“Nunca nos ocorreria cancelar Bach, Beethoven ou O. Henry. Mas aí estão eles a cancelar Tchaikovsky e Dostoievsky. Deixai-os viver sem Tchaikovsky e Dostoievsky. Nós nunca viveremos sem os grandes clássicos.”
Vladimir Putin
“Guerra é paz.
Liberdade é escravidão.
Ignorânica é força.”
George Orwell, 1984
Nas últimas semanas, altos quadros da defesa europeia têm alertado as massas para a inevitabilidade de uma guerra na Europa, desencadeada que será pela “ameaça” que Moscovo representa para estes intérpretes da inteligência militar.
Das últimas declarações para as iniciais e apenas considerando aquelas que o ContraCultura reportou, porque há mais:
Os civis britânicos devem estar preparados para lutar numa hipotética guerra terrestre com a Rússia, proclamou o chefe do exército britânico, general Patrick Sanders, alertando para o facto de a invasão russa da Ucrânia mostrar que são os “exércitos de cidadãos” que fazem a diferença nos conflitos.
O chefe da defesa norueguesa, Eirik Kristoffersen, afirmou que os países da NATO têm “dois, talvez três anos” para se prepararem para um imaginário ataque das forças de Vladimir Putin.
O almirante Rob Bauer, presidente do Comité Militar da NATO, disse aos jornalistas, após uma reunião dos chefes de defesa da NATO em Bruxelas, que os governos precisam de começar a fazer preparativos e que os civis terão de ser mobilizados em grande escala, afirmando:
“Temos que perceber que não é certo que estamos em paz. E é por isso que nos estamos a preparar para um conflito com a Rússia”.
A Alemanha está a preparar-se para um imaginário ataque à NATO por parte das forças russas em 2025, de acordo com os planos publicados pelo jornal alemão Bild. Documentos secretos talvez intencionalmente caídos no domínio público, revelaram que o Ministério da Defesa alemão prevê que a Rússia transforme o conflito na Ucrânia numa guerra europeia total durante o próximo ano e meio. Os documentos projectam que a Rússia tomará a Ucrânia e, em seguida, lançará ataques cibernéticos e fomentará a violência na Estónia, Letónia e Lituânia.
Os principais intervenientes no sector da segurança sueca, incluindo o Ministro da Defesa, Carl-Oskar Bohlin, e o Comandante Supremo das Forças Armadas do país, Micael Bydén, concordam que a Suécia poderá em breve enfrentar uma guerra contra a Rússia e apelaram a uma maior resiliência, nomeadamente entre a população civil.
Como o Contra por várias vezes já fez notar, estes alertas não são consubstanciados por factos que provenham das agências europeias de serviços secretos ou da inteligência diplomática ou por qualquer tipo de investigação jornalística, ou até por proclamações ameaçadoras de Moscovo.
O discurso, consistente, que sai do Kremlin é este e é muito simples: quando a operação militar na Ucrânia atingir os seus objectivos, que na verdade estão praticamente alcançados e abrangem cerca de um terço do território do país – o seu extremo oriental, a guerra estará terminada.
Destes objectivos declarados para um cenário de guerra total na Europa, o salto é de gigante.
E há que sublinhar um facto histórico: durante cerca de cinquenta anos de guerra fria, quando o Ocidente defrontava um regime fundamentado numa ditadura feroz, realmente draconiano e ameaçador, ninguém alguma vez na NATO, na Comunidade Europeia ou no Pentágono se mostrou assim agressivo, assim alarmista, face à possibilidade – ou inevitabilidade – de uma guerra aberta e total com a União Soviética, no coração da Europa.
Mas vamos supor, por puro e abstracto exercício de ficção, que neste caso é pertinente ao entendimento da realidade, que a ameaça de Moscovo é real.
As elites militares e políticas do Ocidente estão a convidar, ou a mobilizar, as massas para uma guerra que será sempre de carácter apocalíptico contra uma das primeiras potências militares mundiais em nome de que valores?
