assassinos.”
Está o senhor carregado de razão e se o autor deste texto tivesse que escolher entre o assassino Franzese e os assassinos do Capitólio e da Casa Branca, não hesitaria em preferir o mafioso.
Entre variadíssimos assuntos ricos em substância que atravessam o podcast, o capo descreve, do ponto de vista conservador, o estado de guerra civil que se vive hoje no seu país, articula sobre o difícil exercício de equilibrismo moral a que um gangster católico terá necessariamente que se sujeitar, lembrando – e bem – que nem tudo o que é ilegal é imoral, e vice-versa; enquanto desmistifica certos dogmas sobre a organização criminosa de que foi um destacado líder.
Franzese discorre sobre a sua relação com a polícia, o FBI e os dirigentes políticos, retratando esse complexo comércio de interesses com tal mestria que dá ideia de que tudo se resolvia com um certo grau de civilidade, mesmo quando esses interesses eram, naturalmente, opostos e até assumindo o recurso à violência, sublinhando porém que essa solução surgia invariavelmente em última análise e acontecia mais vezes no seio das famílias, em lutas intestinas pelo poder, do que entre famílias rivais ou contra outros sectores da sociedade.
Ao longo das duas horas de conversa, o bandido do passado apresenta-se civilizado, cordial, sensato, dialéctico, moderado, lúcido, consciente dos seus pecados e conhecedor do seu caminho para a redenção. Contrasta loucamente com os bandidos do presente, selváticos, antipáticos, insensatos, dogmáticos, imoderados, alienados, ignorantes dos seus pecados e até rebeldes à ideia de salvação.
Este longo formato é mesmo uma odisseia fascinante pelos últimos 60 anos da história da América, um roteiro pelos bastidores da Cosa Nostra e uma portinhola de acesso a informação privilegiada sobre vários temas quentes, entre os quais, claro, o assassinato de Kennedy, momento em que Franzese confirma a tese que de todas parece a mais coerente: A operação resultou da cooperação entre a Mafia e a CIA, e deveu-se em boa parte ao facto de os Kennedy terem traído um compromisso eleitoral que tinham estabelecido com a comunidade italo-americana de Illinois – se JFK vencesse nesse estado, graças à mobilização da Mafia, a actividade da Cosa Nostra não seria perturbada. Acontece que, como todos sabemos, a prioridade de Bobby Kennedy, logo que chegou à Procuradoria Federal, foi precisamente a de perseguir o crime organizado de origem italo-americana.
Crime e Castigo, versão siciliana.
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