O funcionário responsável por um esforço secreto do Pentágono para investigar incursões aéreas inexplicáveis é co-autor de um artigo académico que apresenta uma teoria que é no mínimo rebuscada: Os objectos não identificados que vemos nos céus da Terra a desafiar as leis da física podem ser sondas alienígenas de uma nave-mãe enviada para estudar o nosso planeta.
Sean Kirkpatrick, chefe do Gabinete de Resolução de Anomalias em Todos os Domínios do Pentágono (AARO), e o professor de Harvard Avi Loeb juntaram-se para propor esta tese. Quanto a provas que a justifiquem – expectáveis por já que são respeitados académicos que deviam colocar os factos à frente da criatividade ficcional – nada.
É verdade que, como o ContraCultura já documentou, uma ferramenta de inteligência artificial altamente classificada e sofisticada do National Reconnaissance Office detectou em 2021 um pequeno objecto em forma de “tic tac” que “não correspondia à assinatura visual de detecções típicas de aeronaves” e que esse objecto parecia estar a ser comandado por uma nave mãe, que também foi detectada pelo sistema. Mas esta nave encontrava-se também na atmosfera terrestre e o paper de Loeb e Kirkpatrick não menciona este evento.
É invulgar que funcionários governamentais, especialmente os que estão envolvidos no esforço de recolha de informações sobre OVNIS, discutam a possibilidade de vida extraterrestre, embora nos últimos anos os altos quadros do Pentágono tenham começado a revelar uma estranha e suspeita tendência para não excluir essa hipótese quando questionados sobre ela.
Depois de Loeb ter colocado o paper online, o documento ganhou notoriedade através de um post no Military Times que circulou entre os meios de comunicação social com enfoque científico.
Mais de metade do documento de cinco páginas é dedicado a discutir a possibilidade dos objectos inexplicáveis que o Pentágono está a estudar poderem ser “sondas” de uma nave-mãe, incluindo a maior parte da página de introdução. Uma secção é intitulada: “A Possibilidade Extraterrestre” e outra “Métodos de Propulsão”.
O envolvimento de Kirkpatrick no trabalho académico demonstra que o Pentágono está aberto ao debate científico sobre as origens dos OVNIs, um sinal importante para o mundo académico, segundo afirmam os especialistas. Mas a decisão de associar o seu nome a uma teoria que não apresenta em sua defesa quaisquer factos também levanta questões sobre a credibilidade da AARO.
O paper argumenta, sem fornecerr qualquer evidência, que objectos interestelares como o “Oumuamua“, que cientistas avistaram a cruzar o sistema solar em 2017,
“podem potencialmente ser naves-mães que libertam pequenas sondas em grande número durante a sua passagem próxima da Terra”.
O texto compara as sondas a “sementes de dente-de-leão” que poderiam ser separadas da nave-mãe pela força gravitacional do sol e examina a física de como as naves mais pequenas se poderiam mover através da atmosfera da Terra.
O artigo refere que as “sondas” poderiam usar a luz solar para “carregar as suas baterias” e a água da Terra como combustível. Também especula sobre o motivo que levaria os extraterrestres a enviar sondas exploratórias para a Terra.
“Qual seria o objectivo global da viagem? Em analogia com as verdadeiras sementes de dente-de-leão, as sondas poderiam propagar o projecto dos seus remetentes. Tal como acontece com as sementes biológicas, as matérias-primas da superfície do planeta também poderiam ser utilizadas como nutrientes para a auto-replicação ou simplesmente para a exploração científica.”
Os autores reconhecem que não têm a certeza de que existam naves extraterrestres em funcionamento perto da Terra. Mas o Projecto Galileu, o esforço académico de Loeb financiado por fundos privados para procurar OVNIs, tenciona investigar esta possibilidade.
A equipa AARO do Pentágono foi criada no ano passado para substituir um grupo de trabalho do Gabinete de Inteligência Naval que anteriormente investigava os OVNIs e servir de ponto focal para a investigação, a nível governamental, de centenas de relatos de “fenómenos aéreos não identificados”, incluindo muitos que parecem efectuar manobras que traduzem capacidades tecnológicas que estão muito à frente das actuais possibilidades da engenharia humana.
