O rápido desenvolvimento das capacidades da inteligência artificial (IA) está a deixar os criativos de Hollywood em pânico, já que a tecnologia pode criar uma onda massiva de desemprego no sector, a curto prazo.

A IA tornou-se uma questão central quando o Writers Guild of America (WGA) e o Screen Actors Guild-American Federation of Television and Radio Artists (SAG-AFTRA) entraram em negociações com os estúdios, com o WGA a exigir que os estes se comprometam a não usar tecnologias de algoritmo para gerar guiões ou treinar sistemas de conversação, como o ChatGPT, para produzir variações de seu trabalho.

Convenhamos: este é um assunto saboroso para quem não nutre simpatias pelo clã de Silicon Valley nem pelo clã de Berverly Hills. Neo-liberais que se devoram entre eles, sem precisarem da nossa ajuda. É sempre um cenário gratificante.

O comediante de Los Angeles, Adam Conover, desabafou em comunicado à Bloomberg:

“Eles nem sequer discutiram isto connosco, o que nos deixou preocupados. Estas pessoas estão realmente a planear a utilização de IA para nos prejudicar.”

Na disputa trabalhista mais significativa em 60 anos, actores e guionistas entraram em greve ao mesmo tempo, fechando várias produções cinematográficas e televisivas.

Os criativos e actores do sector já dizem que não estão a ganhar o suficiente com os serviços de streaming e que as empresas de tecnologia exploram o seu trabalho. Agora temem que a IA elimine totalmente os seus empregos, substituindo os guionistas por sistemas de conversação e as vedetas por representações geradas por computador. A IA já está a ser usada na indústria cinematográfica para criar materiais de marketing e reduzir o custo dos efeitos visuais.

Os estúdios porém hesitam em comprometer-se com regras rígidas, num cenário tecnológico em rápida transformação e que promete custos mais baixos.

Os executivos dos estúdios dizem que a ameaça da IA tem sido exagerada, reconhecendo no entanto que a tecnologia tem potencial de gerar reduções nas despesas, num contexto de declínio das receitas. A tecnologia pode economizar custos na pós-produção, enquanto empresas como a Flawless AI oferecem soluções baseadas em IA para “melhorar” as performances dos actores ou dobrar diálogos em qualquer idioma.

A este propósito, Tom Graham, cofundador da Metaphysic, afirmou:

“O desempenho humano persistirá, mas a forma como criamos conteúdos mudará drasticamente”.

Quase todos os grandes estúdios já usam IA de alguma forma. Muitos trabalham com a Flawless, que oferece um conjunto de ferramentas de pós-produção que economizam tempo e dinheiro.

O DeepEditor, por exemplo, permite que os cineastas movam um actor de uma cena para outra. Se tivermos a Margot Robbie a falar atrás de uma mesa, podemos decidir mostrá-la de um ângulo diferente sem precisar de mais câmaras e planos. O AI Reshoot permite que os cineastas substituam partes dos diálogos, desde que tenham as alterações ao guião gravadas em áudio pelo actor. O TrueSync permite a dobragem em qualquer idioma; os cineastas podem ajustar o movimento da boca de um actor para parecer que está a falar noutra língua.

Assim, com a indústria a adaptar-se às potencialidades da inteligência artificial, os criativos e os actores estão a exigir garantias de consentimento, controlo e compensação, quando ela é utilizada.

Outra questão que a IA levanta é a dos direitos de autor. Tanto a tecnologia deepfake quanto a IA generativa  levantam preocupações sobre o uso não autorizado de semelhanças e propriedade intelectual de actores. Actualmente, a Getty Images está a processar a Stability AI por supostamente usar sem permissão obras protegidas por direitos de autor.

De acordo com Hillary Krane, directora jurídica da agência de talentos de Hollywood CAA, as pessoas têm o direito de controlar a mediatização do seu nome, imagem e semelhança, mas

“a velocidade da tecnologia está a minar a nossa capacidade de fazer valer efectivamente esses direitos”.

A verdade é que, a avaliar pela paupérrima qualidade dos enredos e das performances que por estes dias saem da fábrica de pesadelos em que se transformou Hollywood, torna-se de facto muito fácil a um sistema de inteligência artificial fazer um bocadinho melhor. E mais barato, claro.

E não é só na indústria do entretenimento audio-visual que o pânico está instalado. Como o Contra já reportou, a Google está a testar, para susto dos activistas da imprensa corporativa, um sistema de AI que é alegadamente capaz de cumprir várias tarefas da área jornalística. Também aqui, não deve ser difícil fazer melhor do que aquilo que produzem os apparatchiks que trabalham na comunicação social contemporânea, embora considerando a empresa que criou o produto, não se recomende o optimismo.