A actual ou anterior ou sucedânea União Europeia levanta filosofia moral que, quando confrontada com o sistema ético do Kremlin, justifique a morte em batalha dos nossos filhos, na “melhor” das hipóteses, e da maior parte da população mundial, na pior?
A Casa Branca habitada por Joe Biden, ou por outro qualquer personagem da vida política americana contemporânea, legitima a morte de milhões de pessoas em função da ameaça, mesmo que não fantasista, representada por Vladimir Putin?
Em nome de que civilização, em defesa de que causa, inspirados por que género de líderes estamos dispostos a morrer?
Será Macron um novo De Gaule? Será Biden uma digno sucessor de Roosevelt? É Rishi Sunak merecedor da herança de Winston Churchill?
Estamos dispostos a morrer em nome de regimes que se orgulham de prender menores por delito de opinião, que perseguem os pais que não querem que os seus filhos sejam doutrinados pela ideologia de género nas escolas, que aprisionam milhares de milhões de pessoas por causa de uma gripe, que obrigam essas pessoas a terapias genéticas experimentais, que congelam contas bancárias a dissidentes políticos e os enfiam em cárceres do tamanho de armários durante meses, sem cuidados médicos nem acesso à justiça? Estamos dispostos a matar por ordem de líderes que nos odeiam, que acham que somos uma espécie de praga, que nos querem humilhar e controlar e silenciar e monitorar e que alimentam como último objectivo, na verdade, o de reduzir substancialmente o número de seres humanos à superfície do planeta?
Ou ao contrário: representa Putin uma ameaça superior à que Estaline, Krutschev e Brezhnev configuraram, e que os líderes europeus nunca tiveram a ousadia de desafiar como agora desafiam o inquilino do Kremlin?
Qual é realmente a diferença entre o simulacro de democracia que Moscovo propõe e a aberta ditadura que, por exemplo, se vive no Canadá?
Que eleições em 2024 vão ser mais íntegras, as russas ou as americanas? Quantos líderes europeus, de Ursula von der Leyen a Rishi Sunak, foram eleitos por ninguém?
Quantos burocratas todo-poderosos e claramente inspirados na filosofia soviética do poder podemos encontrar em Bruxelas, Estrasburgo, Davos, Washington, Paris e Berlim?
É em nome deles – e daquilo que representam – que vamos entregar a humanidade a uma guerra mundial, de resultado evidentemente apocalíptico?
As perguntas são, obviamente, retóricas. Todos sabemos – ou devemos saber – que esta guerra prometida, garantida, comercializada como inevitável (mesmo sem convincentes argumentos de venda), nasce da vontade de destruição que alimenta as elites globalistas e o ódio de morte que nutrem em relação à espécie humana.
Uma guerra com a Rússia resolveria de uma vez por todas a questão das alterações climáticas porque a população mundial seria de tal forma reduzida em escala e em iniciativa que o seu impacto ambiental seria equivalente à dos gorilas. Resolveria de uma vez por todas a questão da desigualdade social, porque todos os que sobreviverem serão condenados à destituição. Resolveria a ideologia de género, porque toda a gente estaria disponível para ser violada por toda a gente, se o fim do processo prometesse uma côdea de pão.
O estado de direito, os princípios constitucionais da democracia liberal, o princípio da representação que legitima a tributação e a mais básica ideia de civilização – que não triunfa sem o conceito de que todos somos iguais perante Deus, mas que devemos ser livres para cumprir destinos desiguais -, ou até a simples decência humana, seriam valores simplesmente anulados como luxos de um outro mundo, em função da realidade pós-apocalíptica.
Das cinzas, seria enfim levantada a distopia com que sonham as criaturas de Davos.
Não é isso que queremos, pois não?
Há assim que mostrar o dedo médio àqueles que nos prometem a guerra e que nos querem mobilizar e conduzir ao armagedão de uma trincheira que, muito simplesmente: não tem razão de ser.
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