O último quebra-cabeças do Telescópio Espacial James Webb? A “galáxia Schrodinger”.

A CEERS-1749 galáxia está tão longe e é tão antiga que poderá mesmo quebrar os modelos da cosmologia referentes ao Universo primitivo. Mas isso não explica o cognome.

O Gato de Schrödinger é uma experiência mental, frequentemente descrita como um paradoxo, desenvolvida pelo físico austríaco Erwin Schrödinger, em 1935. A experiência procurava desmontar a interpretação de Copenhaga da mecânica quântica, imaginando-a aplicada a objectos do dia a dia. Na experiência, há um gato encerrado numa caixa, que pode estar vivo, pode estar morto, ou numa sobreposição desses dois estados, em função do decaimento aleatório de um isótopo radioactivo que libertará ou não uma substância fatal para o gato.

É esta ubiquidade existencial de Schrödinger que dá o nome à estranha galáxia. Porquê? Vamos por partes.

Os astrónomos, munidos dos primeiros dados obtidos pelo Telescópio Espacial James Webb, estão a procurar, e a encontrar, galáxias que existiram apenas algumas centenas de milhões de anos após o Big Bang e que colocam em causa a assertividade do modelo standard da cosmologia.

A equipa de Rohan Naidu, um astrofísico que trabalha no Centro de Astrofísica de Harvard e no Centro de Astrofísica do Smithsonian, tem sido particularmente efectiva a descobrir estas enigmáticas relíquias cósmicas.

Poucos dias depois de as primeiras imagens do James Webb terem sido enviadas para a Terra, em Julho de 2022, Naidu e os seus colaboradores publicaram um artigo que deixou a Internet em polvorosa. Utilizando dados do telescópio, os investigadores anunciaram que tinham descoberto uma candidata à galáxia mais distante alguma vez vista, designada por GLASS-z13. Uma semana depois, vários grupos descobriram galáxias candidatas cada vez mais distantes.

Não é, pois, surpreendente que tenhamos mais uma candidata ao venerando título.

Num artigo pré-impresso, publicado a 5 de Agosto de 2022, Naidu e os seus colaboradores descrevem em pormenor outra galáxia distante conhecida como CEERS-1749. É uma galáxia extremamente brilhante que terá existido apenas 220 milhões de anos após o Big Bang – e que poderá também reescrever a nossa compreensão do cosmos.

O problema é que a CEERS-1749 pode ser uma das galáxias mais distantes que alguma vez vimos… Ou pode estar muito mais próximo da Via Láctea. Essencialmente, os dados parecem indicar dois locais possíveis para a galáxia – e não saberemos qual deles está correcto sem mais observações, se é que alguma vez nos será possível ter uma certeza sobre a sua geografia – e a sua idade. E foi isso que lhe valeu o título de “galáxia Schrodinger”.

 

 

Mas como é que uma galáxia como a Schrodinger parece estar em dois sítios diferentes no tecido do espaço-tempo? Tem tudo a ver com o desvio para o vermelho.

Para determinar a distância a que se encontra uma galáxia, os astrónomos estudam os comprimentos de onda da luz. Especificamente, estão interessados num fenómeno da luz conhecido como desvio para o vermelho. Resumindo, as ondas de luz que saem de galáxias distantes são esticadas ao longo do tempo, deslocando-se para baixo no espectro eletromagnético e tornando-se mais avermelhadas. Assim, a luz ultravioleta que sai de uma galáxia como a de Schrodinger não chega à Terra como luz ultravioleta. Em vez disso, será desviada para o infravermelho, o que nos permite calcular a sua distância e idade.

O Telescópio Espacial James Webb tem vários filtros, que procuram comprimentos de onda distintos no infravermelho. Ao examinar uma galáxia como a de Schrodinger, podemos folhear os comprimentos de onda como se estivéssemos a folhear um álbum de fotografias. Nas primeiras páginas – menos comprimentos de onda vermelhos – não se vê nada. Depois, à medida que se vai folheando e os comprimentos de onda se tornam mais vermelhos, aparece o fantasma de uma galáxia. Nos comprimentos de onda mais deslocados para o vermelho, nas últimas páginas do álbum, a galáxia é um objecto claramente definido.

O desvio para o vermelho é indicado pelo parâmetro z e valores z mais elevados significam um objecto mais distante. Uma das galáxias confirmadamente mais distantes descobertas até à data, a GN-z11, tem um valor z de 11,09. No caso da Schrodinger, a equipa de investigação afirma que poderá ter um valor z de cerca de 17. Isso significaria que esta luz é de um tempo que remonta a cerca de 13,6 mil milhões de anos atrás.

Isto significaria também que poderíamos ter de repensar os nossos modelos de como as galáxias evoluíram nos primórdios do Universo – as galáxias assim antigas (ou assim recentes, se invertermos a pespectiva e nos deslocarmos para os tempos primordiais do cosmos) não deveriam ser tão brilhantes, pelo menos de acordo com o modelo que actualmente usamos para explicar a génese do universo.

Porém, o paper da equipa liderada por Rohan Naidu não descarta a possibilidade de que o valor z de Schrodinger possa ser cerca de 5, o que significaria que a sua luz tem cerca de 12,5 mil milhões de anos, uma faixa etária menos radical, que salva o modelo standard da morte súbita. Isto porque as outras galáxias em redor de Schrodinger encontram-se todas a essa distância. Pode até acontecer que a Schrodinger seja uma galáxia satélite de uma das suas vizinhas mais massivas.

Mas há mais. Um outro grupo de investigadores também estudou exactamente esta mesma galáxia a partir dos primeiros dados divulgados, publicando os seus próprios resultados no mesmo site arXiv e precisamente no mesmo dia. Jorge Zavala, um astrofísico do ALMA Japão, e a sua equipa adicionaram aos dados do Webb outros dados de telescópios terrestres nos Alpes franceses e no Havai, para levantar a hipótese de que a Schrodinger pode ser uma galáxia impostora, mascarada de galáxia de alto desfasamento, quando na realidade é uma nebulosa poeirenta muito mais próxima, em rápida formação estelar.

 

 

E que conclusão retirar afinal desta história? Para já, que o conhecimento sobre esta desconcertante galáxia está incompleto. O James Webb foi capaz de estudar a intensidade da luz emitida pela Schrodinger, mas precisamos de mais medições. Em particular, a espectroscopia permitirá aos astrofísicos analisar o seu desvio para o vermelho com maior exactidão. A única barreira agora é a disponibilidade dos telescópios para essas observações, já que não é fácil conseguir tempo suficiente nos telescópios de todo o mundo, e especialmente no James Webb, para estudar a Schrodinger e resolver o puzzle.

E depois: há que reconhecer que a astrofísica está ainda e na verdade na sua infância e que o labor humano que procura desvendar os segredos do universo, se bem que digno de todos os louvoures, deve ser precedido de humildade e do reconhecimento das suas limitações. Uma lição que os académicos têm dificuldade em aprender.