Desde há alguns meses, o conceito de “ultradireita” está na moda entre os jornalistas franceses, que parecem ter encontrado um novo inimigo a abater. Um bicho-papão destinado a mobilizar um público demasiado habituado ao termo “extrema-direita”, a “ultra-direita” pode ter o efeito contrário ao pretendido: normalizar ainda mais o discurso dissidente.

Em França, o termo “extrema-direita” (extrême-droite) é tradicionalmente utilizado há décadas para designar o partido fundado por Jean-Marie Le Pen, a Frente Nacional. Durante muito tempo, a Frente Nacional foi rotulada de “extrema-direita” nas sondagens de opinião, nos programas televisivos eleitorais, na Assembleia Nacional, e representada por uma cor azul escura, por vezes tendendo para o preto. Desde o Presidente socialista François Mitterrand, existia um cordão sanitário que separava os partidos aceitáveis da “extrema-direita” – com a qual não era possível qualquer aliança nem qualquer participação política, quer a nível local quer nacional.

Mas depois da entrada de Jean-Marie Le Pen na segunda volta das eleições presidenciais de 2002 – um verdadeiro trauma para os partidos de esquerda – muita água correu debaixo da ponte. Jean-Marie Le Pen deu lugar à sua filha Marine Le Pen e, desde 2018, a Frente Nacional tornou-se o Rassemblement National – um termo que foi escolhido precisamente para ser mais mainstream e tranquilizador.

Os esforços constantes e incansáveis da presidente do Rassemblement National para tentar normalizar o agrupamento político herdado do seu pai foram parcialmente bem-sucedidos. Mesmo que as últimas eleições presidenciais tenham provado que a chegada ao poder de um Le Pen ainda não é viável, o partido já não está relegado para o exterior da esfera pública – uma evolução confirmada pela entrada, em Junho de 2022, de 88 deputados do Rassemblement National na Assembleia Nacional. A guerra entre Israel e o Hamas foi um ponto de viragem que contribuiu para branquear a reputação do Rassemblement National, agora inequivocamente no campo dos apoiantes de Israel, enquanto a extrema-esquerda continua a manter relações perigosas com a organização terrorista palestiniana.

A “desdiabolização” do Rassemblement National recebeu um impulso significativo com a chegada à direita de Éric Zemmour e do seu partido Reconquête (Reconquista), que retomou batalhas e elementos de linguagem abandonados por um Rassemblement National em busca de aceitabilidade. Expressões como Grand Remplacement (Grande Substituição) e deportação tornaram-se parte integrante da retórica dos quadros da Reconquête, enquanto o Rassemblement National está agora relutante em utilizá-las. Algumas batalhas foram abandonadas em definitivo por toda a gente do espectro político da direita, como a saída da União Europeia ou do euro ou a abolição da dupla nacionalidade.

Para os jornalistas habituados a condenar estes elementos do programa e a transformá-los em marcadores de aceitabilidade, o termo “extrema-direita” está a provar os seus limites. Até agora, serviu para estigmatizar o Rassemblement National e provocar um reflexo pavloviano de rejeição no eleitorado francês médio. Actualmente, dois partidos partilham o mesmo espaço político, e o recém-chegado é mais radical em muitas questões do que o seu antecessor. O que os dois partidos têm em comum é o facto de se recusarem a ser qualificados de “extrema-direita”. Zemmour considera – e bem – que se trata de um velho estratagema estalinista, como nos tempos em que o Comintern ordenava que todos os seus opositores fossem chamados “fascistas”, o que incluía revolucionários que não podiam ser mais de extrema-esquerda do que eram, sob o risco de rebentarem com a escala, como Trotsky ou Kamenev. Marine Le Pen também refuta vigorosamente o termo, que qualifica de “deliberadamente pejorativo”, e rejeita-o. Apesar de, actualmente, o grupo de 88 deputados estarem sentados… à extrema-direita do hemiciclo, a senhora opõe-se a que a posição geográfica do seu grupo no hemiciclo parlamentar seja transformada num juízo de valor.

Por conseguinte, no contexto da campanha presidencial de 2022, a imprensa começou a fazer perguntas. Nos meses e semanas que antecederam a votação, multiplicaram-se os artigos de perplexidade. O semanário Le Point publicou um título alguns dias antes da primeira volta das eleições: “Eleições presidenciais: Marine Le Pen é de extrema-direita?”. O L’Express descreveu a expressão “extrema-direita” como uma “pedra semântica” no sapato do Rassemblement National: um embaraço, é certo, mas residual. Peritos como o politólogo Jean-Yves Camus, especialista em movimentos extremistas, e, recentemente, o filósofo Pierre-Henri Tavoillot, estão cada vez mais de acordo em que o termo “extrema-direita” já não é apropriado para descrever o partido de Marine Le Pen.

