Investigadores que trabalham nas profundezas da floresta amazónica descobriram uma extensa rede de cidades com 2.500 anos. Um achado que está a abalar as bases conceptuais do historicismo e da arqueologia estabelecida sobre as américas.
Povoados pré-hispânicos altamente estruturados, com ruas largas e estradas longas e rectas, praças e conjuntos de plataformas monumentais foram encontrados no Vale de Upano, no Equador amazónico e no sopé oriental dos Andes, de acordo com um estudo publicado na revista Science na quinta-feira passada.
A descoberta da maior e mais antiga rede urbana da Amazónia foi o resultado de mais de duas décadas de investigações na região por parte de uma equipa de arqueólogos franceses, alemães, equatorianos e porto-riquenhos.
A investigação começou com um trabalho de campo e foi posteriormente complementada por um método de detecção remota chamado “light detection and ranging”, ou LiDAR, que utiliza tecnologias laser para detectar estruturas por baixo das espessas copas das árvores.
O autor principal do estudo, Stéphen Rostain, arqueólogo e director de Investigação do Centro Nacional de Investigação Científica (CNRS) de França, descreveu a descoberta como “incrível”. Sim, é incrível na medida em que a arqueologia estabelecida sempre negou a possibilidade de civilizações avançadas terem existido nas américas dentro deste quadro cronológico, preferindo a narrativa de que as primeiras sociedades complexas desta região do globo eram até recentes quando os conquistadores espanhóis lá chegaram e as aniquilaram completamente.
Agora e aqui temos a prova de que pungentes civilizações amazónicas souberam, por si próprias, levar-se à ruína e à extinção, sem qualquer ajuda dos brancos facínoras que os académicos tanto gostam de denegrir.
Engenharia avançada.
Stéphen Rostain comentou os achados na Sexta-feira:
“O LiDAR deu-nos uma visão geral da região e pudemos apreciar realmente a dimensão dos sítios, e uma teia completa de estradas. O LiDAR foi a cereja no topo do bolo”.
Rostain disse que as primeiras pessoas que ali viveram, há 3.000 anos, tinham casas pequenas e dispersas. No entanto,as culturas Kilamope e, mais tarde, Upano começaram a construir elevações e a colocar as suas casas em plataformas de terra, de acordo com os autores do estudo. Estas plataformas seriam organizadas em torno de uma praça baixa e quadrada. Algumas cidades teriam até 10.000 habitantes.
De forma a alimentar estas populações, foi necessária também uma revolução agrícola, especialmente interessante porque os solos da floresta amazónica são pobres em nutrientes e avessos ao cultivo. A engenharia agrónoma destas civilizações conseguiu ultrapassar essas dificuldades naturais através do enriquecimento dos solos com carvão e adubos orgânicos naturais.
Os dados do LIDAR revelaram mais de 6.000 plataformas urbanas na metade sul da área estudada, com 600 quilómetros quadrados.
As plataformas eram na sua maioria rectangulares, embora algumas fossem circulares, e mediam cerca de 20 metros por 10 metros, de acordo com o estudo. Eram normalmente construídas à volta de uma praça em grupos de três ou seis. As praças também tinham frequentemente uma plataforma central.
A equipa também descobriu complexos monumentais com plataformas muito maiores, que, segundo eles, tinham provavelmente uma função cívica ou cerimonial. Foram descobertos pelo menos 15 conjuntos edificados, identificados como povoações. Algumas povoações estavam protegidas por valas, enquanto as estradas que passavam perto de alguns dos grandes complexos foram obstruídas. Este facto sugere que as povoações estavam expostas a ameaças, quer externas, quer resultantes de tensões entre grupos, segundo afirmam os investigadores.
Mesmo os complexos mais isolados estavam ligados por caminhos a uma extensa rede de estradas maiores, em linha recta e com lancis.
Nas zonas tampão vazias entre os complexos, a equipa encontrou características de cultivo da terra, tais como campos de drenagem e terraços. Estes estavam ligados a uma rede de caminhos pedonais, segundo o estudo.
A propósito destas complexas estruturas urbanas, Ronstain afirmou:
“Por essa razão, chamo a isto cidades-jardim. É uma revolução completa no nosso paradigma sobre a Amazónia. Temos de pensar que todos os povos indígenas da floresta tropical não eram tribos semi-nómadas perdidas na floresta, à procura de comida. Há uma grande diversidade de casos e alguns tinham um sistema urbanístico e uma sociedade estratificada”.
A organização geral das cidades sugere
“A existência de engenharia avançada e fornece mais uma prova de que a Amazónia não é uma floresta prístina, como tem sido retratada”.
Sítios semelhantes encontrados nas Américas.
Esta rede urbana recém-descoberta alinha-se com outros sítios encontrados nas florestas tropicais do Panamá, Guatemala, Belize, Brasil e México, segundo o arqueólogo paisagista Carlos Morales-Aguilar, pós-doutorando da Universidade do Texas em Austin, que não participou do estudo.
Morales-Aguilar classificou o trabalho da equipa liderada por Stéphen Rostain como “inovador”, afirmando:
“O estudo ornece evidências concretas de um planeamento urbano avançado e inicial na Amazónia, mas também contribui significativamente para nossa compreensão do legado cultural e ambiental das sociedades indígenas nesta região”.
Em 2022, Morales-Aguilar fez parte de uma equipa de pesquisadores que usou o LiDAR para descobrir uma vasta rede civilizacional no norte da Guatemala, com centenas de cidades, vilas e aldeias maias antigas e interconectadas, bem como uma rede de 177 quilómetros de trilhos de pedra conectando comunidades.
Segundo ele, as descobertas deste último estudo reflectem as técnicas avançadas de agricultura e planeamento urbano que observou no norte da Guatemala e
“oferecem novas perspectivas sobre as complexidades destas sociedades primitivas”.
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