Como o ContraCultura já documentou, Alexandr Dugin é uma das figuras de proa da filosofia tradicionalista que fundamenta a razão de estado de Vladimir Putin. Fundador do Partido Bolchevique Nacional, da Frente Bolchevique Nacional e do Partido da Eurásia, serviu como conselheiro do presidente da Duma, Gennadiy Seleznyov, e de Sergei Naryshkin, que foi director dos serviços de inteligência russos. Dugin é autor de mais de 30 livros, entre eles “Fundamentos da Geopolítica” (1997) e “A Quarta Teoria Política” (2009).

Encontramos em Dugin a influência de diversas eixos da filosofia política, da Nova Direita de Alain de Benoist à Escola Perenialista de René Guénon e ao Movimento Revolucionário Conservador de Carl Schmitt, autor de quem Dugin extrai vários de seus principais conceitos axiomáticos, sempre adaptados às condições sociológicas e históricas da Rússia. Enquadrado num largo espectro que oscila entre a extrema-esquerda e a extrema-direita, Dugin dificilmente será compreendido se utilizarmos apenas o barómetro da ideologia.

Entendendo o liberalismo contemporâneo do Ocidente como um exercício de poder pan-fascista, rejeitando o carácter universal das premissas do iluminismo, do modernismo e do pós-modernismo, condenando na mesma medida o comunismo e o capitalismo, tentando uma abordagem nacionalista de base não ideológica, focada nas especificidades culturais, nos mitos fundadores e nos destinos históricos dos povos, Dugin constrói um arco poderoso de onde sai a seta que fere, com profundidade dialéctica, o logos globalista do eixo Washington-Davos.

Defendendo o direito do povo russo ao seu excepcionalismo euro-asiático, o professor da Universidade Pública de Moscovo abre caminho teórico para a praxis do Kremlin, focada na recuperação do poder, estatuto e influência de uma potência – e de uma cultura – milenar.

Em Agosto de 2022 pagou caras as suas posições dissidentes em relação às elites ocidentais, quando a sua filha, Darya Dugina, foi assassinada, vítima de uma bomba colocada no carro em que os terroristas pensavam, erradamente, que o filósofo iria viajar.

Na segunda-feira passada Dugin publicou no X um pungente e assertivo apelo aos povos do Ocidente para que “derrubem o poder dos usurpadores por meios revolucionários.” O Contra publica uma tradução livre para português.

 

 

Este ano, é expectável uma revolução no Ocidente.

Há dois Ocidentais: o globalista e… o comum.

Os globalistas recusam-se a admitir que exista alguém no mundo para além deles. É por isso que insistem que não existe um segundo Ocidente. Mas existe.

Nós, o mundo multipolar, temos de nos aperceber o mais claramente possível da existência desse Ocidente-2. Ele é composto por uma variedade de forças que discordam da agenda globalista ultraliberal das elites. Há esquerdistas como Sarah Wagenknecht e o seu novo partido. A “Sarah vermelha” (Valquíria de origem iraniana-alemã) tornou-se um símbolo da esquerda iliberal europeia.

Em Itália, um dos principais teóricos da mesma direção é Diego Fusaro, aluno do marxista e antiglobalista Costanzo Preve.

Em França, são eles Alain Soral, Michel Onfray, Jean-Claude Michéa, Serge Latouche, etc.

Estes esquerdistas são sobretudo inimigos do capital global, contrastando abertamente com a pseudo-esquerda, comprada a peso de ouro por Soros, que é sobretudo pró-LGBT, pró-nazismo ucraniano, pró-genocídio em Gaza e imigração descontrolada, e anti-Rússia e aquilo a que os seus mestres capitalistas, eles próprios nazis liberais, chamariam “fascismo”.

Há também uma componente de direita, muito fustigada, mas que em muitos países europeus é a segunda força política mais importante.

Por exemplo, Marine Le Pen em França.

A Alternativa para a Alemanha está a reforçar-se na Alemanha.

Em Itália, apesar do deslize liberal de Meloni, a metade direita da sociedade não desapareceu. Todo o populismo de direita continua lá – traído por Salvini e Meloni, mas presente na mesma.

No entanto, o principal elemento do Oeste-2 são as pessoas comuns que não percebem nada de política. Simplesmente não conseguem acompanhar as exigências de mudar de sexo, castrar à força os seus filhos pequenos, casar com cabras, trazer e alimentar ainda mais migrantes e ucranianos maníacos que são incapazes de cuidar de si próprios, incluindo a higiene básica; comer baratas, ler orações a Greta Thunberg à noite e amaldiçoar os russos que não lhes fizeram mal nenhum. O homem da rua ocidental, o pequeno-burguês, é o principal suporte da revolta que se aproxima: deixou de compreender as elites liberais; ficou irreversivelmente para trás na aceleração da degeneração e da degradação que essas elites lhe exigem.

Um mundo multipolar deve ajudar a revolução europeia. Os cidadãos do Ocidente-2 são pessoas comuns que não são culpadas de nada.

Democraticamente, não têm qualquer hipótese de mudar a situação, simplesmente porque há muito que deixou de haver democracia no Ocidente. O Ocidente-1 estabeleceu uma ditadura liberal globalista directa principalmente sobre o Ocidente-2.

Resta apenas uma coisa: derrubar o poder dos usurpadores por meios revolucionários.

Esta é a agenda de 2024 para a Europa.

A vossa liberdade está nas vossas mãos.

 

Dugin surge neste texto, surpreendentemente, como um optimista, capaz de pensar que existe na alma e no carácter dos europeus, nesta altura do campeonato, a força, a coragem, o inconformismo e a dignidade que são requeridas para um movimento revolucionário das massas. O Contra, como qualquer dos seus leitores sabe bem, tem uma perspectiva mais fatalista da história e não partilha das expectativas do filósofo russo.

Existe uma possibilidade, algo remota considerando os poderes que enfrenta, de Trump ser eleito em 2024. Caso essa possibilidade se concretize, o cenário geopolítico poderá sofrer alterações mais ou menos profundas em função da capacidade efectiva dessa administração, que defrontará internamente muitas dificuldades para impor o seu poder executivo.

Mas à excepção dessa eventualidade, 2024 não trará aos europeus, conduzidos a um estágio vegetativo pelas máquinas de propaganda cultural dos poderes instituídos e pelo relativo bem estar material que lhes é proporcionado pelo falacioso socialismo dos estados, mais do que aquilo a que temos assistido nos últimos anos: uma intensificação da ditadura neoliberal, de fundamento satânico e destrutivo, que procura criar condições para levantar uma tirania global sobre as cinzas da civilização cuja queda alimenta com implacável zelo.