Os meios de comunicação social franceses estão a tratar de forma ligeira uma suposta “piada” do Presidente que poderá levar à abolição do limite de dois mandatos presidenciais. Mas não há fumo sem fogo.
Uma reunião (muito pouco) secreta.
A 30 de Agosto, teve lugar uma reunião à porta fechada entre Emmanuel Macron e os líderes dos partidos da oposição em Saint-Denis, Paris. Acontece que as portas não estavam assim tão bem fechadas e um detalhe substantivo da reunião, em que se discutiu a própria orgânica da presidência francesa, chegou à imprensa.
Actualmente, o Presidente francês pode exercer dois mandatos de cinco anos. Jordan Bardella, o líder do partido de direita da oposição, o Rassemblement National, sugeriu que seria uma boa ideia voltar a ter mandatos presidenciais de sete anos – como acontecia antes de Jacques Chirac os reduzir para cinco anos – mas com um limite de um mandato. O presidente cumpriria sete anos e depois regressaria à sociedade civil. Emmanuel Macron, de acordo com fontes citadas pela AFP, respondeu assim:
“A limitação do número de mandatos é uma treta desastrosa”.
Macron não discutiu, portanto, a duração dos mandatos, mas sim a limitação do seu número.
Este limite foi implementado pelo então Presidente Nicolas Sarkozy, em 2008, por alguma razão obscura – será que queria refrear as suas próprias ambições, será que queria tornar o presidencialismo francês mais parecido com o modelo dos Estados Unidos? Ninguém sabe ao certo. Mas o actual Presidente francês parece pensar que essa decisão foi um erro e que ele próprio deve ser reeleito o maior número de vezes possíveis.
O centrista François Bayrou, um político próximo de Macron que também esteve presente na reunião de Saint Denis, disse que não ouviu o presidente dizer essas palavras e que “houve sorrisos”. Isto faz parecer que as palavras de Macron (se é que foram proferidas) foram apenas um gracejo. É possível que assim seja. O actual presidente francês é um provocador nato. No entanto, o antigo presidente da Assembleia Nacional, Richard Ferrand, que pertence ao partido político de Macron, disse sobre os mandatos presidenciais a mesmíssima coisa em Junho deste ano. Coincidência? Certamente que não. Emmanuel Macron, o mais jovem presidente francês de sempre, está a lançar os dados. E em que contexto?
Em 2027, terá de abandonar o cargo, de acordo com a Constituição. Mas, ao contrário do que acontece nos EUA, a França permite que um antigo presidente que já cumpriu dois mandatos possa regressar mais tarde. Uma reforma constitucional poderia lançar Macron para a reeleição em 2027. Caso contrário, terá de esperar até 2032, e esse período de cinco anos pode ser politicamente fatal para ele, se o próximo Presidente se revelar mais popular – algo que não é muito difícil de conseguir, como vimos pela explosão de vaias a que foi sujeito quando se preparava para abrir o campeonato do mundo de Rugby em Paris, na semana passada.
Nada de pessoal, apenas negócios?
Para um plenipotenciário do velho continente, Macron é jovem. Em 2027, terá apenas 49 anos. E de acordo com o apparatchik François Bayrou, “Macron continuará a ser um líder democrático francês e europeu”. Aqui, é preciso perceber que “democrático” se traduz por “autoritário” e é outrossim necessário considerar o espectro político francês. Quem são os potenciais adversários de Macron? Não são muitos, mesmo que Macron seja espectacularmente impopular. O seu antigo primeiro-ministro, Edouard Philippe, é um candidato natural à sucessão, mas o actual ministro do Interior, Gérald Darmanin, um homem muito ambicioso, já começou a posicionar-se como o próximo manda-chuva. Faz parte da equipa de Macron, mas é apoiado por Nicolas Sarkozy e faz uso da estratégia que o ex-presidente eleito em 2007 interpretou, já que este era à altura também chefe do ministério dos assuntos domésticos.
Para Macron, a melhor opção seria a eleição de Marine Le Pen, Rassemblement National, em 2027. Porque ela seria absolutamente incapaz de governar o país, e não necessariamente por incompetência técnica ou ideológica. A administração pública, as autoridades judiciais, o sistema educativo, todas as estruturas do Estado, que são geralmente de esquerda, detestam-na. Recusar-se-iam efectivamente a obedecer. Seria uma confusão total no mínimo e a guerra civil no máximo. Consequentemente, a situação poderia “obrigar” a um regresso de Macron em 2032 – ou mesmo antes. E se, entretanto, a reforma constitucional tivesse lugar, ele regressaria sem limitações de mandato.
Mas será que se trata apenas de uma questão de ambição pessoal? Sim, como acontece com muitos políticos, Macron tem evidentes traços de psicopatia egotista – mas é também um dos melhores soldados do sistema neo-liberal que domina completamente as cúpulas de poder no Ocidente. O soldado Macron ainda é necessário? Fez o seu melhor, ou o seu pior, durante a crise da Covid-19 (será recordado como aquele que queria “chatear os não vacinados”), está empenhado a tempo inteiro no conflito da Ucrânia e acolhe migrantes aos milhões, espalhando-os pelas cidades e pela província do país. Como apóstolo de Davos, nenhum político francês está tão bem ligado aos círculos financeiros internacionais e às elites supranacionais do Ocidente.
É o bom soldado francês do sistema. Tem de ficar. Como chefe da França ou… como chefe da UE, depois de Ursula von der Leyen? Como disse Bayrou, “Macron continuará a ser um líder democrático francês e europeu”.
A imprensa corporativa ajuda a golpada.
A aparente “fuga” nos media franceses, que disseminou o comentário de Macron sobre o limite dos mandatos, é nitidamente um teste. O que a imprensa corporativa publica ou silencia nunca é uma questão de acaso ou coincidência. Como lacaios dos poderes instituídos, os jornalistas preparam zelosamente o terreno para as manobras políticas dos seus senhores. Como é que a população francesa acolheria uma tal reforma? Será necessário um referendo? Bem, em referendo seria um desastre para Macron, pois a sua popularidade está neste momento a um nível impronunciável. O guião tem de ser bem escrito. É aqui que a hipocrisia dos “jornalistas” atinge o seu clímax.
Começam por alinhar com as palavras de Macron, recordando que, em 2008, os constitucionalistas diziam que as reformas de Sarkozy eram, de facto, um erro. Eis o argumento histórico. Depois, tiram os violinos filosóficos para tocar a partitura que lhes foi encomendada, uma melodia que só soa bem se esquecermos que os intérpretes da república têm vindo a criticar com inconsistente constância os líderes políticos de longa duração em nações “adversárias”, como Putin, Xi, Kadhafi, Assad e etc. Podemos ler, mas não sem nos sentirmos enjoados, no BFM:
“Pode haver um homem ou uma mulher excepcionais, ou circunstâncias excepcionais, como uma guerra, que façam com que se queira manter um presidente por mais de dez anos”
De repente, recordam ao público que
“é possível governar um país durante muito tempo sem se ser um ditador”.
Ah. A sério?
Numa altura em que a França está a ser corrida de África, talvez os jornalistas africanos sejam os que melhor escrevem sobre o “gracejo” de Macron. Como notaram, as palavras de do Presidente francês foram proferidas aquando do golpe de Estado no Gabão, que se devia em parte ao terceiro mandato de Ali Bongo, apoiado por Macron, enquanto o globalista se opunha ao terceiro mandato de Alpha Condé na Guiné. E Isto diz tudo sobre a psicologia e o cinismo de Emmanuel Macron.
O rapaz quer ser rei. O segundo rei WEF.
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