Se não viu a entrevista de Tucker Carlson na semana passada com Mike Benz, o Contra recomenda que pare tudo o que está a fazer e dedique uma hora a este conteúdo. Numa narrativa alucinante sobre a génese e instituição daquilo a que chama a instauração de um “regime militar” através da indústria de censura online nos EUA, Benz expõe, detalhadamente, o quão corrupto e tirânico se tornou o establishment da defesa e da política externa dos EUA.

Mais importante ainda, o entrevistado, que é director executivo da Foundation For Freedom Online, explica como uma constelação de agências federais e instituições com financiamento público, sob o pretexto de combater a “desinformação”, manipulou as eleições de 2020 e está agora a sufocar a Primeira Emenda e a manipular as eleições de 2024 através de um massivo exercício de censura online patrocinada pelo Estado. A eleição de 2020 e a pandemia Covid-19, segundo Benz, foram os “dois eventos mais censurados na história da humanidade”. E 2024 vai registar tendências análogas, graças ao surgimento de um complexo industrial de censura ao nível federal.

 

 

O problema é profundo, com raízes históricas que remontam ao rescaldo da Segunda Guerra Mundial e à criação da CIA e de uma série de instituições internacionais financiadas pelos Estados Unidos. Mas, para o propósito deste texto, basta compreender as suas duas fases mais recentes: o período entre 1991 a 2014 e o ciclo que desde aí se iniciou e permanece presente.

No início da Internet, em 1991, a liberdade de expressão online era vista como um instrumento de política. Naquela época, diz Benz, a liberdade de expressão na web era defendida pelos estabelecimentos de política externa e de defesa dos EUA como uma forma de apoiar grupos dissidentes em todo o mundo nos seus esforços para derrubar regimes autoritários ou considerados hostis. Permitiu que os EUA conduzissem aquilo a que Benz chama “operações de mudança de regime”, ao serviço da agenda de política externa do Departamento de Estado.

O plano funcionou muito bem. Entre outras coisas, a liberdade de expressão na Internet permitiu que grupos apoiados pelos EUA afirmassem o controlo sobre os meios de comunicação social estatais em países estrangeiros, tornando muito mais fácil derrubar governos. O ponto alto desta forma de implementar a liberdade de expressão online, explica Benz, foi a primavera Árabe em 2011 e 2012, quando os governos que a administração Obama considerava problemáticos – Egipto, Tunísia e Líbia – começaram a cair no processo das ditas “revoluções do Facebook”. Durante esse período, o Departamento de Estado trabalhou em estreita colaboração com as empresas de rede social para as manter em funcionamento nesses países e serem utilizadas como ferramentas por manifestantes e grupos dissidentes que tentavam contornar a censura estatal.

Mas tudo isso mudou em 2014, depois que o golpe de Estado apoiado pelos Estados Unidos na Ucrânia derrubou o governo de Viktor Yanukovych e houve um inesperado contragolpe pró-Rússia na Crimeia e em partes do leste da Ucrânia. E quando, mais tarde, nesse mesmo ano, o povo da Crimeia votou a favor da anexação à Federação Russa, “foi a gota de água para o conceito de liberdade de expressão na Internet aos olhos da NATO”.

Depois disso, a NATO, a CIA e o Departamento de Estado, juntamente com as agências de informação dos seus aliados europeus, deram uma reviravolta ao conceito de liberdade de expressão na web e começaram a envolver-se numa espécie de guerra de informação para censurar o que consideravam ser propaganda russa. Estes esforços rapidamente se estenderam para além da Ucrânia e da Europa de Leste, incluindo a censura de grupos populistas de direita que estavam a surgir em toda a UE como resposta à crise dos migrantes sírios.

Na altura em que o Brexit surgiu, no verão de 2016, explica Benz, a NATO e os poderes instituídos no Ocidente sentiram que havia uma verdadeira crise em curso; o problema estava a alastrar-se para oeste a partir da Europa Central e Oriental e tinha de ser travado. O Brexit poderia desencadear o colapso de toda a UE, juntamente com a NATO e toda a constelação de instituições supranacionais que dependiam da NATO. Toda a arquitetura institucional do pós-guerra poderia desmoronar-se, porque os corações e as mentes das pessoas estavam a ser influenciados. No que diz respeito ao establishment da segurança nacional americana, os cidadãos estavam a ser influenciados pela propaganda russa e de extrema-direita, e isso não podia acontecer.

