É um facto indiscutível: Metade da população americana pensa que algo correu drasticamente mal na América, ao ponto da federação se estar a tornar rapidamente irreconhecível. Milhões de pessoas sentem-se ratos de laboratório virtuais num grande projecto de investigação conduzido por elites que não se importam nada com os resultados da experiência, ou pelo contrário, favorecem o desastre.

O Pentágono entregou 60 biliões de dólares em armas de última geração aos terroristas em Cabul, que passou 20 anos – e gastou ainda mais biliões – a combater.

Bandeiras terroristas são hasteadas no lugar da bandeira da federação, incinerada na icónica Union Station, em Washington, enquanto estudantes radicais desfiguram estátuas com ameaças de que “o Hamas está a chegar”, vomitando ódio contra os judeus – e tudo isto com impunidade total.

A federação tem uma fronteira aberta onde nos últimos 3 anos entraram 10 milhões de imigrantes ilegais.

Os centros das cidades, outrora belos, assemelham-se agora a Nairobi ou ao Cairo – enquanto os dirigentes autárquicos gastam biliões com alojamento e assistência a imigrantes, sem saberem como remediar o desastre criado por eles próprios.

Os Drive-ins de comida rápida praticam actualmente preços de restaurantes gourmet.

Na verdade, esta agitação cultural, económica e política que parece súbita, já vai na sua terceira década. As perturbações são o resultado dos efeitos a longo prazo da globalização e da revolução tecnológica que trouxe uma enorme riqueza para as mãos de uma pequena elite utópica. Quase de um dia para o outro, todas as famílias americanas se tornaram consumidores de telemóveis, computadores portáteis, redes sociais e aplicações de todo o género.

Os americanos em particular e os ocidentais em geral entraram num mundo virtual e sem alma, de hedonismo, narcisismo e crueldade barata e anónima de click-bait, cultura do cancelamento, doxing, ghosting, blacklisting e trolling. Os confinamentos e os mandatos de vacinação Covid-19, e os primados racistas do DEI que se seguiram à morte de George Floyd, apenas aceleraram o que já era uma evolução de três décadas.

No ano 2000, um antigo mercado de 300 milhões de consumidores americanos estava a alargar-se a um mercado globalizado de 7 mil milhões – pelo menos para os que se encontravam nas faixas costeiras leste e oeste dos EUA, que capitalizaram os seus conhecimentos técnicos nas indústrias tecnológica, financeira e mediática.

Os americanos do século XX nunca tinham visto nada como as mega-celebridades globais, de Michael Jackson a Taylor Swift, ou a fortuna de 170 biliões de dólares de Bezos, ou os tipos que voam nos seus jactos privados Gulfstream para Davos, Sun Valley e Aspen, onde vão lamentar a ignorância dos deploráveis das classes baixas e planear a sua salvação, mesmo que seja contra a sua vontade.

Mas para os trabalhadores de colarinho azul, que produzem bens materiais essenciais à vida – agricultura, energia, construção, montagem e extracção – os seus meios de subsistência foram muitas vezes transferidos para o estrangeiro. Milhões dos seus empregos foram deslocados ou exportados para países do terceiro e segundo mundos, com mão de obra mais barata, recursos naturais abundantes e menos despesas que tornavam o investimento “mais sensato” e mais rentável.

Os americanos ungidos na economia “suave” ou informacional alcançaram níveis de riqueza nunca antes vistos na história, enquanto os americanos dos sectores “duros” da economia concreta assistiram à estagnação dos salários, à perda de empregos e à erosão da classe média.

O facto de as universidades, os meios de comunicação social, o Estado, a indústria de entretenimento, a alta tecnologia e o governo federal se situarem maioritariamente nas áreas costeiras tornou-se um multiplicador geográfico da crescente divisão económica e cultural – talvez da mesma forma que a Guerra da Secessão se tornou não apenas um conflito ideológico, mas também um conflito geográfico definível.

As culturas dos estados vermelhos e dos estados azuis acompanharam estas deslocações radicais na economia global. A América urbana criou um ethos e uma narrativa que a acompanha, segundo a qual era abençoada, rica e omnisciente, porque tinha sido legitimamente recompensada por ser, supostamente, mais inteligente, mais credenciada e mais bem sucedida (logo, moralmente superior) do que os falhados que ficavam para trás. Os novos multimilionários reinventaram o Partido Democrata numa concórdia entre os hiper-ricos e os pobres subsidiados, abandonando as agora caricaturadas classes médias trabalhadoras, derrotadas pela modernidade.