Kirkpatrick é um respeitado profissional da ciência e dos serviços secretos, com mais de duas décadas de experiência no sector. Ocupou cargos de topo no Departamento de Defesa, no Comando Espacial dos EUA, no Conselho de Segurança Nacional e em todas as agências de informação, tendo ganho vários prémios pelo seu trabalho. Antes do seu cargo actual, a sua missão mais recente foi a de cientista-chefe no centro de informações espaciais e de mísseis do DIA, uma agência de inteligência militar do Departamento de Defesa americano.
Mas os especialistas afirmam que a sua ligação ao paper tem o potencial de minar a credibilidade do gabinete. Alejandro Rojas, membro da Coligação Científica para Estudos UAP, um think tank que explora fenómenos aéreos não identificados e chefe de pesquisa da Enigma Labs, uma start-up que usa tecnologias de inteligência artificial e machine learning para investigar dados de OVNIs, afirmou:
“É uma linha frágil porque há que ‘estar aberto a ideias especulativas’ como esta, mas o paper pode ser traduzido num apoio real a essa possibilidade, e acho que é aí que é necessária maior clareza. Parece que o departamento de Defesa está a apoiar algumas ideias realmente loucas que, até agora, eram consideradas sem fundamento”.
O Departamento de Defesa não respondeu a repetidos pedidos de comentários sobre a publicação do documento.
Segundo o próprio Kirkpatrick, o artigo surgiu depois de ele ter contactado Loeb no outono passado, dizendo que ia estar na zona de Boston e que queria encontrar-se com o académico Durante o encontro, Kirkpatrick instou o professor a escrever um artigo sobre o fenómeno, mas os dois só acabaram por colaborar no início deste ano.
Loeb, um professor de Harvard que foi presidente do Departamento de Astronomia da universidade durante quase uma década, foi notícia nos últimos anos por sugerir que Oumuamua era de facto uma nave espacial extraterrestre. Loeb foi presidente do departamento até 2020 e actualmente dirige uma série de iniciativas, incluindo o Projecto Galileo, e faz parte de vários conselhos e direcções, incluindo o Conselho de Conselheiros Presidenciais para a Ciência e Tecnologia da Casa Branca.
Loeb reconheceu que não há provas para apoiar a noção de que as aeronaves desconhecidas são sondas alienígenas, sublinhando que não tem acesso a informações confidenciais e que o Projecto Galileo não recebe financiamento do Departamento de Defesa.
Mas disse que o facto de Kirkpatrick o ter procurado “do nada” sugere que
“Há algo lá fora que eles não compreendem e os cientistas podem potencialmente ajudar. É perfeitamente legítimo, quando enfrentamos o desconhecido, considerarmos o que a nossa imaginação nos permite considerar e, depois, obter dados que o excluam ou o incluam”.
Hum… Isto é virar o método científico ao contrário.
O documento centra-se nos objectos que o Pentágono está a estudar. Intitula-se “Physical Constraints on Unidentified Aerial Phenomena” (Restrições Físicas a Fenómenos Aéreos Não Identificados) e refere a afiliação de Kirkpatrick ao Pentágono no título. O sumário afirma que os objectos parecem desafiar as leis da física e que, à velocidade a que se deslocam, deviam transformar-se rapidamente em “bolas de fogo”. Este facto e a ausência de outras “assinaturas” típicas implica “medições imprecisas de distâncias e de velocidades”.
David Jewitt, professor de astronomia na Universidade da Califórnia em Los Angeles, disse que algumas das afirmações do artigo, que não foi revisto por pares, são “altamente questionáveis”, considerando “estranho” o facto de Kirkpatrick ser co-autor do documento. Referindo que, em 1948, um piloto da Força Aérea se despenhou enquanto perseguia um OVNI que afinal era não mais que a luz de Vénus, Jewitt não mediu palavras:
“A Força Aérea é muito boa a bombardear coisas, mas no que diz respeito à sua investigação sobre OVNIs, penso que confiaria neles o menos possível. Não é claro que a Força Aérea e as instituições militares sejam as mais adequadas para o estudo de extraterrestres”.
