Filinto Elísio (1734-1819), pseudónimo atribuído pela Marquesa de Alorna ao Padre Francisco Manuel do Nascimento, foi um dos mais importantes poetas do Neoclassicismo português.

De origens humildes, foi ordenado padre em 1754. Porém, as suas ideias liberais levaram a que fosse denunciado à Inquisição, a 22 de Junho de 1778, pelo padre José Manuel de Leiva, que o acusou de “afirmações e leituras heréticas proibidas”. Disfarçado de vendedor, conseguiu fugir de Portugal e exilar-se em Paris, onde chegou a 15 de Agosto daquele ano. Na capital francesa conheceu, entre outros, o poeta Alphonse de Lamartine.

Filinto era admirador de Horácio, defensor dos ideais iluministas e enciclopedistas, das revoluções francesa e americana e fã dos autores racionalistas franceses, proibidos pela Inquisição. As suas alegres simpatias pelas ideias de Rousseau, Benjamin Franklin e George Washington, e o seu entusiasmo perante a tomada da Bastilha e pelo Tea Party contrastavam com o ambiente absolutista e conservador do seu país. Por causa destas suas temerárias preferências, acabou por fugir para França, exilando-se em Paris em 1778. O seu trabalho poético foi publicado em Paris, em onze volumes, entre 1817 e 1819, seguindo-se uma segunda edição em Lisboa, de vinte e dois volumes, entre 1836 e 1840. Além de poeta era tradutor, vertendo para português os Mártires de Chateaubriand, as Fábulas de Lafontaine e a Púnica de Sílio Itálico.

O seu estilo segue os preceitos da estética classicista arcádica, sendo um defensor enérgico do purismo da língua. Não obstante os formalismos, muitos dos seus poemas reflectem uma grande intensidade emocional, no que têm de revolta e de sofrimento pessoais, sendo, neste contexto, um precursor do romantismo.

A sua influência é vasta, impactando directamente o Pré-Romantismo e autores fundamentais da cultura portuguesa como Almeida Garrett. A essa influência semântica chama a academia “filintismo”. Foi um autor único, dada a sua visão fantasista e arcadiana dos clássicos, pressentindo tendências futuras, embora vivesse em tempos de estrito racionalismo.

A sua lírica não recusava a intervenção política, a crítica social e o desafio aos poderes instituídos, de que o soneto que se segue, em que conduz um virulento ataque ao desavergonhado mercantilismo da Igreja, é eloquente testemunho. A coragem da sua pena denuncia um carácter desassombrado, de inapelável fidelidade às suas convicções profundas.

 

Nasci – logo a meus pais custou dinheiro
o baptismo, que Deus nos dá de graça.
Tive uso de razão – perdi a graça –
dei-me ao rol – chegou a Páscoa – dei dinheiro.

Quis casar com uma moça – mais dinheiro.
Brinquei com ela – não brinquei de graça:
que aos nove meses me custou a graça
para o Mergulhador capa e dinheiro.

Morreu minha mulher – não lhe achei graça
e menos graça ao arbitral dinheiro
da oferta; que o prior não vai de graça.

Se o ser cristão requer sempre dinheiro,
como cumprem com dar graças de graça
os que as graças nos vendem por dinheiro?