Um artigo recente do New York Times utiliza um paper publicado na Science para culpar os seres humanos pelos incêndios destrutivos de há 13.000 anos e parece sugerir que o voltaremos a fazer.
O New York Times proclamou num artigo recente que os seres humanos causaram incêndios florestais catastróficos na Califórnia, levando a uma grande e trágica perda de vidas. O autor atribui a culpa destes incêndios às alterações climáticas provocadas pelo Sapiens da Idade da Pedra e aponta provas do efeito negativo da humanidade no ambiente, citando um estudo revisto por pares publicado na Science. A ciência é clara, argumenta o artigo: Os seres humanos causaram uma das maiores tragédias da história devido à sua falta de cuidado com o ambiente.
Acontece que o estudo citado baseia-se em provas recolhidas em La Brea Tar Pits – um sítio arqueológico que explora vestígios de há 13.000 anos. De acordo com o autor do NYT, os cientistas
“concluíram que o desaparecimento de grandes mamíferos nesta região estava ligado ao aumento das temperaturas e ao aumento da actividade dos incêndios provocados pelas pessoas”.
O evento de extinção destacado neste artigo ocorreu aproximadamente 12.800 anos antes de a Revolução Industrial começar a debitar carbono supostamente poluente na nossa atmosfera supostamente frágil. No entanto, o artigo do Times parece equiparar, sem hesitação, o passado ao presente.
De acordo com o relatório, os autores do estudo utilizaram um modelo informático – “semelhante aos que preveem as tendências do mercado de acções” – para determinar o papel da humanidade nos incêndios de há 13.000 anos. Alegadamente, os humanos foram os “principais responsáveis” – tanto pela ignição directa (isto é, fogueiras que ficaram fora de controlo e outras causas), como pela caça excessiva de herbívoros, que levou ao crescimento de arbustos que se tornaram combustível para os incêndios.
O estudo em si, recentemente publicado e discutido num ensaio na Science, “liga as duas hipóteses principais: actividade humana e alterações climáticas”, sendo o fogo o “mediador chave”.
O estudo parece apontar os seres humanos como a principal causa destes incêndios, que, em conjunto com as alterações climáticas, conduziram a uma “mudança de estado” ambiental. O autor principal do estudo referido, F. Robin O’Keefe, afirmou:
“Implicamos os seres humanos como sendo a principal causa do ponto de viragem”.
Portanto, devíamos expectar que as tribos nómadas que escassamente habitavam a América do Norte na Idade da Pedra deviam ter a consciência ecológica de Greta Thunberg.
O exagero disparatado que responsabiliza os humanos deriva desta elaborada e frágil teoria: O fim da idade do gelo aqueceu a América do Norte, levando os humanos a migrar em busca de novos recursos e terras. Tendo aperfeiçoado as ferramentas de pedra para caçar, estes seminais causadores do apocalipse climático colocaram novas pressões sobre as populações de herbívoros, caçando-os e removendo-os dos ecossistemas que dependiam deles para manter a extensão de arbustos do mato mais ou menos controlada. Depois, esses mesmos humanos deixaram que todos os incêndios ficassem fora de controlo, o que, combinado com o aquecimento do clima, criou um ciclo de destruição em que os incêndios se agravaram, a vegetação desapareceu e os animais se extinguiram.
Concluímos assim que o homem primitivo devia ter desistido da sua condição omnívora e optado por uma dieta vegetariana.
É uma teoria espectacular, mas não tem em conta uma série de variáveis. Mesmo o paper publicado na Science cita o arqueólogo consultor independente Joe Watkins, que manifesta preocupação grande com o facto do estudo dar demasiado peso à variável humana.
“Não há uma forma real de ligar especificamente os humanos primitivos ao aumento dos incêndios. Há muitas outras possibilidades”.
Por exemplo, os glaciares da América do Norte começaram a recuar há cerca de 14.000 anos. Esta grande mudança climática, que levou a condições mais quentes e secas, durou quase 3.000 anos e terminou há 10.000 anos. Novas provas sugerem que os humanos chegaram à América do Norte mais cedo do que se pensava – há 16 000 anos ou mais – o que significa que coexistiram com o seu novo ecossistema durante milhares de anos. À luz disto, parece um pouco exagerado sugerir que, de repente, num período relativamente curto de 400 anos, os humanos criaram condições que levaram à destruição do seu habitat.
Até mesmo O’Keefe, o principal autor do estudo, admite que
“No passado tinha sido convencido pela hipótese da matança excessiva. Este tipo de coisa masculina do século XX ‘vamos caçá-los até à extinção’. Mas depois vi os dados que mostravam que as pessoas tinham coexistido com a fauna durante milhares de anos. Tive de desaprender esta ideia de que a culpa seria dos humanos. … É mais matizado do que isso'”.
Watkins observou que as tempestades eléctricas secas contribuíram provavelmente para os incêndios florestais. De facto, os relâmpagos são – por uma larga margem – a principal causa de incêndios ainda hoje, e não há razão para acreditar que não tenham sido a principal causa de incêndios há 13.000 anos. Por outro lado, alguns estudos sugerem que os mamutes se extinguiram muito antes do que se pensava e que o frio extremo, e não apenas o calor extremo, pode ser a causa dessa extinção em massa.
Mas nenhuma destas nuances parece ter importância para o autor do New York Times, que está principalmente preocupado com a forma como o estudo se relaciona com as alterações climáticas actuais. O artigo parece sugerir que, pelo facto dos seres humanos terem alegadamente causado a extinção em massa no sul da Califórnia há 13.000 anos, iremos fazê-lo novamente – porque o fazemos sempre.
Ora, ambas as premissas são falsas. O autor não tem maneira objectiva de saber as causas de incêndios na Califórnia do Século XXI , quanto mais de aqueles ocorridos num passado assim remoto.
O artigo termina com uma citação de um paleoecologista não envolvido no estudo:
“O que estamos a ver hoje – o aumento das pressões humanas combinadas com as alterações climáticas e que estão efectivamente a causar essas alterações – é como uma lição do passado com esteróides”.
Tudo isto é um exemplo clássico de revisionismo histórico que serve de combustível para o catastrofismo climático e o anti-humanismo de que o NYT é o perfeito panfleto diário. Mas não contribui nada, claro, para a verdade histórica ou o conhecimento científico das complexas dinâmicas do clima terrestre.
E acusar o homem do Mesolítico de crimes contra o ambiente é a mesma coisa que acusar Henrique VIII de misoginia. Ou seja: é descontextualizar os factos históricos em função de tendências actuais de tal forma que a história deixa de fazer qualquer sentido.
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