“Não Matem a Cotovia”, de Harper Lee, na versão cinematográfica de Robert Mullingan, com Gregory Peck como protagonista.

 

 

O Washington Post noticiou que professores “progressistas” do estado de Washington estão a tentar fazer com que “To Kill a Mockingbird” (Não Matem a Cotovia), o clássico da literatura americana da autoria de Harper Lee, seja banido das escolas para “proteger os alunos”.

A reportagem refere que os professores do Distrito Escolar de Mukilteo estão convencidos de que o romance, publicado em 1960, está “desactualizado e é prejudicial”.

A ironia é que a narrativa, passada no sul profundo durante a Grande Depressão, aborda fundamentalmente os temas da injustiça racial e da discriminação de género. Na verdade, para alguma coisa escrita nos interstícios do século XX, nem podia ser mais woke (apesar de se tratar sem dúvida de uma obra prima da prosa em língua inglesa). E embora tenha sido galardoado com o Prémio Pulitzer de ficção em 1961 e eleito o melhor livro dos últimos 125 anos pelos leitores do New York Times em 2021, há muito que é criticado pela utilização de insultos raciais por parte das personagens, com os críticos a sugerirem também que o romance se baseia excessivamente em estereótipos.

Aparentemente alheados da ironia – e do valor intrínseco da obra – os censores do Washington Post observam que

“Os alunos compartilharam o seu desconforto com a forma como o romance de 1960 sobre injustiça racial retrata os negros”.

E acrescentam, pressurosamente:

“Um adolescente negro disse que o livro o representava mal e a outros afro-americanos. Outro reclamou que o romance não a comoveu, porque não foi escrito sobre ela – ou para ela.”

Aparentemente, a literatura agora tem que ser escrita para o leitor e sobre o leitor. E um livro escrito há 60 anos tem que reflectir a realidade ontológica do adolescente de agora. Ou seja, Harper Lee devia ter escrito um romance de ficção científica. Espantoso.

 

 

O Wapo reporta que outro aluno

“falou sobre o facto de um adolescente branco ter dito a palavra “n” em voz alta enquanto lia o livro, desobedecendo às instruções do professor para saltar o insulto”.

A ideia de que um professor dá instruções para que certos termos inclusos em obras primas da literatura não sejam pronunciados já é completamente abominável, mas a insinuação de que o adolescente branco é um racista maluco, porque leu as palavras que estão no livro, também é recordista.

Dadas as dores terríveis dos alunos, os professores apresentaram uma moção contestando o lugar do romance na lista de livros aprovados para o ensino público no estado de Washington, e conseguiram que fosse retirado das aulas do nono ano. Escrevem os docentes:

“Não Matem a Cotovia centra-se na brancura, apresenta uma barreira à compreensão e celebração de um autêntico ponto de vista negro na literatura da era dos Direitos Civis e deve ser retirado”.

Estes são os mesmos professores que acham por bem disponibilizar pornografia LGBTQ nas bibliotecas das escolas. São os mesmos professores que ensinam aos alunos que os homens podem engravidar e que as mulheres têm pénis. São os mesmos professores que organizam actividades nas escolas que excluem crianças brancas. São uma boa parte dos professores que leccionam nas escolas de língua inglesa dos tempos que correm ensandecidos.

Na web, não faltou quem comentasse a deriva ideológica que interdita o que é melhor na cultura americana e promove o que ela tem de mais obsceno. Porque quando a arte é prejudicial para as crianças, mas a pornografia não, chegamos ao ponto de não retorno da civilização.