Nestas circunstâncias, a liberdade de expressão era a última coisa que se podia permitir que florescesse na net. A censura tornou-se a ordem do dia. Como diz Carlson, estes líderes da NATO e da UE identificaram o seu novo inimigo como a democracia – e os eleitores – nos seus próprios países:

“Eles temiam que o seu povo, os cidadãos dos seus países, conseguissem o que queriam. E entraram em guerra contra isso”.

E depois Trump foi eleito. A partir desse momento – e, de facto, como sabemos pelo embuste do conluio russo, mesmo antes de Trump ter sido eleito em Novembro de 2016 – os estabelecimentos de política externa e de defesa dos EUA, que tanto tinham feito para transformar a Internet numa arma da política externa, voltaram a sua atenção para os cidadãos americanos.

Inicialmente, a sua justificação para a vigilância doméstica foi o Crossfire Hurricane, a noção falsa de que a Rússia se tinha infiltrado na campanha de Trump e que este candidato às presidenciais era um activo russo. Quando essa narrativa se desmoronou, precisaram de outra desculpa para espiar e censurar os americanos que tinham opiniões desfavoráveis ou que espalhavam “desinformação”, para usar a linguagem do complexo industrial da censura. Para o fazer, tinham de contornar a proibição da CIA operar em solo americano.

Uma vez que os serviços secretos sediados em Langley não podiam, por definição, espiar e silenciar abertamente os cidadãos americanos, decidiram alojar a maior parte das suas operações de censura no Departamento de Segurança Interna, especificamente numa parte do DHS encarregada de reduzir e eliminar as ameaças às infra-estruturas físicas e cibernéticas críticas dos EUA. Assim, a “desinformação doméstica” – que é, na verdade, apenas um termo para opiniões e informações de que o aparelho de segurança nacional não gosta ou que vão contra as narrativas do Departamento de Estado – foi classificada como um ataque a “infra-estruturas cognitivas críticas” e podia, portanto, ser censurada. Tratava-se de uma forma de contornar a Primeira Emenda.

Mas mesmo o DHS não podia fazer isto directamente, pelo que subcontratou operações de censura online a terceiros como a Election Integrity Partnership, ou EIP, que consistia em quatro organizações distintas: o Stanford Internet Observatory, o Center for an Informed Public da Universidade de Washington, o Digital Forensic Research Lab do Atlantic Council e uma empresa chamada Graphika. Estes “parceiros” do sector privado fizeram o trabalho minucioso de mapear redes online inteiras de pessoas que ajudaram a espalhar certas opiniões desfavoráveis, ou aquilo a que os censores chamaram “falsas narrativas”. Essencialmente, foram incumbidos de censurar os americanos em nome do governo.

Não é supreendente que as pessoas por trás da rede de censura da EIP sejam esquerdistas que odeiam Donald Trump, desprezam os seus apoiantes e adoram a censura. Por exemplo, o antigo executivo do Facebook Alex Stamos é o diretor do Observatório da Internet de Stanford. Ele comparou “mais de metade dos republicanos no Congresso” ao ISIS, apelou a que meios de comunicação social independentes como a Newsmax e a OANN fossem expulsos da rede de televisão por cabo e disse: “Temos de reduzir a capacidade destes influenciadores conservadores de chegarem a estas audiências enormes”. As suas opiniões são típicas dos gestores da indústria da censura.

Estes gestores e os seus parceiros no seio do governo dos Estados Unidos realizaram a sua tarefa com gosto, incluindo uma campanha de pré-censura de sete meses antes das eleições de 2020. Qualquer conteúdo que desafiasse a fé pública nos votos por correspondência, na votação antecipada e nas urnas de voto foi assinalado por violar as novas regras sobre “deslegitimar as eleições”. Os censores, juntamente com o governo, tinham forçado as empresas de redes sociais a adoptar estas regras, como documentado em grande detalhe no ano passado com o lançamento dos “Twitter Files“.

De facto, as revelações sobre o comportamento da tecnológica do passarinho azul expuseram um esforço massivo do governo federal para incumbir as plataformas de rede social de fazerem o que os funcionários públicos não podiam fazer, pelo menos legalmente. Mas, de certa forma, os “Twitter Files” revelaram apenas a ponta do iceberg da censura.

O Departamento de Estado, através de subsídios e assistência ao desenvolvimento de produtos a entidades privadas como o Global Disinformation Index (GDI) e o NewsGuard, usou ilegalmente um centro de contraterrorismo destinado a combater a “desinformação” estrangeira para censurar os americanos e estava a intervir activamente no mercado dos meios de comunicação social para tornar não rentáveis os títulos dissidentes, financiando a infraestrutura, o desenvolvimento, o marketing e a promoção de empresas privadas de censura para suprimir secretamente o discurso de um segmento da imprensa americana.

