Imagine um cidadão íntegro, que participa em todas as eleições na esperança de ver a sua nação prosperar. Contudo, ao longo dos anos, compreende que o actual consenso democrático não passa de uma construção inorgânica, repleta de promessas vazias, onde os representantes, independentemente de se posicionarem à esquerda ou à direita na clássica dicotomia, agem sistematicamente contra os interesses da nação, votando consistentemente em prol da estéril e tirânica unificação globalista.

 

O consenso democrático

Qualquer ordem política exige um amplo consenso, tanto entre as elites como entre o povo e as elites. É essencial que exista um acordo, ainda que tácito, em relação às normas, instituições, práticas e à fonte de legitimidade do Poder. No entanto, o que se observa é que as próprias elites já não aceitam o processo democrático de atribuição de mandatos, que é precisamente a fonte de legitimidade, e divergem quanto às premissas que orientam o debate. O caso mais alarmante sucede nos EUA, dito farol das democracias ocidentais. Todavia, este fenómeno, vulgarmente identificado como polarização, manifesta-se em praticamente todos, se não mesmo todos, os sistemas políticos das democracias liberais. Paralelamente, os povos depositam cada vez menos confiança nas instituições, nomeadamente na justiça, na escola pública, na comunicação social corporativa, nos partidos políticos, nas forças de segurança e também no processo democrático. No caso das elites, a divergência obedece, fundamentalmente, à lógica do Poder. Quanto ao povo, a descrença encontra fundamento na mentira, na hipocrisia, nas normas para uns que não se aplicam a outros, e na traição sistemática das elites globalistas.

Em nome de uma paz falsa e hipócrita, os imigrantes exercem violência contra os autóctones, mas quando os nativos reagem com violência para se defenderem, isso é tratado como uma conduta de opressão intolerável. Assim, assassinos forasteiros que matam um jovem britânico à catanada podem ser libertados após apenas seis meses. Da mesma forma, crianças com menos de três anos continuam a ser esfaqueadas em parques infantis, enquanto as mulheres europeias permanecem vulneráveis às agressões de violadores imigrantes. Decapitações de professores, como a de Samuel Paty em França, fazem também parte desta realidade brutal. A lista de atrocidades perpetradas por forasteiros contra os europeus é interminável. O que, contudo, é considerado uma opressão intolerável é a possibilidade de os autóctones reagirem contra um dos instrumentos da unificação globalista: a imigração copiosa. Isto tem-se manifestado de forma clara nos recentes tumultos no Reino Unido, após o assassinato por esfaqueamento de três meninas inocentes durante um evento de dança e ioga em Southport. Esta tragédia resultou numa vaga massiva de detenções e no encarceramento de britânicos, incluindo por publicações nas redes sociais denunciando o genocídio por substituição em curso no território daquela (ainda, e esperemos que assim se mantenha) unidade política.

Isto é, quem defende as fronteiras da sua Pátria é considerado um nacionalista perigoso, enquanto aqueles que a invadem para a submeter ou devastar são financiados e tratados com empatia. O pai de família que usa a força contra um ladrão que invade a sua casa durante a noite acaba preso, enquanto violadores, criminosos e assassinos permanecem em liberdade, livres para continuar a espalhar o caos. Quem, nas redes sociais, denuncia o golpe global em curso é acusado de ser conspirador, de disseminar notícias falsas, desinformação e discurso de ódio. Por outro lado, aqueles que organizam a unificação globalista seguem impunes na demolição das nações e, com elas, da democracia. Tudo isto ocorre em conluio com o quarto poder, ou seja, a comunicação social corporativa, que constrói, gere e amplifica a doutrina globalista, muitas vezes com fundamento em completas falsidades.

Para que o povo aceite o consenso democrático, é indispensável que se cumpram duas condições: liberdade de expressão, não a presente ilusão, e aquilo que Aristóteles denominou como philia. Todavia, ambas estão sob ataque.

 

 

Aristóteles com Busto de Homero . Rembrandt . 1653

 

 

Demolição programada da philia

Relativamente à philia, é importante recordar que a democracia teve origem na Grécia Antiga, especificamente na cidade-estado de Atenas. Os cidadãos das cidades-estado gregas eram relativamente homogéneos em termos culturais, linguísticos, religiosos e étnicos. Séculos depois, a partir do final do século XVII, começaram a surgir gradualmente as democracias liberais nas, também, relativamente homogéneas nações ocidentais. As democracias nunca emergiram, nem se mantiveram robustas e saudáveis, em sociedades multiculturais. Esta realidade confirma a tese do filósofo grego e pioneiro da ciência política, segundo a qual uma sociedade multicultural é, por natureza, anti-democrática e caótica, pois carece de philia, essa profunda fraternidade de sangue, passado, presente e futuro entre os cidadãos.

À medida que as nações europeias se tornam crescentemente multiculturais, a sua natureza homogénea é progressivamente substituída pela heterogeneidade promovida pelo globalismo, visando, a longo prazo, a síntese unicultural. Esta demolição programada da fraternidade assenta na ilusão do multiculturalismo de cariz globalista. No conceito de multiculturalismo globalista, as fronteiras são abolidas, gerando fricções sociais, morais, éticas, religiosas, étnicas e raciais, resultantes do encontro e da mistura de diversas culturas e tradições.

Em contraste, no multiculturalismo real, ou nacionalista, cada cultura, etnia e religião floresce e mantém-se dentro dos seus próprios espaços definidos. Neste contexto, as identidades culturais são preservadas e respeitadas, permitindo que cada grupo prospere de acordo com as suas próprias tradições e valores. Este tipo de multiculturalismo promove a coexistência pacífica e o respeito mútuo entre diferentes comunidades, cada uma dentro dos seus próprios limites geográficos e culturais.

