Adoração dos Pastores . Christian Wilhelm Ernst Dietrich . 1760 . Wikimedia Commons

 

 

O meu rabi caminha sobre a água.
E com as sandálias do pescador, levantou catedrais.

O meu mestre tem o dom da palavra.
Com o verbo criou o universo, com o diálogo recrutou os discípulos
e com o sermão ensinou as multidões.

O meu imã não deixa acabar o vinho
e enquanto mudava o mundo, não faltou a casamentos e baptizados.

O meu messias preferia a companhia dos destituídos, dos condenados, dos desgraçados,
dos esquecidos, dos esfomeados, dos enfermos, dos possessos.
Com eles era loquaz e gentil.
E quando se viu obrigado, pela força dos poderes instituídos ou pelo dever da sua missão,
ao convívio com sacerdotes, burocratas, governadores, monarcas, magnatas e outros elitistas,
foi reservado ou temperamental.

O meu buda é o cirurgião do amor.
Com um carinho, devolveu a vista aos cegos. Com um abraço, curou paralíticos.
Aos inimigos, ofereceu a benevolência.
Aos agressores, deu a face.
Aos infiéis, prometeu a salvação.
Dos traidores, recebeu beijos.

O meu profeta tem mais poder que os magnatas de Wall Street.
Porque renunciou ao ouro de César.
Porque foi o pior pesadelo dos vendilhões do Templo.
Porque reconheceu e denunciou a ganância dos fariseus.

O meu general é um pacifista.
Fez uma revolução sem baixas, fundou um credo sem guerras;
foi um soldado imaterial: não precisou de armaduras, não fez uso de catapultas
e nada sabia de armas de fogo.

O meu guru transforma cobradores de impostos em evangelistas, prostitutas em santas,
centuriões em homens de paz, cépticos em crentes e, na estrada de Damasco,
fez de Saulo, o cacique de Tarso, Paulo, o apóstolo peregrino.

O meu reverendo multiplica pães e peixes para aplacar a fome de quem o segue,
e bebe a água da samaritana para saciar nos homens de boa vontade,
a sede que têm de concórdia.

O meu dalai lama deu o corpo ao manifesto.
Subiu, voluntário, ao pior suplício do império romano para redenção dos nossos erros.

O meu líder não faz política, porque só sabe dizer a verdade.

O meu sumo pontífice nunca distinguiu ninguém por raça, etnia, sexo, idade.
Não perseguiu a dissidência, não conheceu o luxo.
E ainda que submetido ao escárnio de Herodes, à iniquidade de Caifás e ao xicote de Pilatos,
não traiu o seu ministério, nem renegou o seu pai.

O meu herói é um romântico, que se perdeu de paixão pela humanidade.

O meu rei nasceu num estábulo.
E da gruta onde foi sepultado ressuscitou para a glória dos céus e a fé dos homens.

É eterno no meu coração perecível.