“Quem quiser ser um homem tem de ser um inconformista.”
Ralph Waldo Emerson, Self-Reliance 

 

O notável e influente filósofo americano do século XIX, Ralph Waldo Emerson, acreditava que, para prosperar, temos de ser inconformistas. Se nos limitarmos a pensar como os outros pensam e a fazer como os outros fazem, limitamos o nosso potencial e entregamos a nossa individualidade a forças sociais que estão fora do nosso controlo. Neste texto, vamos explorar os perigos do conformismo, o que o inconformismo significava para Emerson e como o inconformista actua como uma força do bem numa sociedade enlouquecida.

Ser conformista é orientar a nossa vida em torno das normas, valores e ideais dominantes da nossa sociedade. É permitir que os limites e modelos da cultura estabelecida moldem o nosso sentido do eu. A maioria de nós torna-se conformista sem reflectir sobre o que está a fazer – vemos todos à nossa volta a conformarem-se e, por isso, parece natural fazer o mesmo. Mas o conformismo tem um preço, ou como Emerson afirmou numa palestra em 1844:

“A conformidade é um imposto destrutivo.”
New England Reformers

Em qualquer sociedade, apenas certos traços de carácter são favorecidos pela pressão da conformidade, enquanto muitos outros – que podem muito bem ser saudáveis – são encarados com indiferença ou desdém. Nos nossos dias, a extroversão é favorecida em detrimento da introversão, a obediência em prejuízo da dissidência e a segurança em desfavor da assumpção de riscos. Algumas pessoas podem achar que a sua natureza interior se encaixa no molde da conformidade, mas muitas pensam ao contrário. Para aqueles de nós que pertencem a este último grupo, a conformidade é semelhante a usar uma máscara feita para se ajustar ao rosto de outra pessoa. A máscara da conformidade nunca é confortável e, por vezes, pode fazer-nos sentir como impostores.

O conformismo também leva ao desperdício – perda de tempo, perda de oportunidades e perda de recursos. Na necessidade de satisfazer os outros e de manter as aparências, fazemos coisas que não valorizamos, dizemos coisas em que não acreditamos e obtemos coisas de que não precisamos, ou como Emerson escreve:

“O costume não me dá qualquer poder, e ainda por cima endivida-me. Gastamos os nossos rendimentos numa centena de ninharias e não nas coisas que são próprias do homem. As nossas despesas são quase todas para nos conformarmos.”
Man the Reformer

Mas os perigos do conformismo atingem níveis patológicos quando, como nos nossos dias, uma sociedade fica infectada com mentiras. Os políticos mentem quase tão frequentemente quanto abrem a boca. Um sistema educativo degenerado ensina mentiras sobre temas que vão da ciência à história, à ética, à economia e à política. Os media mentem sobre os acontecimentos mundiais, enquanto as empresas nos mentem sobre o valor dos seus produtos ou sobre a virtude dos seus valores. Estruturada sobre falsidades e publicismos, a conformidade pós-moderna leva-nos por caminhos errados e perigosos. Encoraja-nos à dívida para comprar coisas de que não precisamos, empanturra-nos com alimentos pouco saudáveis, exige a obediência aos mandatos mais obscenos dos detentores do poder, sujeita-nos a terapias que fazem mais mal do que bem e a evitarmos as nossas paixões e convicções e talentos em favor do dinheiro ou do estatuto social. Se cairmos na ansiedade ou na depressão, receitam-nos o oneroso embuste das consultas de psicologia, serviços de streaming de terceira categoria, jogos de consola, redes socias, drogas psicotrópicas.

São ineficientes panaceias porque a verdade está viva dentro de nós, e depende deveras da nossa reflexão.

“Tudo corre bem enquanto andas com os conformistas. Mas tu, que és um homem honesto noutros aspectos, sabes que existe algures um homem cuja honestidade chega ao ponto de não se ajoelhar perante falsos deuses, e, no dia em que o encontrares, sabes que passaste para a classe dos falsários. Se aceitares uma mentira, terás de aceitar tudo o que lhe pertence.”
Religion

Ser um não-conformista, no mundo moderno, é renunciar às mentiras que moldam a nossa sociedade e renunciar ao eu que foi moldado por essas mentiras. Este acto de renúncia abre caminho para a auto-transformação, ou como Emerson escreve:

“O homem que renuncia a si próprio, chega a si próprio.”

Quando abandonamos os hábitos de conformidade e deixamos de perseguir os seus falidos ideais, abrimos caminho para a autenticidade. Tiramos a máscara da conformidade e permitimos que a nossa personalidade individual brilhe. Mas essa renúncia não se deve limitar ao individual, devemos também renunciar à filiação em organizações e instituições que estão infiltradas pelas mentiras. Porque um não-conformista, de acordo com Emerson, deve permanecer sob a sua própria bandeira, não sob a bandeira de outro:

“Só quando um homem deixa de ter qualquer apoio exterior e se mantém sozinho é que o vejo ser forte e prevalecer. Ele é mais fraco por cada um que recruta para a sua bandeira.”
Self-Reliance

Juntamente com o acto de renúncia, o inconformista deve estabelecer uma nova direção na vida, uma vez que a mera rejeição dos modos conformistas, sem os substituir por algo de novo, nos deixará num poço de desespero sem objectivo e sem sentido. Precisamos de novas actividades para nos mantermos ocupados, novos hábitos para estruturar a nossa vida e novos objectivos que orientem um percurso original. Nesse processo de reorientação da vida, devemos trabalhar com o que a natureza nos concedeu, pois é cultivando os nossos talentos e alinhando a existência em torno de actividades de que gostamos, que libertamos o nosso poder e preparamos o caminho para uma vida realizada, ou como Emerson escreve:

