Sabine Hossenfelder é uma figura paradoxal. Académica dissidente, não tem qualquer problema em enfrentar os poderes instituídos do mundo científico e dizer aquilo que pensa, tirando partido da sua apreciável plataforma mediática, com 1,4 milhões de seguidores só no Youtube. As suas críticas acesas e satíricas aos bem instalados da física contemporânea, que montam os seus sofás sobre teorias que a realidade observável teima em negar ou que muito simplesmente são impossíveis de comprovar, são testemunho da irreverência da cientista alemã, que de tão desiludida que está com a escolástica do seu tempo e do seu país decidiu abandonar de todo a academia, demitindo-se sucessivamente de dois chorudos empregos, no Instituto de Frankfurt para Estudos Avançados e na Universidade de Munique, para se dedicar inteiramente ao seu papel de influencer, que tem alargado progressivamente do campo científico para a intervenção social.

O seu espírito crítico e coragem polemista, e a capacidade de tornar acessíveis aos públicos leigos alguns dos mais complexos conceitos da física contemporânea tem sido de utilidade ao ContraCultura, que integrou já alguns dos seus vídeos em artigos sobre ciência e filosofia da ciência.

Mas este texto não é sobre física nem epistemologia.

Acontece que Sabine Hossenfelder está embaraçada por ser alemã, diz ela. Diz que já nada funciona na Alemanha. Que os comboios não chegam à hora marcada, que a internet é lenta, que os serviços públicos estão a descambar, que a economia estagnou, que o ambientalismo crónico dos sucessivos governos decorre de um estado profundo de idiotia que está a conduzir o país a um deficit energético alarmante, enfim, diz montes de coisas que toda a gente que segue o Contra já sabe. Mas, salvo a questão energética, em que está carregada de razão e aponta as causas certas, Sabine, como a maioria dos alemães, prefere enterrar a cabeça na areia e evitar os verdadeiros fundamentos do descalabro: neo-liberalismo agudo, imigração sem freio, desagregação da identidade nacional e da coesão social, corporativismo recordista, gigantismo do sector público e monstruosidade do estado providência, decadência das instituições académicas, desinteresse dos políticos nas reais questões que afectam a vida dos cidadãos, em favor da agenda globalista e etc.

Sabine chega ao ponto delirante de afirmar que o seu país se está a atrasar, em competitividade, desenvolvimento tecnológico e índices de prosperidade porque os alemães são excessivamente… perfeccionistas. Mesmo sem contar com os ilegais, é possível, sem grande esforço argumentativo, garantir à Sabine que os os albaneses, os turcos, os sírios, os paquistaneses, os indianos, os afegãos, os palestinianos, os iranianos, os libaneses, os jordanos e todos os estrangeiros que entretanto entraram no país e, aos milhões, foram naturalizados nos últimos 20 ou 30 anos, não são nada perfeccionistas e já perfazem uma significativa porção da demografia alemã.

 

 

A física teórica desnuda assim, se bem que inadvertidamente, a causa profunda do declínio do seu país, que é a incapacidade dos nativos de perceberem as razões por trás dos problemas que os afligem e, também sem intenção, acaba por revelar a sua responsabilidade individual pela decadência que se esforça por denunciar. Ao evitar as feridas, recusando as evidências, só está a contribuir para a doença.

Até porque fazer um vídeo de doze minutos sobre a queda civilizacional da Alemanha sem mencionar a imigração é a mesma coisa que documentar a queda de Constantinopla sem referir o império Otomano.

Serve de nada.

O cego mais cego é aquele que não quer ver.