“O que fazemos em vida, ecoa na eternidade.”
Marco Aurélio
Todo o cristão já teve que aturar um ateu que lhe pergunta, com aquela sobranceria própria dos ateus que pensam que sabem tudo só porque são incapazes de conceber que existe seja o que for que transcenda a sua pequena experiência do mundo material:
Se Deus existe e é omnipotente e é a substância definitiva do bem absoluto, e se o Homem foi criado por Deus, porque raio permite Ele que o mal grasse no mundo?
A pergunta nem sequer é pertinente, na verdade. Se o Homem fosse capaz apenas do bem, não era um homem, era um autómato. O mal existe como consequência inerente a um dos mais sagrados privilégios da condição humana: o livre arbítrio. É a liberdade de pensar isto ou aquilo, de agir assim ou assado, que nos garante o estatuto de animais conscientes e morais e, no reverso da medalha, que nos leva também ao erro e à queda. Mas sem essa possibilidade, que seria de nós? Estaríamos limitados a cumprir um igual destino, a comungar das mesmas ideias, aprisionados num estrito leque de acções, estáticos sobre a existência como um brinquedo de corda.
A perfeição da criação divina está precisamente no facto de permitir a disfunção e – ainda assim – explodir de beleza e equilíbrio e funcionalidade. Como o cosmos vence, a cada momento do seu maravilhoso desenrolar, a entropia; a força moral do homem, um dom inato em todo o Sapiens, tem vencido, historicamente, a possibilidade apocalítica. Sim, há sodomas e gomorras e há guernicas e hiroshimas e há treblinkas e há horrores de toda a espécie na vala comum da história. Mas quantos biliões de seres humanos se amaram, se acarinharam, se sacrificaram uns pelos outros, uns pelo futuro de outros, até, num altruísmo transcendente que nenhum darwinista poderá alguma vez explicar? Quantas gerações sobre gerações de paixão e triunfo, de aventuras e glórias, de batalhas vencidas sobre os males do mundo? Quantas quintas sinfonias, quantas odes à alegria, quantas noites de Natal no calor da família e no abraço de Cristo, quantos milagres, quantas benfeitorias, quantas manifestações de generosidade, quantos actos transcendentes, quantos rasgos de génio preenchem cada minuto da rotação harmoniosa do planeta Terra?
Não será a paz, apesar de tudo, a regra? E que seria dessa benção, na incapacidade de fazer a guerra?
Não permanece magnífico o firmamento? Mas que magnificência exibiria, sem a ameaça do caos?
Não caro ateu, o teu argumento não colhe. Nem tu por certo desejarias ser vivo como um zombie programado apenas para acções beneméritas, sempre generoso e tolerante, invariavelmente solidário e piedoso; disposições que, de qualquer forma, sem o seu oposto perderiam até todo o significado. É precisamente pela presença do mal na existência que te é dada a hipótese de praticares o bem, percebes?
E contemplemos uma qualquer obra-prima do legado artístico humano. Seria, sem a possibilidade da corrupção, da iniquidade, da inveja, da crueldade, assim prima?
Vem esta conversa a propósito do momento histórico que atravessamos agora, e que, devemos reconhecê-lo, não vai ficar para a posteridade como uma bela época. Muito pelo contrário. A presença do mal absoluto é avassaladora. É quase asfixiante. E dá a sensação até, que estamos a perder a batalha pela dignidade humana, contra forças formidáveis que ocuparam, por nossa exclusiva culpa, por nosso irresponsável desleixo, as cúpulas do poder nas sociedades, a nível global.
Somos liderados por elites que nos desprezam, fascizados por políticos que elegemos, humilhados por burocratas, alienados por tecnocratas, espoliados por banqueiros de quem somos reféns, roubados por cobradores de impostos que actuam em nome do bem comum, conduzidos ao inferno por clérigos apóstatas, entretidos por indústrias profundamente corruptas e, dir-se-ia, satânicas. Confiamos os nossos filhos aos cuidados de serviços públicos que não têm como prioridade a saúde física e psíquica das crianças, nem o seu enriquecimento cognitivo nem a salvaguarda do seu futuro como membros construtivos e funcionais da sociedade. Deixámos cair conceitos historicamente caros como a língua, a nacionalidade, a identidade cultural, a ideia constitucional de estado de direito, a liberdade individual e de expressão, a propriedade do eu, a legítima defesa e a desobediência civil.
Somos ostracizados por rejeitar terapias genéticas de baixa indústria farmacêutica, condenados por afirmar realidades biológicas auto-evidentes, castigados por dizer o que nos vai na alma, ridicularizados por professar a fé cristã, empurrados para os extremos porque consideramos abominável a sexualização de infantes ou porque nos recusamos a obedecer a mandatos autoritários e insensatos, postulados sobre falsos pressupostos, axiomas pseudo-científicos e massivas doses de medo.
Mas… E se tudo isto fizer sentido? E se os tempos ensandecidos e perigosos e deprimentes que vivemos agora, forem muito simplesmente parte de um caminho para a redenção? Não há salvação sem pecado, bem entendido, e o recuo civilizacional a que assistimos agora pode levar a avanços no futuro, porque só confrontados com o mal absoluto ficamos sequiosos daquele néctar de que fala Jesus, no Evangelho de João, quando encontra a Samaritana na Fonte de Jacob: A água viva que jorra para a vida eterna.
Sim, e se estes males vierem por bem? E se o anti-papa que agora calça as sandálias do pescador, servir, pela sua evidente e aberrante ignomínia, o desígnio de redimir a Igreja da sua constante e já decrépita corrupção? E se Francisco e a sua praxis herética conduzir enfim a um novo entendimento daquilo que deve ser a igreja que Cristo erigiu sobre a fortitude de Predro? E se a decadência abominável que corroí o coração dos Estados Unidos da América contribuir para o fim de um império que rapidamente se transformou num força do mal sobre todo o planeta? E se as horas do conto interpretadas por transexuais de nádegas desnudadas forem precisamente o que é necessário para restaurar a decência e a sanidade no Ocidente? E se as abominações estéticas que passam por arte no Século XXI funcionarem lindamente – e por antítese – como paradigma para um renascimento da expressão plástica dos génios do Século XXII? E se a falência da ciência contemporânea abrir um caminho luminoso para novas formas de perseguir a verdade sobre o cosmos? E se os extremos ensandecidos da ideologia de género e do condicionamento woke levarem ao triunfo da sensatez e da razão?
Podemos, sem dúvida, não viver o suficiente para testemunhar todos estes processos, todas as revoluções que precisam de acontecer para escaparmos a um destino nefasto. Mas, como nas trincheiras de incontáveis guerras morreram incontáveis soldados por um ideal que sobrou para os seus filhos e netos e descendentes infindos na grande e frutífera árvore da existência humana, também nos cabe agir com abnegação, não em nome dos nossos interesses imediatos, mas na subscrição de valores que protejam o justo devir da humanidade.
Porque é isso que se joga agora. O futuro da espécie humana. E 2024 vai ser uma etapa determinante, nesse labor aureliano que ecoa pela eternidade a dentro.
Assim sendo, mais que um feliz ano novo, o Contra deseja aos seus prezadíssimos leitores que o próximo ciclo solar seja repleto de esforços que espelhem os valores morais em que acreditam. E que os desenvolvam com a volição altruísta que define a fé cristã.
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