Ofélia, aos 8 meses . Foto de Susana Baptista

 

Não sei se são filhos, irmãos, primos, sobrinhos ou amigos, mas sei que são família.

Não sei se têm alma, consciência, identidade. Sei que não precisam de redenção porque neles não reside o pecado. Sei que são parte da gloriosa criação de Deus.

Não sei se sou eu que sou dono deles ou eles que são donos de mim, e isso, sinceramente, nem sequer me interessa.

São protagonistas no enredo da minha vida. Fazem parte dela como o oxigénio. Mal consigo respirar sem eles. Mal consigo subsistir sem a sua inocência. Mal consigo sobreviver sem a sua lealdade.

Desde que me lembro de mim, lembro-me deles. Vivi com cágados, gansos, bichos da seda, gatos, cães, piriquitos, pardais, e toda a restante espécie de animais inteligentes nunca me pareceram assim inteligentes como o Lord Jim, o Bugsy, o Bilén, a Duquesa, o Maltês, o Tomás, o Xico, o Óscar, a Kika, o Gandalf, o Álvaro e a Ofélia, entre as dezenas de bichos que deram completude à minha incompleta existência.

 

Álvaro e Ofélia, na intimidade

 

Alguns eram beras como as pessoas são beras. Outros, boas pessoas como as pessoas não são. Fui atacado pelo felino birmanês, que amava; fui alegremente intimidado pelo ganso selvagem que a certa altura foi tirano em minha casa; fui desafiado por um indomável Fox Terrier, que do alto dos seus 40 centímetros de envergadura, era maior que a própria vida. Fui baby sitter de uma boxer que rebentava de ser tão linda; fui apaixonado por uma certa rapariga de quatro patas que sabia o que eu estava a pensar antes que eu tivesse disso consciência; fui ensinado por rafeiros, fui namorado por gatos de telhado, fui amado por cães cegos e surdos, fui feito humilde por podengos; fui acarinhado por uma pequena tartaruga, que me perseguia pela casa como nenhuma mulher correu atrás de mim; fui acompanhado por pássaros.

Fui levado à rua e passeado por um rapaz ruivo, que era mais esperto do que eu. Fui adoptado por um velho mago, a quem prometi o amor que nunca lhe tinha sido dado.

Sei da vida o suficiente para dizer isto: uma das maiores invenções da história da humanidade foi a dos animais de estimação.

 

Álvaro, meu amor de gato . Foto de Susana Baptista

 

Posso sempre contar com o carinho de um cão. Com uma traquinice de um gato. Posso sempre expectar que vou chegar a casa e fazer alguém feliz pelo simples facto de ter chegado a casa. Posso sempre beijar a minha cadela, abraçá-la, rebolar-me com ela, confessar-lhe afectos e prometer-lhe que é o mais belo cão alguma vez criado porque ela vai concordar comigo, sempre: vai devolver-me os beijos, enrolar-se feliz nos meus abraços, rebolar-se nas minha voltas, consolar-se com os meus carinhos, confessar-me os mesmos afectos e prometer-me as mesmas mentiras.

 

Dois podengos, em lua de mel

 

Posso sempre contar com o grato ronronar do meu gato, quando acorda e exige a atenção que não lhe nego. Posso sempre esperar uma pequena dentada, caso esteja por demais alienado e não repare na necessidade que ele tem de ser estimado, por breves, mas importantíssimos momentos. Essa dentada é uma carícia. Um despertar para aquilo que é realmente valioso no meu quotidiano de banalidades desbaratadas.

 

Óscar, o irredutível Terrier

 

Uma das vaidades que trago pela vida, senão a única, é a certeza de que os animais com quem partilho a existência são felizes. São amados. São respeitados. Andam comigo na rua sem trela (e a lei da república que se lixe), vivem de gaiola aberta, dormem comigo na cama, partilham do conforto do sofá, usam no Inverno as mesmas mantas que me aquecem, usufruem do conforto que serve para mim e dos mesmo critérios éticos que utilizo para comigo e com toda a gente.

Mas o que é mais, e ao contrário do que posso dizer sobre a larga maiorias dos bichos humanos: merecem completamente essa dedicada paixão.

E libertam em mim, o que de melhor em mim foi depositado.