Compreender e enxergar os problemas que nos são apresentados socialmente são coisas bem distintas. Enquanto alguns buscam a raiz do problema, outros apenas enxergam os frutos. Torna-se cada vez mais necessária a busca pela origem do mal que nos aflige de forma tão massiva ultimamente, como, simplesmente, a incapacidade de entender o valor de uma vida.

Hoje, mais do que nunca, a sociedade se vê imersa em uma crise existencial, onde o significado da vida, outrora claro e direcionado por princípios naturais e morais, é constantemente questionado e redefinido. Essa redefinição é muitas vezes guiada por ideais que colocam o prazer e a autos-satisfação acima de qualquer outro valor. O valor da vida difere de acordo com as circunstâncias? Bom, numa visão hedonista, sim. Não só difere como nos confere o pseudo-poder de determinar quem tem o direito de prosseguir na existência, de chegar à existência e de deixar a existência. Essa compulsão louca por ser capacitado e qualificado para não apenas inteligir sobre as vidas, mas de aplicar valor a elas individualmente (como se a substância e o valor da vida não fosse algo único e irrelativizável) surge de um aglomerado de filosofias desvirtuadas, onde nós, humanos, temos como finalidade e objetivo o prazer, o conforto e o bem-estar em resposta ao desespero de existir.

Quando perdemos de vista a finalidade natural das coisas, mergulhamos em um estado de alienação e confusão. O hedonismo, com seu foco exclusivo no prazer e na gratificação pessoal, é uma filosofia que pode parecer libertadora à primeira vista, mas que, em última análise, nos aprisiona em um ciclo interminável de busca por satisfação imediata. Essa busca, ao invés de nos conectar com nossa essência mais profunda, nos desconecta de nossa humanidade, reduzindo nossa existência ao mero cumprimento de desejos efêmeros.

A desvirtuação da finalidade das coisas é o que dá origem à reação dos próprios atos. Simplificando com um exemplo bem atual: quando você altera a finalidade do sexo, tirando a sua virtude unitiva e sua função de gerar vidas, e transforma em finalidade o prazer egoísta, excluindo assim a própria finalidade natural do ato, você entrega ao homem uma incompreensão de sua própria natureza. Passa-se a enxergar como finalidade não mais a virtude da coisa, ou seja, aquilo para o qual ela existe como função perfeita, e assume-se então no lugar uma premissa do próprio ego, o meio como fim, e o fim inexistente.

A própria reconceituação da finalidade de um ato sexual abre espaço para a reconceituação da finalidade da vida. Ora, se um ato que, segundo a própria natureza da coisa, não exerce mais sua função, e no lugar é colocada a autorrealização do homem, todos os passos dados adiante pretendem buscar essa autorrealização, transformando assim a própria finalidade humana numa busca egóica de puro conforto e bem-estar. A virtude da vida é a finalidade dela, e o hedonismo busca reduzir e limitar cognitivamente a natureza humana em uma natureza meramente animal. É necessário cavar até as raízes para compreender que, se em algum momento a moral sexual e o conhecimento da natureza humana não tivesse sido reconceituado ao gosto humano por meio de ideologias que pregam “liberdade” enquanto uma questão cultural, a quantidade de homens que se subtraem a instintos animais na busca pelo prazer, ignorando moral, civilização, ética e lógica, seria bem menor do que o que conseguimos ver hoje.

A animalização do homem não começa no ato; o ato é simplesmente o reflexo palpável do homem que já se tornou animal. As reações, por consequência, seguem a mesma linha, tais como; o aborto, o estupro, o abandono paterno e materno, a mentalidade antinatalista, o desejo cultural de substituir filhos por animais de estimação, a ausência de cuidado e dedicação na educação das crianças em geral, ora por parte dos pais, ora por parte do estado.

Muito se vê o engajamento sobre essas pautas políticas, seja pelo lado que condena ou pelo lado que aprova. Mas na verdade muito pouco se vê a busca pelo entendimento a respeito da bandeira que se levanta e do partido que se toma. Não se sabe mais, culturalmente, que a pauta humanitária é maior do que o efeito político e que deve, se rechaçada pelo estado, ser cobrada com base intelectual, fundamento e conhecimento a respeito dos conceitos fundamentais que a pertencem. Não basta sentimentalismo, não basta acepção em favor do certo. É necessário conhecer e praticar, tornar mais próximo da realidade alheia a virtude da vida.

Este fato é explicado pela ausência de consciência do motor inicial dessa discussão: a substância da vida.

 

PAULO H. SANTOS
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Paulo H. Santos é professor particular de filosofia, bacharel em filosofia (UCP – Brasil) e licenciado em História (UNESA – Brasil). Católico. Escreve em português do Brasil
As opiniões do autor não reflectem necessariamente a posição do ContraCultura.