De facto, surgiu nos Estados Unidos uma espécie de calvinismo invertido e ateu. As classes de elite da esquerda e endinheirada são de esquerda e endinheiradas precisamente por causa da sua óbvia virtude e sabedoria superiores e inatas – mesmo quando milhões de pessoas fogem dos estados azuis falidos para os seus homólogos vermelhos mais livres e prósperos.

Seguiu-se todo um vocabulário moral de condenação para estigmatizar aqueles que, supostamente, não tinham o conhecimento ou a moralidade para apreciar os seus benfeitores da elite – “deploráveis”, “irredimíveis”, “hobbits”, “básicos” e “doidos”, para usar a linguagem de Barack Obama, John McCain, Hillary Clinton e Joe Biden. Os seus alvos eram as relíquias de uma América em vias de extinção que faziam coisas peculiares como saudar a bandeira, ir à igreja, acreditar que só existem dois sexos, honrar a pátria e insistir que é o trabalho árduo que mantém a nação alimentada, abastecida e abrigada por mais um dia.

A principal caraterística das vastas recalibrações de riqueza da revolução americana do século XXI não foi apenas a transição do musculado para o supostamente cerebral, mas da direita para a esquerda. Veja-se a Fortune 400. Há um padrão nos listados – que são maioritariamente progressistas e que devem a sua riqueza não a sectores primários, mas à economia terciária.

As verdadeiras fortunas multibilionárias da América estão agora nos serviços ligados à tecnologia e ao investimento. As hierarquias que detêm e gerem a Amazon, a Apple, o Citigroup, o Goldman Sachs, a Google, o JPMorgan, o Chase, a Microsoft ou o Morgan Stanley são decididamente democratas de esquerda. Esta realidade do século XXI marcou uma mudança radical em relação ao passado. Actualmente, os democratas ultrapassam largamente os republicanos na maioria das campanhas nacionais. As suas fundações filantrópicas são muito maiores do que as dos seus rivais de direita. São muito mais ricos.

As universidades de elite de extrema-esquerda estão repletas de fundos multimilionários, inimagináveis há apenas 40 anos, sem que a qualidade do ensino e do labor académico tenha melhorado. E já não são meramente liberais, mas sim esmagadoramente woke e intransigentemente de extrema-esquerda – com milhões de dólares para desperdiçar nas suas perseguições unicórnio de igualdade obrigatória e “antirracismo” racista. Hollywood, a imprensa corporativa e Wall Street não são apenas muito mais ricos do que nunca, mas também muito mais intolerantes e hipócritas.

Não foi apenas o dinheiro que deu à nova oligarquia de esquerda uma tal influência no Estado administrativo, em Wall Street, na tecnologia, nos media, no mundo empresarial e na universidade. Foi a garantia de que, ao contrário dos outros americanos, os ratos de laboratório das zonas maioritariamente rurais ou do interior do país eram irrelevantes e podiam ser submetidos às agendas enlouquecidas das elites – fronteiras abertas, DEI, globalismo, religião do apocalipse climático, teoria jurídica crítica, teoria monetária moderna, teoria crítica da raça e etc.

Os progressistas privilegiados assumiram – correctamente – que nunca estariam sujeitos aos desastres concretos resultantes da implementação da sua ideologia.

A actualização secular do puritanismo hipócrita da Nova Inglaterra do século XXI, explica este novo zelo arrogante da esquerda para mudar o mundo, em grande parte à custa dos outros. São os descendentes de Salém, que partilham as mesmas superstições e o mesmo fanatismo para castigar todos os que duvidam da sua pureza e sabedoria.

Assim, surgiu a ideia entre as elites de uma América sem fronteiras, onde anualmente 2 a 3 milhões de pobres e oprimidos da América Latina, do Médio Oriente, de África e da Ásia poderiam entrar numa federação humanista e progressista – sem a ideia fossilizada e iliberal de controlo de antecedentes ou premissas legais.

A pobreza abjecta dos recém-chegados recordaria às classes médias americanas a necessidade de expandir aos outros a sua qualidade de vida – como se uma vítima vitalícia da opressão institucional de Oaxaca, no México, se tornasse uma vítima legítima da América capitalista branca no preciso momento em que atravessasse uma fronteira agora mítica. A importação de pobreza em doses massivas recordaria às classes médias que o racismo e a desigualdade ainda estavam a prosperar.

O locus classicus desta presunção e contrição foi emblemático quando algumas dúzias de estrangeiros ilegais foram redireccionados para a elegante Martha’s Vineyard. Os habitantes locais apressaram-se imediatamente a tomar medidas, a saber:

1) dar aos ilegais comida, roupa de luxo e outros bens essenciais para mostrar a sua preocupação universal com os oprimidos; e

2) levá-los para fora do seu ecossistema o mais rapidamente possível, transportando-os para onde  “pertenciam” – entre os pobres dos centros das cidades ou entre as comunidades hispânicas rurais em dificuldades do sudoeste americano.

