O assunto é problemático mas deve ser articulado porque é no mínimo estranho que cristãos conservadores estejam a celebrar, com alegria sinistra e memes de gosto discutível, a operação da Mossad, que fez explodir milhares de pagers e walkie-talkies pertencentes – alegadamente – a terroristas do Hezbollah.

E o termo ‘alegadamente’ é aqui usado porque a verdade é que não pertenciam apenas a terroristas, mas também a simpatizantes da causa palestiniana (um jornalista), a funcionários não militares do movimento (um embaixador), e a civis. E entre os civis foram atingidas, directa ou colateralmente, crianças.

Este vídeo, que o Contra publicou ontem, e que desaconselha a pessoas mais sensíveis, mostra como a explosão dos dispositivos pode ferir ou matar uma criança ou um adulto de forma inadvertida, mas nem por isso menos criminosa:

 

 

E basta pensar que se deram certamente casos em que os alvos do ataque estavam ao volante de automóveis ou motos para percebermos que os danos colaterais da operação podem até ser bem mais graves do que podemos projectar de forma imediatista.

 

 

A metodologia do ataque, muito característica da maneira de pensar sionista, é, se reflectirmos bem, muito parecida com qualquer acto terrorista. E, neste contexto, devíamos considerar como válida aquela velha e boa máxima de Marco Aurélio:

“A melhor maneira de te vingares de um inimigo é não seres como ele”.

E nem vale a pena procurar no Novo Testamento um versículo adequado, pois não?  Todos nós, cristãos, sabemos ou devemos saber que o ‘pagar com a mesma moeda’ cria uma dívida moral. Que o ‘olho por olho’ nos deixa todos cegos. Que ‘dar a outra face’ pode muitas vezes ser até irrealista, mas que a solução para a violência não está em rebentar com a cara de quem nos esbofeteou. Todos nós, cristãos, sabemos ou devemos saber que festejar o massacre de vidas humanas não é uma atitude decente, ponto final, parágrafo.

Outro aspecto que está claramente a passar ao lado das pessoas que celebram o feito da Mossad, que em 48 horas já ceifou mais de vinte vidas e feriu mais de 3.000, é o precedente operacional que abre. Dada a eficácia da operação – que é inegável – o que é que impede, daqui para a frente, outros ou os mesmos serviços secretos de começarem a matar pessoas que considerem indesejáveis através da detonação dos seus equipamentos digitais? Não será fácil atingir Donald Trump ou Elon Musk ou Tucker Carlson ou qualquer dissidente de alto perfil, desta forma? Tanto quanto será depois difícil descobrir quem foi o responsável?

Seja como for, quem é que de facto acredita que este ataque vai potenciar um caminho para a paz ou até uma significativa alteração no teatro das operações, que seja favorável aos objectivos militares de Israel? Pelo contrário: o carácter draconiano da iniciativa vai levantar mais ódios, incentivar uma intensificação do envolvimento iraniano, mobilizar a população libanesa, prolongar e tornar mais feroz ainda o conflito.

E por último, um problema de clarividência que já tem sido referido várias vezes pelo ContraCultura: Há muita gente que se considera ‘populista’ que ainda não percebeu que o sionismo contemporâneo é um parceiro do globalismo. E há muitos cristãos que ainda não leram os evangelhos as vezes suficientes para perceberem que os fariseus são os seus primeiros inimigos. E o que é que é um sionista, se não um fariseu do Século XXI?

Glenn Greenwald defende neste clip o ponto de vista articulado neste breve texto, melhor que o seu redactor pode ou sabe fazer.