Mas a política, tal como a natureza, abomina o vazio. À medida que o discurso oficial se foi diluindo e reconhecendo a inadequação do termo “extrema-direita” para definir o Rassemblement National e hesitando em utilizá-lo sistematicamente para a Reconquête, foi surgindo um novo termo: “ultra-direita”. É agora utilizado para denunciar pequenos grupos e personalidades cujas declarações são consideradas excessivas e que actuam fora das fileiras do partido historicamente identificado como “extrema-direita”. O rótulo destina-se a inspirar medo, a remeter para “as horas mais negras da história” e só deve ser usado com receio. Mas a verdade é que esta “ultra-direita”é uma pura construção fantasista: aqueles que designa pertencem a movimentos cuja existência não é nova, mesmo que alguns grupos tenham mudado de nome, desaparecido ou se tenham reformado.

Yves Deloye, director do Institut d’Etudes Politiques de Bordéus, reconhece que a generalização do termo é recente, mas nega que se trate de uma moda, explicando que é utilizado há muito tempo na literatura americana. Para ele, trata-se de um efeito da “direitização da sociedade”. Ludovic Renard, investigador do seu instituto, faz uma distinção subtil:

“A extrema-direita refere-se a uma ideologia e aos grupos políticos que apoiam essa ideologia. A ultra-direita refere-se aos meios utilizados, razão pela qual a polícia descreve grupos violentos e xenófobos como sendo de ultra-direita.”

De certa forma, a “extrema-direita” é a forma oficial da ideologia desprezada e a “ultra-direita” é o seu braço armado. Mas as representações associadas às duas expressões não são as mesmas. De tanto ser usado, o termo “extrema-direita” tornou-se banal, enquanto a expressão “ultra-direita” continua a cheirar a inferno e a ideais moralmente interditos.

O aumento da utilização jornalística do termo “ultra-direita” acaba por produzir um efeito que os comentadores da actualidade política provavelmente não tinham identificado à partida. Ao construírem um novo repelente a partir do zero, estão a dar definitivamente crédito à tese de que o Rassemblement National foi normalizado e se tornou aceitável, ou mesmo que é possível votar neste partido – algo que dizem querer evitar a todo o custo.

Ao visar um inimigo aparentemente novo, podem também dar-se ao luxo de intensificar a repressão desta tendência, porque a acusação redundante de “extremismo de extrema-direita”, agora amplamente percebida como uma manobra banal da corrente dominante, já não é suficiente para a justificar aos olhos da maioria em França.

Desde que a “ultra-direita” passou para as colunas dos jornais e para os ecrãs de televisão, intensificou-se a repressão por parte das autoridades de estruturas tão variadas como a Génération Identitaire, a venerável Action Française e o Institut Iliade, como o demonstram as proibições arbitrárias e repetidas de reuniões e manifestações que tiveram lugar nos últimos meses. Há alguns dias, uma manifestação em Paris em homenagem a Thomas, vítima da tragédia da Crépol, foi proibida por estar ligada à chamada ultra-direita – antes de o tribunal administrativo de Paris, considerando que a decisão era ilegal, acabar por autorizá-la novamente à última hora. A imprensa dominante passou então a seguir de perto a manifestação, numa tentativa de detectar as marcas de infâmia ligadas a essa fantasiada “ultra-direita”. Infelizmente para os investigadores da polícia do pensamento, não foi possível identificar nada de repreensível e a manifestação não causou problemas.

Vários influenciadores de direita, rindo deste exagero semântico, afirmam agora pertencer à “giga-direita”.

 

 

Entretanto, os radicais islamitas andam nas ruas de Paris a matar inocentes. O super-elitista Macron pondera transformar a república francesa numa monarquia. Os extremistas do apocalipse climático voam de jacto privado, para disseminar o medo por todo o mundo. Os ultra-globalistas de Davos têm rédea livre para empobrecer milhões e violar velhos valores constitucionais. E os mega-fascistas de Washington utilizam impunemente o sistema judicial americano para combaterem os seus opositores políticos.

Entretanto, aqueles que defendem que as nações devem ter fronteiras funcionais, que os homens não podem engravidar, que as crianças não devem ser doutrinadas com pornografia homossexual (ou qualquer outra, na verdade), que a liberdade individual é um direito natural, que o estado não deve abusar dos seus poderes de forma a transformar os cidadãos em gado, que o mérito deve ser socialmente premiado, que os políticos devem representar os interesses e a vontade dos eleitores, que as potências ocidentais não devem interferir em conflitos regionais, que a ciência não deve fazer política e que a política não deve ser misturada com o desporto e o entretenimento e que a história não deve ser rescrita em função de espúrios modismos do presente e que a arte deve perseguir o belo e que a cultura não deve ser cancelada por uma turba de retardados que não saberiam por onde começar perante o abismo da Capela Sistina, esses, que clamam pela sanidade, é que são radicais e extremistas e negacionistas e párias mega-ultra-giga fascistas.

Até apetece dizer um palavrão.