“Who broke my heart, you did, you did
Bow to the target, blame Cupid, Cupid
You think you’re smart, stupid, stupid
Shoot that poison arrow to my heart
Shoot that poison arrow”Poison Arrow . ABC . The Lexicon of Love
Se a folclórica e espalhafatosa década de 80 conseguiu um momento de classe e bom gosto, esse momento foi este.
“The Lexicon of Love” álbum de estreia dos ABC, foi lançado em Junho de 1982 e entrou imediatamente para o topo dos charts do Reino Unido, com quatro singles no top 20. O disco permaneceu nas tabelas durante 50 semanas e foi o quarto mais vendido nas ilhas britânicas em 1983.
Embora Martin Fry, o vocalista da banda, se tenha recusado a rotular o álbum como um trabalho conceptual, a verdade é que a coisa foi basicamente formulada dentro da cartilha neo-romântica que rebentava na altura: as dores cardíacas do bem querer constituem a substância lírica que é transversal aos dez temas do disco.
O mesmo Martin Fry disse um dia que a ambição da banda era fundir punk e disco, música que fosse mais sofisticada mas que mantivesse alguma atitude underground. A ambição não foi concretizada, se quisermos ser rigorosos, porque “The Lexicon of Love” não podia ser mais mainstream. Mas, neste caso raro e específico, isso não foi uma maldição.
É verdade que se os ABC fossem um bocadinho só mais melosos, explodiam. Mas por incrível que agora possa parecer, isto era na altura considerado cool à brava. A obra é uma verdadeira opereta, que declina as rendas nas mangas e as perucas de Versalhes tão queridas a outras bandas rivais dessa época, como os Duran Duran ou os Classix Nouveaux, para investir mais na produção orquestral e na intensidade lírica. O requinte melódico e a complexidade formal dos 10 temas deste disco são difíceis de igualar, porque estão muito próximos do que era humana e tecnicamente possível naquele momento da história da música pop.
Mais a mais, o triunfo retórico e artístico funciona como um manual de normas para as misérias e os triunfos do amor passional – sem sacrifício do pudor, da elegância e de um muito britânico humor, que corre pelo versos como decapante industrial. Ainda assim, os ABC eram uma banda extremamente bem educada, e como a ética é uma estética, esta é uma obra realmente bela. E bela sobre o passar dos anos, virtude acessível apenas a uns quantos, afinal poucos, favoritos dos deuses.
O álbum foi produzido por Trevor Horn e concebido por Gary Langan e apresenta orquestrações de Anne Dudley e programação digital de J. J. Jeczalik. Horn, Langan, Dudley e Jeczalik formariam os Art of Noise um ano após o lançamento deste trabalho e a maioria da equipa de produção e dos músicos intervenientes constituiriam a plataforma criativa da editora ZTT, que depois produziu e gravou bandas como os Frankie Goes To Hollywwod e os Propaganda.
Pedaço de sumptuoso kitsch, barroco e viciante monumento publicista, “com mais ganchos do que uma fábrica de processamento de carne” (Don Waller – Los Angeles Times), The Lexicon of Love é uma colecção formidável de melodramas, concebidos para lançar seres humanos na vertigem da pista de dança, a 78 rotações por minuto.
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