Não deixa de ser grotesco, mas aqueles que perseguem níveis máximos de poder político, económico e tecnológico, com que esperam ser transportados para o plano divino, têm todos uma característica em comum: são ateus radicais.

Em Silicon Valley como em Wall Street, em Davos como na City Londrina, nos corredores do Eliseu como nos gabinetes de Bruxelas, em Hollywood como em Washington, as elites ocidentais procuram recuperar níveis de autoridade sobre as massas só comparáveis a monarcas absolutos que se consideravam legitimados pelo Criador, faraós que acreditavam partilhar laços genéticos com as suas divindades ou até imperadores romanos, que eram venerados como deuses. Mas ao contrários desse antigos tiranos, os actuais aspirantes à condição de “senhores do universo” não temem a ira de entidades transcendentes, não projectam a sujeição a juízos finais nem alimentam especulações metafísicas.

E é precisamente por não responderem a um supremo poder transcendente, é precisamente por não aceitarem um código moral de natureza divina, é precisamente por não validarem senão as relações materiais que preenchem a superfície da existência, que são mais perigosos.

Aqueles que, por acto de fé ou exercício racional, acreditam num qualquer Deus, sabem intimamente que estão limitados à condição de Criatura e reconhecem por isso que lhes é interdita a ascensão ao estatuto de Criador. Mas, ao invés, os que consideram a existência como um produto de aleatória mecânica e o cosmos como um arrumo desnorteado e insignificativo de átomos que por acaso se agregaram desta feliz, bela e funcional maneira, julgam-se livres para agir como lhes aprouver e, na ausência de um Deus, ambicionam preencher eles mesmo esse vazio.

Verdade seja dita: os executivos de topo da Blackrock destroem mais vidas por minuto do que na Bíblia os acessos de ira do Deus judaico-cristão são capazes. O regime Biden é transformista sobre a realidade como nenhum dos deuses da antiguidade greco-romana e há no complexo militar e industrial americano agentes mais belicosos que o próprio Marte. Os burocratas de Bruxelas agem sobre a actividade agrícola com à-vontade de Osíris, mas ao contrário, já que o deus egípcio favorecia as boas colheitas, enquanto a União Europeia se esforça por aniquilar o cultivo da terra e obliterar a pecuária. As actuais divindades do clima como Al Gore, John Kerry, António Guterres ou Greta Thunberg, que possuem, aparentemente, capacidades de magnitude olímpica que lhes permitem “salvar o planeta”, envergonhariam por certo Matsia, o deus hindu que resgatou o homem do grande dilúvio. E Klaus Schwab, que todos os dias se esforça para trazer novos talentos para o lado escuro da Força, rivaliza, no mínimo, com Hades, Satanás e Darth Vader, pelo título de vilão supremo da história das religiões, sejam elas praticadas factualmente pelos povos ou inventadas por entre dois riscos de cocaína, nos salões delirantes de Beverly Hills.

Mas subindo para Norte pela costa da Califórnia não faltam candidatos a Jeová, demiurgos apostados na criação de novos seres magníficos, de esperteza holística e operacionalidade neuronal, feitos da mais pura matemática algorítmica. Estas criaturas competem directamente com a raça humana, poderão até levá-la à extinção, mas que importa isso perante o espantoso poder criador dos assexuados e imberbes e alienados engenheiros do Condado de São Francisco? Na verdade, nunca foi tão fácil ser Deus. Basta um doutoramento em ciências de computação na Universidade de Berkley. Até porque a inteligência artificial não precisa de ter algo que se assemelhe a uma alma (ou a uma consciência, se preferirem). Os aprendizes de feiticeiro das tecnológicas do vale de silício acham sinceramente que isso da alma é uma ficção e que o ser humano não é mais que um sistema operativo. E assim sendo, é sempre possível efectuar actualizações ao sistema. Ou muito simplesmente, criar um novo e superior software.

Ainda assim, e estranhamente, a robótica teima em fabricar modelos que procuram a semelhança com a figura humana. A antropomorfia trai o poder criativo e o cepticismo materialista do criador, que não consegue escapar ao milagre que se recusa a reconhecer.

Nas academias, prospera a ideia de que o cosmos não é mais que uma simulação ou um holograma. Porque a capacidade de projectar simulacros virtuais já existe e, se já existe, pode um dia, mais cedo do que tarde, proporcionar aos tecnólogos a capacidade de criar universos sobre universos, num labirinto ensandecido de coisa nenhuma. E mesmo aqueles que defendem a teoria do multiverso não conseguem admitir que, se existem tantos universos quantos são possíveis imaginar, algum haverá que tenha sido criado por Deus. Não há contradição em que o ateu não caia.

A morte também já não constitui limitação para este género demente de Sapiens que, quando for grande, quer ser Enlil, o pai dos deuses sumérios. Correm rumores nas bolhas de opulência em que sobrevivem as elites globalistas deste século que tecnologias de rejuvenescimento efectivas estão já disponíveis para aqueles que as podem pagar; Elon Musk está nitidamente à procura de transferir a mente humana para uma nuvem, através da tecnologia que está a desenvolver na Neuralink; e começam a ser abundantes as declarações meio aflitas, meio triunfantes, de magnatas que publicamente confessam que não querem morrer. Que não vão morrer.

São imortais, como os deuses. E ateus, como os pobres de espírito.

A sorte que temos, nós os humanos que vivemos bem com a nossa humanidade, é que estes tontos todos, mesmo que vivam para sempre num servidor ou duzentos anos como zombies, acabarão inevitavelmente por obedecer às leis eternas da entropia e sucumbir enfim ao beco sem saída da sua própria filosofia. Afinal, que glória encontramos na omnipotência, quando evitamos o confronto com a verdade moral?

E que triunfo há em ser deus, num universo sem significado?