As fronteiras abertas eram aquilo a que qualquer nação progressista deveria aspirar; desde que os recém-chegados não acampassem no quintal dos arquitectos desse progressismo.

Após a morte de George Floyd, as empresas, as universidades e as agências administrativas do Estado apressaram-se a competir para “nivelar o campo de jogo”, eliminando critérios meritocráticos como os testes SAT, a verificação de antecedentes, os currículos, etc., e começaram a contratar por raça, género e orientação sexual.

Dezenas de milhares de comissários DEI espalharam-se pelas universidades (onde as escolas de elite restringem habitualmente os brancos – cerca de 65-70% da população – a 20-40% das entradas). Nalgumas escolas da Ivy League e nos seus campus de elite, as notas são “ajustadas” para garantir que 60-80% sejam A’s.

Quase tudo na América revolucionária “evoluiu” para além de noções tolas como “meritocracia” e, em vez disso, tornou-se DEI sob esteroides – desde a contratação e promoção de pilotos para a aviação comercial, ao casting de actores; da gestão dos Serviços Secretos e das carreiras dos agentes do FBI e da CIA, até às admissões nas faculdades de medicina, nos conselhos de administração das empresas e em figurantes de campanhas de publicidade.

Em resposta, um perigoso cinismo subterrâneo cresce na mesma proporção. Tal como na antiga União Soviética, também aqui surge a nossa “verdade” oficial, ao lado da verdade subterrânea em que a maioria confia quando uma hierarquia incompetente dos Serviços Secretos permite que um atirador dispare contra a cabeça de um presidente, ou quando há um aumento acentuado de acidentes e desvios de aviões de passageiros, ou quando os estudantes em massa exigem isenções dos exames finais ou esperam amnistias quando invadem os edifícios do campus, ou quando as grandes empresas – como a Disney, a Target, a Anheuser Busch e a John Deere – ostentam sinais de virtudes woke.

Em suma, os americanos estão mergulhados até ao pescoço num comissariado autoritário que nem sequer se atrevem a reconhecer formalmente. O DEI, tal como as fronteiras abertas, baseia-se na ideia de que o ‘bom’ 1% que dirige o país é demasiado virtuoso para sofrer as consequências do soviético sistema que aos outros é imposto.

O mesmo se passa com a revolução verde, mandatada de cima para baixo. Devemos partir do princípio de que os camionistas não devem ter problemas em abastecer os seus motores eléctricos a cada 200 quilómetros. Os hispânicos de Bakersfield devem desligar o ar condicionado quando as temperaturas sobem aos 40º centígrados. As mães da classe média baixa devem aprender as vantagens dos fogões e fornos eléctricos de alto custo, depois de terem sido forçadas a abandonar os seus baratos aparelhos a gás natural, que não contribuem para ‘salvar o planeta’.

Entretanto, as vendas de plataformas de cozinha italianas de marca, segundas casas de 3.000 metros quadrados totalmente climatizadas (os Obama têm três), jactos privados, iates e enormes limusinas SUV atingiram recordistas volumes de vendas. O modelo é o de John Kerry: para ajudar as pessoas sem instrução, burras e imorais, a sobreviver ao aquecimento global, os iluminados precisam de ferramentas optimizadas. Por isso, têm de evitar aeroportos caóticos, atrasos de 9 horas devido a ligações perdidas e o abafado e apertado lugar do meio nos modernos jactos comerciais.

As velhas ideias sensatas de 100.000 a 200.000 imigrantes legais admitidos anualmente e de forma meritocrática, policiamento reforçado nas principais áreas urbanas, educação cívica a nível nacional, ênfase na assimilação e integração do melting pot, utilização generalizada da energia nuclear – todas as coisas que poderiam tornar a vida da classe média mais segura, mais próspera e mais confiante – são consideradas pirosas e desactualizadas.

O resultado deste último quarto de século foi uma elite estridente que submete as suas teorias jacobinas à plebe, mas que não tem qualquer intenção de se aproximar dos desastres que provocou, e muito menos de sofrer os danos colaterais inevitáveis da sua engenharia social.

Ou, dito de outra forma, as elites progressistas são uma espécie ensandecida de cientistas sociais, enquanto as massas constituem os seus ratos de laboratório, dispensáveis e necessariamente sacrificados em função dos amanhãs que cantam.