No multiculturalismo nacionalista, existe previsibilidade normativa e uma ética nacional. Já no multiculturalismo globalista, assistimos à demolição da philia e, com ela, à implosão do regime democrático. Por toda a Europa, e de facto em todo o Ocidente, somos confrontados com esta realidade. O referido caso britânico é apenas mais uma instância.

 

Liberdade de expressão torpedeada

No que diz respeito ao pilar da liberdade de expressão, o ataque a este valor é evidente e alarmante. Colocando as coisas em termos simples, a liberdade de expressão é o alicerce da democracia. Sem ela, não é possível alcançar a verdade, e sem a verdade, o cidadão não consegue formar um sentido de voto informado. Dito de outra forma, a democracia transforma-se num teatro, uma ilusão orquestrada pelos engenheiros da formação de opinião. É importante sublinhar que a comunicação social corporativa desempenha um papel determinante neste contexto. É também o fracasso desta instituição que, conforme referido anteriormente, tem contribuído para a quebra de confiança do povo no consenso democrático. Devo ressalvar que nem todos os jornalistas agem de forma anti-ética, mas estes constituem uma honrosa minoria.

Segundo Edward Bernays, um dos princípios fundamentais da psicologia das massas é o seguinte: a maioria das pessoas tende a aceitar que indivíduos “credíveis”, os designados especialistas, e determinadas organizações são dignos de confiança para a definição da sua opinião. Contudo, com o surgimento e a massificação das redes sociais, novos agentes passaram a ocupar um espaço anteriormente reservado à comunicação social corporativa. Os jornalistas perderam o monopólio do microfone para o cidadão comum, uma ferramenta que usavam para extorquir, difamar e caluniar à vontade, num jogo sujo de promiscuidade entre poder político, económico, financeiro e mediático, à sombra da fachada da autoridade dos “especialistas” e organizações. As redes sociais vieram perturbar o simulacro, e a corporação não gostou disso. Consequentemente, une-se a outros agentes para minar a ágora digital.

 

Elon Musk com Thierry Breton em 2022.

 

São infindáveis os ataques a este indispensável pilar democrático. Um mediático episódio envolveu Elon Musk, dono da rede social X, e o Comissário Europeu para o Mercado Interno, Thierry Breton, que ameaçou o magnata com sanções e uma potencial proibição ao nível da União Europeia, caso este disseminasse “ódio” ou “racismo” na conversa com o ex-presidente dos EUA, Donald Trump. Além desta, ameaças têm surgido de outras origens, por exemplo Brasil e Reino Unido. Todavia, nem só de casos mediáticos vive a censura dos tiranos globalistas. O cidadão comum, assim como os próprios políticos (ideologicamente selecionados) nas chamadas democracias liberais, vivem diariamente sob o jugo do ministério da verdade globalista. Marie-Thérèse Kaiser, por exemplo, uma política alemã, foi condenada pelo crime de “incitamento” por um tribunal alemão, após ter partilhado um link para dados governamentais sobre violações cometidas por imigrantes, questionando por que motivo esses números são tão desproporcionalmente elevados. Na sequência dos recentes tumultos no Reino Unido, um cidadão britânico foi preso por “retórica anti-sistema” publicada nas redes sociais. Em Portugal, também se têm registado investidas neste sentido. Um exemplo claro é a aprovação de um diploma, orwellianamente denominado “Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital”, cujo artigo 6.º prevê a censura da chamada desinformação, definindo o conceito de forma tão ampla que poderia permitir a ocorrência, em Portugal, de situações semelhantes às do Reino Unido, onde milhares de pessoas têm sido privadas da sua liberdade física por delito de opinião. Tudo isto para defender a democracia, evidentemente!

Confrontados com este cenário insofismável, uma coisa sabemos: em nenhum momento da história os partidários da censura do discurso estiveram do lado certo.

 

Esperança democrática

Além das duas condições abordadas como fundamentais para que o povo aceite a fonte de legitimidade democrática, o Estado de Direito também sofre uma erosão significativa, tanto pela judicialização da política como pela politização da justiça, colocando em perigo um dos axiomas sagrados de qualquer democracia: a separação de poderes. Mas sobre isso escreverei noutra ocasião. Posto isto, surge a impreterível questão: ainda há esperança para o regime democrático? Quero acreditar que sim, embora, como alguém que compreende a lógica do Poder, confesse não estar muito confiante.

Face ao brutal cenário sinteticamente descrito, se o cidadão íntegro continuar a ignorar os ataques deliberados ao regime democrático, arriscamo-nos a perder a liberdade que este promete proteger. A democracia não é um dado adquirido e a alternativa é a tirania globalista. Os globalistas, esses, continuarão a degradá-la. O papel dos democratas e nacionalistas deve ser o de expor o processo de degeneração em curso, exigindo transparência e responsabilização. Talvez seja necessário reconsiderar o modelo de democracia representativa, adoptando um modelo semi-representativo que incorpore elementos de democracia directa, permitindo que o colectivo de cidadãos participe nas decisões importantes sem ser exclusivamente por interposta pessoa. Contudo, o problema fundamental deve ser abordado com atenção redobrada à philia e à liberdade de expressão. Sem estas, nenhum modelo democrático sobreviverá. É um imperativo moral para qualquer cidadão íntegro, que ambiciona a sobrevivência e prosperidade da sua nação num espaço de liberdade, exigir responsabilidade daqueles que corroem o regime democrático deliberada e sofisticadamente, e estes têm um nome: globalistas. Não nos deixemos enganar por aqueles que dizem defender a democracia, destruindo-a.

 

JORGE PINTO
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Jorge Pinto é licenciado em Ciência Política e o analista político da conta do X Líder da União.
As opiniões do autor não reflectem necessariamente a posição do ContraCultura.