O governo federal estava até a usar clips da infame NewsGuard para estrangular reportagens e comentários independentes sobre a eleição de 2020 e as suas caóticas consequências. Tanto o GDI quanto o Global Engagement Center (GEC) do Departamento de Estado desenvolveram ferramentas de censura que incluíam sistemas de “verificação de factos”, plataformas de vigilância dos media, mapeamento de redes sociais e tecnologias de inteligência artificial. O Departamento de Estado forneceu então essas ferramentas a empresas como o Facebook e o LinkedIn para atingir meios de comunicação hostis às suas narrativas.

Por meio desses e de outros métodos, durante o ciclo eleitoral de 2020 e a pandemia Covid, o complexo industrial de censura apoiado pelo governo estrangulou milhões de posts online, suprimindo o tráfego para sites de notícias e prejudicando os fluxos de receita para uma série de veículos e influenciadores com pontos de vista desfavoráveis ou dissidentes.

Mas isto não é uma coisa do passado. Toda a infraestrutura de censura descrita acima ainda está intacta, ainda está a funcionar e a disparar em todos os sentidos, de forma a manipular as eleições de 2024. O complexo industrial da censura é mais robusto do que era há quatro anos. Ainda na semana passada, o presidente de assuntos globais da Meta, Nick Clegg, gabou-se na CNBC de que tem actualmente cerca de 40.000 funcionários, que representam quase 60% de toda a força de trabalho da Meta, encarregados de censurar o discurso no Facebook, no Instagram e no WhatsApp. Clegg também afirmou que a Meta gastou cerca de 20 mil milhões de dólares, incluindo 5 mil milhões de dólares no último ano, nos seus esforços de censura – ou o que ele eufemisticamente chamou de “integridade eleitoral”.

O que é que isso significa na prática? Não precisamos de adivinhar. Lembrem-se que o Facebook censurou descaradamente a história do portátil de Hunter Biden em Outubro de 2020, a mando do FBI. Com 40,000 funcionários agora encarregados de censurar o “discurso de ódio” e garantir a “integridade eleitoral”, podemos ter a certeza de que, se outra história deste género aparecer neste ciclo eleitoral, ela também será anulada pelos censores.

Mas porque é que o governo federal americano está a fazer isto? Não se trata apenas de uma preferência partidária para garantir que os democratas se mantenham no poder, mas de algo mais profundo e insidioso. Voltando à entrevista de Carlson com Benz, o aparelho de segurança nacional passou a considerar a “democracia” não como a vontade do povo expressa através de eleições, mas como a constelação de agências governamentais, instituições apoiadas pelo governo, corporações, meios de comunicação social e grupos sem fins lucrativos. Proteger a democracia, segundo este ponto de vista, significa proteger estas instituições das pessoas que supostamente deveriam servir.

Como Benz diz a certa altura na entrevista,

“a relação entre os gestores do império americano e os cidadãos da nação americana foi quebrada, e isso reflectiu-se na história da indústria da censura”.

Tudo isto parece bastante complexo e denso, pelo menos nos pormenores do seu funcionamento. Mas, no fundo, é muito simples: Os detentores do poder não querem ser responsabilizados pelas massas, pelo “populismo”, e muito menos pelos resultados de eleições livres e justas. Não toleram que ninguém, nem mesmo um presidente devidamente eleito, contrarie o “consenso inter-agências” – a famosa expressão de Alexander Vindman  no primeiro impeachment de Trump. Eles acham que o povo não tem esse direito e tencionam usar todas as ferramentas que têm para proteger o seu poder e privilégio.

A verdade nua e crua é que, se não forem derrotados e desmantelados, os intérpretes deste complexo industrial de censura vão submeter a república norte-americana à ascensão de um governo militar tirânico.

Se acha, gentil leitor, que isto é um exagero, veja a entrevista completa de Benz e considere-a no contexto daquilo a que todos temos assistido durante a última década. Não há linguagem suficientemente alarmista para transmitir a gravidade do que está a acontecer aqui. Esta é uma guerra híbrida contra a cidadania e a liberdade de expressão e os princípios fundamentais das democracias constitucionais, que está a ser travada sobretudo online, mas com consequências no mundo real que se tornam cada vez mais óbvias. E tenebrosas.