A barragem está a romper-se no apoio unificado do Ocidente à Ucrânia, e o momento não podia ser pior para Zelensky, uma vez que se espera que hoje se encontre com o Presidente Biden na Casa Branca. Na quarta-feira à noite, chegaram notícias monumentais da Polónia que podem mudar todo o curso da guerra.

Poucas horas depois de Varsóvia ter convocado o embaixador ucraniano para uma nova guerra de palavras por causa do embargo às importações de cereais, o primeiro-ministro polaco, Mateusz Morawiecki, deixou cair a bomba:

“A Polónia deixará de armar a Ucrânia para se concentrar na sua própria defesa”.

Varsóvia tem sido, ao longo de mais de um ano e meio de guerra entre a Ucrânia e a Rússia, o mais firme e declarado apoiante de Kiev.

Será que esta reviravolta extremamente significativa tem implicações mais vastas? Serão as negociações de paz e a cedência de território no Donbas inevitáveis nesta altura?

Nas últimas 72 horas, as relações entre a Polónia e a Ucrânia atingiram rapidamente o seu ponto mais baixo desde a invasão russa, muito por razão de Varsóvia ter liderado um punhado de países da UE na interdição dos cereais ucranianos, resultante da raiva e indignação contínuas dos agricultores polacos, que estão a sofrer devido ao facto do seu país ser inundado com trigo ucraniano barato.

A atmosfera anterior de retórica entusiástica pró-Kiev mudou drasticamente e a Ucrânia tem sido comparada a um “homem a afogar-se”, que está a magoar quem o tenta salvar. A ameaça de alargar a proibição de produtos alimentares provenientes do país devastado pela guerra paira no ar. Entretanto, Volodymyr Zelenskyy, que não é conhecido por medir palavras, sugeriu que os estados membros da UE que estão a proibir a importação de cereais do seu país estão a ajudar a Rússia.

Pelo seu lado, o governo polaco, que está a tentar ganhar as eleições parlamentares do próximo mês com a ajuda dos votos dos agricultores, manifestou a sua consternação em relação a algumas das últimas medidas da Ucrânia, incluindo uma queixa à Organização Mundial do Comércio sobre as proibições de importação de cereais ucranianos da Polónia e de dois outros países da UE.

 

 

À margem da Assembleia Geral da ONU, o Presidente polaco Andrzej Duda, usando palavras surpreendentemente directas e concisas, disse aos jornalistas na terça-feira:

“A Ucrânia está a comportar-se como uma pessoa que se afoga e se agarra a tudo o que está próximo. Uma pessoa que se está a afogar é extremamente perigosa, capaz de nos puxar para as profundezas e afogar o salvador”.

Tendo em conta as perdas da Ucrânia no campo de batalha e o facto de estar actualmente atolada numa contraofensiva fracassada, estas palavras não devem ter caído muito bem em Kiev. Mas o contexto político interno da Polónia a isso obriga, já que o sentimento público em torno da questão começou a deteriorar-se, colocando o partido no poder numa posição difícil antes das eleições de Outubro. Tanto mais que o partido Confederação, de direita, espera capitalizar o declínio do apoio à Ucrânia no país.

A Reuters noticiou que uma sondagem recente mostrou que o apoio da população polaca aos refugiados ucranianos caiu de 91% quando a guerra começou para apenas 69% recentemente.

Em resposta à proibição dos cereais, Zelensky, durante o seu discurso na ONU, condenou o comportamento “alarmante” dos aliados, mas sem nomear especificamente a Polónia. Além disso, Kiev anunciou planos para processar Varsóvia na Organização Mundial do Comércio, ao mesmo tempo que prevê a possibilidade de decretar o seu próprio embargo aos produtos alimentares polacos, incluindo cebolas, tomates, couves e maçãs. Mais uma vez, tudo isto equivale a uma crise diplomática total para Zelensky, que não podia vir em pior altura, uma vez que ele se encontra em Washington.

Em resumo, estes são alguns dos principais desenvolvimentos e retrocessos registados apenas nos últimos dias:

Zelensky demitiu pelo menos seis altos funcionários da defesa por corrupção, depois de ter despedido recentemente o ministro da defesa de longa data, Oleksii Reznikov, no âmbito de uma investigação de corrupção.
A porta-voz americana transgénero das Forças de Defesa Territorial da Ucrânia, Sarah Ashton-Cirillo, foi suspensa por tempo indeterminado pelas forças armadas ucranianas, num embaraçoso desastre mediático.
O New York Times reportou que um míssil disparado pela Ucrânia – e não pela Rússia – atingiu um mercado civil movimentado, marcando uma inesperada reviravolta nos meios de comunicação social mainstream.
Biden ainda não prometeu quaisquer novas armas para a Ucrânia, e há informações de que os mísseis de longo alcance ATACMS não serão aprovados.

Mas o facto mais importante será talvez este:

 

 

De acordo com uma reportagem do Politico divulgada na quarta-feira, a entrega de qualquer nova ajuda para a defesa contra a Rússia até ao final deste ano está a parecer mais difícil do que nunca.

Os obstáculos somam-se: Os republicanos da Câmara dos Representantes estão cépticos em relação à entrega de mais dinheiro. Além disso, a discórdia orçamental entre republicanos e democratas ameaça empurrar o governo federal americano para uma paralisação – circunstância que certamente não deixará Zelenskyy mais perto de obter os milhares de milhões solicitados pela administração Biden. Entretanto, os republicanos do Senado estão divididos quanto à possibilidade de continuar a prestar ajuda humanitária, argumentando que o resto da Europa precisa de dar um passo em frente.

Como se estivesse ciente de que a torneira pode secar, Zelensky tem-se reunido em Nova Iorque com os principais bancos e investidores privados americanos. As reuniões, supervisionadas pelo JPMorgan, fazem parte de esforços mais alargados que visam garantir investimentos para reconstruir a Ucrânia e reparar as infra-estruturas destruídas.

Zelenskyy encontrou-se com o director executivo da BlackRock, Larry Fink. A BlackRock é a maior gestora de activos do mundo e também tem aconselhado Zelenskyy sobre como atrair dinheiro do sector privado dos EUA para o esforço de reconstrução.

A lista de convidados inclui William Ackman, o director da Pershing Square Capital; Ken Griffin, da Citadel; Jonathan Gray, da Blackstone; Philipp Hildebrand, vice-presidente da BlackRock; Michael Bloomberg, antigo presidente da Câmara de Nova Iorque e fundador da Bloomberg LP; e Eric Schmidt, antigo CEO da Google e actual director da Schmidt Futures, uma organização filantrópica.

 

 

A visita de hoje à Casa Branca e a reunião planeada por Zelensky com o líder da maioria republicana da Câmara dos Representantes, Kevin McCarthy, serão certamente interessantes.

Entretanto, para se ter uma ideia  do quanto a maré está a mudar, especialmente em comparação com a última viagem de Zelensky a Washington (em dezembro de 2022), quando foi recebido como uma estrela rock, basta este facto:

 

 

Será este o princípio do fim, para o regime Zelensky?