“Há um momento na educação de cada homem em que ele chega à convicção de que, embora o vasto universo esteja cheio de coisas boas, nenhum grão de milho nutritivo pode chegar até ele a não ser através do seu trabalho, dedicado à parcela de terra que lhe é dada para cultivar. O poder que reside nele é novo na natureza, e ninguém, a não ser ele, sabe o que pode fazer, nem sabe até ter tentado.”
Self-Reliance

Se a conformidade nos desviou do caminho e não sabemos onde está a verdade ou em que consiste o terreno que devemos cultivar, passar algum tempo em solidão pode ajudar a corrigir essa incerteza. Longe da tagarelice e da distração das outras mentes, a solidão pode ajudar-nos a compreender quem somos e o que queremos da vida. Há vozes, “que ouvimos na solidão, que se tornam fracas e inaudíveis quando entramos no mundo”. Emerson, no entanto, embora valorizasse a solidão, não acreditava que o inconformista devesse ser um eremita. Para florescer é necessário encontrar o equilíbrio ideal entre a reclusão e a experiência social. Temos de aprender a viver em harmonia com os outros, sem uma necessidade excessiva de obter a sua aprovação ou de imitar os seus modos.

“A solidão é impraticável e a sociedade é fatal. Temos de manter a nossa cabeça numa e as nossas mãos na outra. As condições estão reunidas se mantivermos a independência, mas não perdermos a cordialidade.”
Society and Solitude

Muitas pessoas reconhecem o carácter doentio da sociedade moderna, mas poucas escolhem o caminho de inconformismo como meio de fuga. Uma razão para isso é o medo, e especificamente o medo do ridículo e da rejeição. O inconformista tem de ultrapassar essas fobias ou, pelo menos, aprender que é possível tomar medidas construtivas e inconformistas:

“O que tenho de fazer é o que me preocupa, não o que as pessoas pensam. Esta regra pode servir para toda a distinção entre grandeza e mesquinhez. É fácil viver no mundo segundo a opinião do mundo; é fácil na solidão viver segundo a nossa própria opinião; mas o grande homem é aquele que, no meio da multidão, mantém com perfeita tranquilidade a sua independência.”
Self-Reliance

A experiência de lidar com o ridículo e a rejeição, pode ser útil e construtiva. Não só nos dá a oportunidade de cultivar a coragem de agir perante os nossos medos, como também, por vezes, aqueles que nos tratam com desprezo revelam verdades do nosso carácter que aqueles que nos amam recusam apontar. Mas mesmo que a ridicularização não seja construtiva, mesmo que se baseie na inveja ou na mentira, podemos usá-la como combustível motivador, que nos eleva acima de dificuldades comezinhas ou grandes contrariedades.

“Queridos para nós são aqueles que nos amam; os rápidos momentos que passamos com eles são uma compensação para uma grande quantidade de misérias; eles aumentam a nossa vida; mas mais queridos são aqueles que nos rejeitam como indignos, pois acrescentam outra vida: eles constroem um panorama diante de nós com o qual não tínhamos sonhado, e assim fornecem-nos novos poderes e incitam-nos a novas e não tentadas performances.”
New England Reformers

Se aprendermos a vencer o medo do ridículo e da rejeição, estaremos a possuir uma competência crucial na arte do inconformismo. Mas há outra barreira que impede muitos de seguir esse caminho: a preguiça. Cultivar o nosso próprio caminho na vida exige trabalho árduo, disciplina e uma persistência implacável na acção. Porque o inconformista de Emerson não é passivo, é um agente activo que se esforça por mudar o mundo. Uma vez que o inconformista selecciona um objectivo valioso, mantém-se fiel a ele e não se deixa desviar do seu rumo apenas porque um grupo de conformistas não aprova os seus métodos:

“Todos os homens têm impulsos erráticos. Mas quando tiveres escolhido o teu caminho, cumpre-o, e não tentes reconciliar-te com o mundo.”
Heroism

Ou como ele escreve mais adiante na mesma obra:

“Se queres servir o teu irmão, porque te convém servi-lo, não retires as tuas palavras quando vires que as pessoas prudentes não te elogiam. Adere à tua própria acção e felicita-te se tiveres feito algo de estranho e extravagante e quebrado a monotonia de uma época decorosa. Foi um grande conselho aquele que uma vez ouvi alguém dar a um jovem – Faz sempre o que tens medo de fazer.”
Heroism

Seguir um caminho não-conformista irá tornar-nos mais saudáveis, mais felizes e mais poderosos, mas também nos transformará numa força benéfica para o mundo. Porque o estado interior do nosso ser manifesta os acontecimentos do mundo exterior, ou como Emerson disse:

“Um homem verá o seu carácter emitido nos acontecimentos que parecem encontrar-se com ele, mas que exalam dele e o acompanham.”
Palestra em Amory Hall

Os conformistas, ao viverem de mentiras, estão a manifestar uma sociedade doente. O não-conformista, ao alinhar-se com a verdade da sua natureza interior e com a verdade do mundo, manifestará acontecimentos que actuam como antídoto para um mundo enlouquecido, contribuindo para libertar o potencial utópico que Emerson adivinhava na humanidade.

“No pensamento de amanhã há um poder para levantar todos os credos das nações, e levar-vos a um céu que nenhum sonho épico ainda descreveu. Cada homem não é tanto um trabalhador no mundo, como é uma sugestão do que deveria ser. Os homens caminham como profecias do futuro. Os homens caminham como profecias da era seguinte.”
Circles

“Os homens caminham como profecias do futuro.” Uma frase de génio, que deve acompanhar todo aquele ser humano que está determinado em abrir o seu próprio caminho, por entre o denso mato da existência.