Outros, no entanto, argumentaram que o Departamento de Defesa deve explorar todas as possibilidades, por mais rebuscadas que pareçam.
Numa declaração a este propósito, a Senadora Kirsten Gillibrand (D-N.Y.), que é uma das figuras de proa da investigação sobre OVNIS no Congresso americano, observou que os co-autores são ambos altamente respeitados nos seus campos: Kirkpatrick é um perito em “inteligência científica e técnica”, enquanto Loeb é autor de centenas de artigos científicos sobre astrofísica e cosmologia. Ela disse que tem “confiança no rigor científico do seu trabalho”.
Gillibrand, que instou o Departamento de Defesa a estudar mais seriamente a questão dos OVNIs, também advertiu que estigmatizar a questão poderia limitar a compreensão do governo dos EUA sobre o assunto.
“O estigma contra a discussão deste tópico pode impedir que os militares compreendam melhor as ameaças potenciais ao nosso espaço aéreo ou os riscos de recolha dos nossos adversários. Desestigmatizar e padronizar os relatórios é essencial para caracterizar o que é detectado nosso espaço aéreo.”
Neste ponto a senadora pode ter razão. O problema é que as agências governamentais americanas deixaram de ser dignas de confiança do público, se é que alguma vez o foram nos últimos cem anos. E a hipótese de que o fenómeno OVNI esteja a ser instrumentalizado pelo Pentágono para fins de controlo da informação, manipulação da opinião pública, geração de falsas bandeiras ou insondáveis manobras geo-estratégicas não deve ser posta de lado.
Até porque, caso se verifique que a presença de tecnologia alienígena na Terra é um facto, e que essa presença nem sequer é de agora, e que era conhecida pelas instituições militares e federais, o governo americano tem muitas explicações a dar, na medida em que tem mentido ao mundo durante gerações.
Relacionados
17 Set 24
É mais que tempo de admitir que a genética não resolve por si só o mistério da vida.
A grande maioria das pessoas acredita que existem apenas duas formas alternativas de explicar as origens da vida biológica: o criacionismo ou o neodarwinismo. No seu novo livro, Philip Ball apresenta uma terceira alternativa.
16 Set 24
Cosmonautas russos encontraram bactérias na superfície exterior da Estação Espacial Internacional.
Cosmonautas russos encontraram bactérias vivas, possivelmente oriundas do espaço exterior, na superfície do segmento russo da Estação Espacial Internacional (ISS). As bactérias, que constituem uma forma de vida biológica, estão agora a ser estudadas na Terra.
13 Set 24
Estudo: Viver perto de explorações agrícolas que usem pesticidas traduz o mesmo risco de cancro que o consumo de tabaco
Um paper publicado recentemente numa revista científica revela que os indivíduos que vivem em comunidades agrícolas onde são pulverizados pesticidas enfrentam um risco de cancro comparável ao dos fumadores.
11 Set 24
A NASA não existe.
Quem tem na ideia que a missão da NASA é a de contratar os melhores engenheiros para construírem belas e gloriosas naves espaciais e treinar os melhores astronautas para as pilotarem rumo ao infinito, tem uma ideia errada. Completamente errada.
9 Set 24
Cientistas japoneses: Risco de insuficiência cardíaca é 4900% superior em receptores da vacina mRNA Covid-19.
Um paper da autoria de reputados cientistas farmacêuticos do Japão reforçou a tese, fundamentada já por montanhas de outros estudos, de que as vacinas contra a Covid-19 aumentam brutalmente o risco de insuficiência cardíaca.
5 Set 24
Alexa, a ‘assistente virtual’ da Amazon, recusa-se a dar razões para votar em Trump, mas não se importa de recomendar Kamala.
A 'assistente virtual' Alexa parece ter um preconceito ideológico bastante marcado, apresentando razões para votar em Kamala Harris, mas recusando enumerar motivos para votar em Donald Trump. Não é surpresa, considerando que se trata de um sistema da Amazon.